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Duplamente em cartaz, Odilon Esteves celebra a força do teatro e da literatura

Ator se apresenta em BH com a peça ‘Aqueles Dois’ e o ciclo de palestras cênico-literárias ‘Para abrir outras janelas’

Por Alex Bessas
Publicado em 27 de março de 2024 | 06:30
 
 
 
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Há algo de simbólico no fato de a atual temporada de apresentações do espetáculo “Aqueles Dois”, da companhia Luna Lunera, se encerrar neste domingo (31), dia de Páscoa. Afinal, a data, conforme a tradição cristã, celebra a ressurreição e o renascimento de Jesus e funciona como uma alegoria para o poder da transformação e da renovação – substantivos que também podem ser aplicados quando o assunto é o retorno desta que é uma das montagens mais longevas do grupo de teatro belo-horizontino. 

Baseado em um conto do escritor Caio Fernando Abreu publicado originalmente no aclamado livro “Morangos Mofados”, de 1982, “Aqueles Dois” soma impressionantes 17 anos de estrada, tendo passado por 25 dos 26 Estados brasileiros. Com tamanho sucesso, a peça ganhou uma versão em espanhol e ultrapassou as fronteiras nacionaise fez apresentações em países como México, Argentina, Colômbia, Costa Rica, Panamá, Venezuela, Uruguai e Portugal. 

Depois de toda essa peregrinação, há um quê de renascimento no retorno do espetáculo à capital mineira. “É uma temporada que está sendo especialmente emocionante”, admite o ator Odilon Esteves, que está duplamente em cartaz em BH, onde, além da montagem, vem realizando o seu ciclo de palestras cênico-literárias intitulado “Para abrir outras janelas” (veja mais abaixo).

Especial

Um dos fundadores da Cia. Luna Lunera, criada em 2001, o ator integra o elenco de “Aqueles Dois” desde a estreia da peça, em novembro de 2007. Ele lembra que a última montagem do título em língua portuguesa ocorreu em Portugal, em 2019. “Depois, nos apresentamos na Venezuela, no ano passado, onde, pela primeira vez, ‘Aqueles Dois’ ressurgia depois da pandemia”, assinala. “Mas agora, em BH, noto que há uma confluência de fatores que torna tudo mais especial”, pondera. 

“Para começar, temos um marco, que é a celebração do retorno com o espetáculo à cidade após um hiato de cinco anos, que coincide com a primeira vez que o apresentamos em português depois da pandemia”, comenta Odilon, pontuando que volta a realizar a montagem no mesmo teatro onde a companhia surgiu: a Sala João Ceschiatti, no Palácio das Artes. “Espaço que, na minha opinião, é o ideal para essa peça”, elogia o ator. Ele acrescenta que os reencontros coroam essa série de acontecimentos que tornam a temporada, que entra na reta final neste fim de semana, extraordinária. “Na plateia, vemos muitas pessoas que já assistiram à peça uma, duas, três vezes e que, agora, voltam a se emocionar”, comenta. 

Apreensão

Odilon Esteves reconhece que, até dar início às apresentações, se via tomado de apreensão. “O mundo mudou muito em 17 anos e, embora eu soubesse que o conto do Caio (Fernando Abreu) é atemporal, pois a literatura se atualiza aos olhos do leitor, eu tinha dúvidas se esse fenômeno se replicaria no teatro e fiquei ansioso para saber se a encenação envelheceu bem ou mal”, admite. “Mas, para a minha surpresa, acho que a peça está muito viva. Está mais viva do que nunca. O Zé Walter (um dos diretores) fala isso. Ele diz que a maturidade está nos fazendo bem e fazendo bem ao espetáculo”, conta o ator, que segue refletindo sobre como a passagem do tempo impactou o elenco – o mesmo há 14 anos, sendo formado, além de Odilon, por Cláudio Dias, Guilherme Théo e Marcelo Soul. 

Cena da peça 'Aqueles Dois', da Cia. Luna Lunera
Cena da peça 'Aqueles Dois', da Cia. Luna Lunera

“Mentalmente, temos um amadurecimento psicológico e emocional que confere mudanças sutis na forma como conduzimos a cena, mas que fazem diferença no todo”, avalia. “Por outro lado, mesmo que, evidentemente, a gente não tenha mais o corpo que tinha 17 anos atrás, sinto que a gente continua fazendo as coisas físicas do mesmo jeito que fazia lá no começo”, aponta. “É interessante perceber que o corpo tem memória, que o corpo se lembra dessa troca intensa, desse jogo de contato e improvisação, que está no cerne da montagem”, elabora. 

 

Mundo em transformação

Na avaliação de Odilon Esteves, mais que as dinâmicas cênicas, os sentidos e temas abordados em “Aqueles Dois” também se transformaram ao longo dessas quase duas décadas. “Para cada pessoa, um aspecto da peça chega mais forte. Eu, por exemplo, estou morando em São Paulo desde 2020. Lá, é muito comum as pessoas da idade dos personagens morarem sozinhas, em kitnets. Então, para mim, desta vez, o tema da solidão na capital chegou de outra forma”, opina.  

“Outra coisa que o espetáculo aborda é a aridez nos ambientes de trabalho e como, em meio a relações superficiais, é rara a chance de encontrar alguém com quem temos uma conexão profunda. Um tópico que, me parece, é atualizado pela lógica das redes sociais, em que os vínculos são mais frágeis e desfeitos na primeira discordância e temos tão pouco tempo para fazer coisas juntos, presencialmente”, ressalta. 

Por fim, o ator lamenta que os assuntos centrais de toda a trama, o preconceito e a homofobia, permaneçam urgentes. “Há um tempo, eu pensava que esta seria uma questão superada, que ficaria encoberta por outros temas, mas, com essa onda reacionária que temos vivido, fica evidente que continua sendo importante falar sobre isso”, destaca, lembrando que, em outubro do ano passado, a Comissão de Previdência, Assistência Social, Infância, Adolescência e Família da Câmara dos Deputados aprovou um projeto de lei que proíbe o casamento homoafetivo e a união estável entre pessoas do mesmo sexo e cria outra modalidade de união civil. O texto ainda será analisado pelas comissões dos Direitos Humanos e Constituição e Justiça da Casa. 

Amor pela literatura

Além do espetáculo “Aqueles Dois”, Odilon Esteves vem apresentando, em Belo Horizonte, o seu ciclo de palestras cênico-literárias “Para abrir outras janelas”, que terá mais duas apresentações, uma nesta quarta-feira (27) e outra no dia 3 de abril, no Teatro da Cidade. 

Odilon Esteves no Teatro da Cidade, onde realiza sessões do seu ciclo de palestras cênico-literárias
Odilon Esteves no Teatro da Cidade, onde realiza seu ciclo de palestras cênico-literárias

No projeto, o ator oferece ao público uma cartela de aproximadamente 18 autores, como Bertold Brecht, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e Eduardo Galeano. As pessoas, então, escolhem um nome, dando início a um bate-papo em que Odilon conta como descobriu o texto que vai ler e fala sobre o que aquela obra ou autor representa para ele. 

“Muitos desses autores chegaram em minha vida por meio de alguém que gosto muito ou através do teatro. Entendendo, portanto, que alguém me deu a mão e me levou a conhecer essas coisas maravilhosas, me sinto no dever de retribuir, de fazer essa roda crescer e passar isso para a frente”, salienta, indicando que a mesma intenção está por trás de outra iniciativa, a “Espalhemos poesia”, em que, desde 2016, realiza, nas plataformas digitais, leituras públicas de diversas obras. Desde esse mesmo ano, o ator é responsável por ler textos do projeto Letra em Cena, em que escritores analisam obras de outros autores. 

Odilon explica que essa devoção pela literatura tem raízes em sua infância. “Na minha cidade, Novo Cruzeiro (no Vale do Jequitinhonha), não tinha teatro ou cinema. Então, na 5ª e 6ª série, fui muito estimulado a ler”, recorda ele, que se esforça em manter esse hábito, apesar de todas as distrações, por considerá-lo poderoso e transformador. “Em vários momentos, acho que a literatura me salvou. É um ato que tem um quê de terapêutico, que me ajuda a elaborar meus processos e que se soma à análise, à psicoterapia”, defende. 

Próximos passos

Na trajetória artística de Odilon Esteves, é comum essa simbiose entre a paixão pela literatura e o trabalho cênico. Não por acaso, é algo que está no cerne de outro projeto do artista: a adaptação para o formato presencial da peça “Na Sala com Clarice”, originalmente apresentada online no período de isolamento social provocado pela pandemia da Covid-19, em 2020, ano do centenário de Clarice Lispector. “Já tem um tempo que quero fazer isso”, relata ele, que está no elenco da série “Guerreiros do Sol”, com estreia prevista para 2025, no Globoplay. 

 

SERVIÇOS:

O quê. Espetáculo “Aqueles Dois”, da Cia Luna Lunera
Quando. Últimas sessões nesta sexta (29) e sábado (30), às 20h, e domingo (31), às 19h
Onde. Teatro João Ceschiatti – Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537, Centro)
Quanto. A partir de R$ 20 (meia entrada). Ingressos disponíveis na bilheteria do teatro ou na plataforma Eventim.
Classificação indicativa. 16 anos

O quê. “Para abrir outras janelas” – ciclo de palestras cênico-literárias com Odilon Esteves
Quando. Nesta quarta (27) e no dia 3 de abril, às 19h30
Onde. Teatro da Cidade (r. da Bahia, 1.341, Centro)
Quanto. Taxa de inscrição de R$ 60. Disponível na plataforma Sympla.
Classificação indicativa. 14 anos

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