Literatura

Edimilson de Almeida Pereira é presença no Sempre um Papo do dia 7/2

Dois dos livros recentes do escritor mineiro (de Juiz de Fora) foram agraciados com os prêmios Oceanos e São Paulo de Literatura

Por Patrícia Cassese
Publicado em 21 de dezembro de 2021 | 03:00
 
 
 
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Certamente, o tempo será curto para tudo o que Edimilson de Almeida Pereira tem a dizer: o escritor mineiro é o convidado da edição desta terça-feira do projeto Sempre um Papo, na qual os prêmios que recentemente arrebanhou, claro, devem ser um dos temas abordados. Quem acompanha a cena literária está ligado, mas não custa repassar: em novembro, o romance "Front" (Editora Nós), de sua autoria, foi o vencedor da 14ª edição do Prêmio São Paulo de Literatura. Mais recentemente, ele conquistou o segundo lugar no Prêmio Oceanos, vencido pelo timorense Luís Cardoso, com "O Ausente" (Relicário). Os livros propriamente ditos, claro, também estarão na pauta - e não só os dois, já que, recentemente, ele também lançou "Um Corpo à Deriva" (Macondo). Mais que estes (importantes) pontos, digamos assim, factuais, o que provavelmente estará no centro do bate-papo deverá ser o próprio fazer literário, e, também, com toda certeza, os desafios obstáculos que a escrita encontra neste momento. 

Sobre os prêmios propriamente ditos, Edimilson, muito sincero, explana: "Vejo-os como uma espécie de termômetro de um ambiente formado por aspirações pessoais muito diferentes e por condições desiguais de legitimação das obras e dos nomes de escritoras e escritores". De modo geral, aponta, os concursos são tensos "porque organizados em contextos de disputas". "Abertas ou veladas, que ultrapassam a literatura em si e abarcam outras questões da esfera política e social'.

Para o autor, o reconhecimento simbólico e financeiro atribuído por um prêmio faz com que autoras e autores tenham de lidar com a projeção de sua intimidade numa esfera social mais ampla. "Os modos de lidar com essa situação variam muito. Confesso que, de um ponto de vista sociológico, esse cenário me interessa. Se consigo compreendê-lo, defino melhor o meu próprio posicionamento em função daquilo que é colocado em jogo num concurso literário". 

O escritor confirma ter, por princípio, a prática de reconhecer o sentido dos fatos sociais (e os concursos são fatos sociais) mediante as relações que eles estabelecem uns com os outros. "No meu modo de pensar, os concursos são 'um termômetro' e não 'a única maneira' para se mapear, compreender, estimular e partilhar a experiência literária. Eles serão relevantes se não limitarem outras formas de reconhecimento do fazer literário e se não reduzirem a noção de importância de uma obra ou autoria somente ao número de premiações. Sou muito agradecido aos júris que leram os romances 'Front' e 'O Ausente', acreditando que o rigor crítico foi o norteador de suas decisões nessa difícil tarefa. Pessoalmente, vejo como o maior sentido das distinções a ampliação do diálogo com quem nos ajuda a pensar se o que foi escrito se soma ou não ao tecido da vida".

Confira, a seguir, outros trechos da entrevista

Mais que falar dos prêmios, gostaria que voltasse um pouco no tempo e destrinchasse os livros que os arrebataram, bem como  "Um Corpo à Deriva". Quando e de como forma eles foram surgindo em sua mente, e como foi o processo de escrita até o ponto final. E que reflexões eles trazem em seu bojo?

"O Ausente" foi escrito entre 2002 e 2019, a partir de uma viagem que fiz, em companhia dos amigos Eustáquio e Lilian Neves, à região de Diamantina, Serro e Milho Verde, no final de 1995. "Um Corpo à Deriva", escrito entre 2015 e 2018, nasceu da observação de um desenho que retratava a disposição dos corpos de escravizados no porão de um navio negreiro; e "Front", escrito entre 2018 e 2020, surgiu da análise dos monturos de lixo em países periféricos decorrentes do descarte dos bens de consumo produzidos nos países do chamado primeiro mundo. Embora escritos com ritmos diferentes e abordando múltiplos temas, os três romances tratam de maneira ficcional de vidas humanas acuadas em situações de extremo risco e vulnerabilidade. Os personagens podem ser vistos como desajustados, se considerarmos o modelo dominante de sociedade que oferece soluções pasteurizadas para nossas angústias. Porém, se levarmos em conta o apelo de mundos interiores complexos e suas tensões com o mundo exterior, estaremos diante de personagens derrotados, sob certos aspectos, mas dignos, entregues à busca de um sentido crítico para os atos que praticam. Apesar de pressionados e vigiados, os personagens querem destruir os modelos com que foram vestidos e, desnudos, experimentar maneiras de viver que desafiam os sistemas de valores predominantes.

Gostaria de saber como está sendo este tempo de pandemia para você...Nos períodos de isolamento, a que se dedicou? 
A experiência do adoecimento injeta uma sensação de desordem no corpo, no pensamento, na rotina. Nesse tempo de pandemia, as dores pessoais se somaram às dores coletivas, nos avizinhamos ainda mais do medo e da violência. As atrocidades políticas do país agravaram, com certeza, esse cenário. Então, é impossível dizer que estou atravessando bem esse período. Acho que qualquer pessoa com o mínimo de bom senso poderá dizer o mesmo. São muitas tarefas urgentes, a cada dia: auxiliar e consolar quem sofreu perdas irreparáveis, não abrir mão da lucidez. Numa fase tão melancólica, me pergunto: como pensar e agir fora dos limites da destruição? Uma resposta possível vem sob a forma de uma vontade maior (ainda que silenciosa) de estudar e sonhar, de buscar companhia, de partilhar o pouco que tenho e sou. Isso não significa ignorar a tragédia que nos assola. Entendo que a compreensão profunda dessa tragédia nos ajudará na busca de uma perspectiva de sociedade oposta a essa atual, marcada pela competição excessiva, pela banalização da violência e pela intolerância.

O que este tempo em suspenso te ensinou?
Prefiro não considerar a ideia de um tempo suspenso. Muitos fluxos se mantiveram, essencialmente o da vida e da morte do qual decorrem os outros. Fábricas, shoppings e templos tiveram suas frequentações reduzidas, mas o fluxo da vida e da morte não se interrompeu. E, com ele, nossa aposta na esperança e nosso confronto com as perdas. Esse fluxo tem sua beleza e seu sofrimento, sua generosidade e sua violência. Não sou adepto do aprendizado pelo sofrimento e me revolto contra esse tempo de dores aumentadas. Não me adapto à ideia de que para sermos melhores precisamos aceitar tragédias que poderíamos ter evitado ou minimizado. Procuro estar atento à nossa condição de pessoas plenas de possibilidades e, ao mesmo tempo, repletas de limitações e de contradições. Vivemos situações históricas concretas que resultam, às vezes, em boas soluções, outras vezes, em grandes tragédias. Períodos anteriores da história já nos ensinaram isso. Seria importante que não nos esquecêssemos dessa lição, agora. Isso nos permitiria ganhar tempo para sustentarmos modos de vida mais colaborativos.

Chegando ao fim do ano, que balanço você faz dele? Quais as expectativas para o novo? 
Em geral, não sou rígido para estabelecer metas e depois fazer um balanço. O período que atravessamos é desastroso; é uma decorrência da derrota que os fatos deploráveis impuseram aos fatos mais dignos e confiáveis. Apesar do aspecto sombrio dessa reflexão, há uma dinâmica que inclina os acontecimentos ora para um lado nefasto, ora para um lado mais promissor. Essa dinâmica nos impõe também o desafio de conviver com o lado nefasto e o lado promissor ao mesmo tempo, acirrando os atritos entre as pessoas e os grupos da sociedade. Estar vivo, ter a consciência da vida e dessa dinâmica dos fatos acende na gente a chama do desejo, da utopia. Olho para esse cenário, e apesar das ameaças, vejo esboços de atitudes, de histórias e de encontros. A maneira como nos dispusermos a interpretá-los é que vai nos dizer se inauguramos um tempo novo ou não.

A que projetos se dedica atualmente e o que tem na mira para ano que vem?

Não sei lhe dizer com certeza que projetos de estudos ou de livros estão em vista. Há cintilações deles na minha cabeça. No correr dos dias, algo vai se definindo, principalmente a partir das trocas de ideias com outras pessoas próximas ou não.

Te abate esse momento particular da história, no qual a cultura tem sido tão solapada? Como manter a resistência?
Minha história pessoal está ligada a uma parcela da população brasileira que nunca teve a opção para dizer-se está cansada de resistir. A situação recente é angustiante porque assistimos ao estilhaçamento deliberado de todas as esferas do país. Diante das desigualdades que são amenizadas, em algum instante, e logo reatualizadas, um dos desafios é resistir e também não reduzir a vida a esse combate sem fim. Há um argumento que parece difícil de compreender, mas que é importante ser colocado em nossas mesas de diálogo. Isto é, as contradições da sociedade brasileira são tão cruéis, que terminam por apontar soluções onde aparentemente não há saídas. Nesse ambiente cheio de arestas, emerge o fato de que, muitas vezes, não temos a opção de não sonhar,  de não desejar, de não celebrar. Enquanto não superamos objetivamente o momento corrosivo que nos aflige, os atos de sonhar, desejar e celebrar revelam a inteireza de uma ética e um pluralismo cultural que nos permitiu chegar até aqui, apesar dos séculos de violência e opressão.

Em tempo: Edimilson de Almeida Pereira nasceu em 1963, em Juiz de Fora. É poeta, ensaísta e professor de Literatura Portuguesa e Literaturas Africanas de Língua Portuguesa na Faculdade de Letras da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). É autor de ensaios como “Malungos na escola: questões sobre culturas afrodescendentes e educação” (2007); de livros infantojuvenis, como “Os reizinhos de Congo” (2004) e “O primeiro menino” (2013); e livros de poemas, como “As coisas arcas” (2003) e “Guelras” (2016).

Sempre Um Papo com Edimilson de Almeida Pereira

Quando: 7/2, às 19h

Local: YouTube, Facebook e Instagram do Sempre Um Papo

Informações: www.sempreumpapo.com.br

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