Ascensão

Diverso e jovem, lo-fi se firma como a música instrumental dos novos tempos

Sleep Tales, selo brasileiro dedicado ao gênero, é um dos protagonistas dessa nova cena; estilo é abrangente e para todas as horas e lugares

Por Bruno Mateus
Publicado em 02 de abril de 2022 | 07:57
 
 
 
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Daniel Sander é economista de formação. Pouco antes da pandemia, o carioca buscava uma trilha sonora para combater sua insônia e, ao pesquisar sobre música instrumental, encontrou no lo-fi o ritmo perfeito. Aquele som, inclusive, lhe era familiar, pois lembrou que a batida o ajudava a se concentrar nos estudos nas vésperas de provas. Daniel também é músico por paixão. Nos primeiros meses do período de isolamento – e ainda insone para Sander, que estava desempregado –, ele, sob seu nome artístico, o colours in the dark, compôs uma faixa no estilo lo-fi e a colocou em uma playlist dedicada ao gênero.

“Lofi Sleep, Lofi Rain” alcançou números impressionantes. Criada em janeiro de 2021 com apenas quatro músicas, a compilação tem hoje oito horas de duração e 200 músicas.

São quase 300 mil seguidores e média de 40 milhões de plays mensais. “Comecei a perceber que a playlist tinha uma coisa a mais e passei a ter certa responsabilidade na curadoria. Pessoas começaram a me dar feedbacks, falar que estavam tendo crises de depressão, de ansiedade e que a playlist as ajudava muito”, comenta Sander, que transformou o que era algo experimental em ofício.

Em outubro do ano passado, o músico criou o Sleep Tales (“Contos para Dormir”, traduzindo para o português), focado em música para dormir e que já nasceu como o maior selo de lo-fi não europeu e o terceiro maior do mundo. Recentemente, o selo assinou contrato com a ADA, distribuidora internacional do grupo Warner Music. O Sleep Tales lança playlists, EPs e discos de lo-fi de artistas nacionais e internacionais.

Uma das últimas listas a sair do forno, em março, foi “Cosy Dreams”, coletânea especial com 20 faixas inéditas. Diante de números que despertam curiosidade, milhões de streamings e uma rede articulada entre músicos e produtores de distintos países e continentes, cabe olhar para o lo-fi com atenção. 

O termo “lo-fi” vem do inglês “low fidelity”, que, numa tradução literal, quer dizer “baixa fidelidade”. Essa baixa fidelidade de gravação para os padrões atuais dos estúdios acontece porque o gênero permite certos ruídos, pequenas imperfeições. Geralmente, a música é produzida em estúdios caseiros, e processos como masterização e mixagem não são necessariamente etapas a serem cumpridas. Baseado na batida do hip-hop, o lo-fi também é diverso e abrangente: os subgêneros abarcam influências do jazz, do rock, da bossa nova, do samba, do blues, da música psicodélica e progressiva.

Se ajuda a fazer dormir, pode também ser a música urbana que viaja com você no metrô, o som que vai te fazer companhia no trabalho e a batida perfeita para aquele momento de concentração no trabalho ou na escrita da dissertação de mestrado. É música para contemplar, relaxar, correr e trabalhar. Para qualquer oscilação de humor e diferentes cenários, há uma música lo-fi. Essencialmente instrumental, o gênero tem rompido bolhas e atingido mercados ao redor do mundo.

“É uma tendência mundial muito também por ser uma música jovem de relaxamento. Nossa sociedade consome informações demais, muita tecnologia, e isso acaba afetando todo mundo, independentemente da cultura ou do país. E, como é instrumental, não tem a barreira linguística. Meu primeiro público era formado por ouvintes da Indonésia. O lo-fi é muito forte na Ásia”, diz Daniel Sander.

O fundador do Sleep Tales concorda que a pandemia contribuiu para o aumento da busca e do consumo do lo-fi, mas pondera que a ascensão do estilo não vem de agora: “Já era um movimento que existia”.

O músico e produtor inglês George Banks buscou o lo-fi há um ano e meio. Ele estava passando por um momento difícil na vida e usou a música como conforto. O primeiro disco solo de Banks, “Somnolence”, foi lançado pelo selo Sleep Tales. Atualmente, o britânico consegue reunir 2 milhões de ouvintes mensais no Spotify.

Tamanha repercussão causa surpresa ao músico, que vê na força de uma rede colaborativa um dos motivos pelos quais o lo-fi tem crescido tanto no Brasil e no mundo. “Acho que artistas têm apoiado uns aos outros ativamente. Além disso, existem muitos subgêneros dentro do lo-fi. Há uma grande variedade de diferentes humores que as pessoas podem aproveitar curtir”, ele argumenta.

A popularização das plataformas digitais nos últimos anos, como o Spotify e a Apple Music, aliada a uma nova forma de consumir música e informação em tempos cada dia mais tecnológicos, também é um ponto que pode explicar a ascensão do lo-fi, segundo Banks: “As plataformas dão aos ouvintes a oportunidade de ouvir uma ampla gama de novas músicas, mergulhar em novos gêneros. Com novas mídias sociais, como o TikTok e o Instagram, a música também está sendo descoberta de muitas novas maneiras”. 

Cena e futuro

O guitarrista e multi-instrumentista belo-horizontino Ricardo Schneider toca desde criança e se envolveu com as cenas do rock, do blues e do folk de Minas Gerais, mas conhece o lo-fi há um bom tempo. O termo foi popularizado pelo DJ William Berger em meados dos anos 1980, mas foi na década seguinte que o gênero começou a se firmar e ser reconhecido, de fato, como uma estética e um estilo musical.

As primeiras incursões de Schneider no lo-fi datam de 2018, quando ele lançou o single “The Underdog”. Depois, veio o álbum “Lorez”, em parceria com o produtor alemão Smoke Trees. A produção mais recente do mineiro é “Still Dreamings”, de outubro passado, feito a quatro mãos com o italiano Lenny Loops. O EP tem quatro faixas, que, juntas, somam mais de 7 milhões de streams. “Os números são surreais. Tem um misto de alegria e surpresa. O gênero, hoje, é uma potência”, afirma o músico.

Ricardo Schneider vê com bons olhos o futuro do lo-fi no Brasil. A recente explosão nas plataformas digitais deve consolidar ainda mais o estilo nos próximos anos. A tendência é que, inclusive, ele saia do universo digital e coloque os pés nos palcos dos eventos país afora. Em outubro, no festival Polifonia, no Rio de Janeiro, o mineiro se juntou a outros músicos na superbanda Lo-Fi Brasil, formada por colours in the dark (Daniel Sander), FaOut, Linearwave, Pelicano e IzaBeats.

“Os artistas estão numa crescente muito grande, ritmos brasileiros estão sendo muito usados. Há uma cena importante no Brasil, e o lo-fi é o gênero mais aberto a influências. Sem dúvida, é a música instrumental mais ouvida hoje em dia”, comenta o guitarrista.

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