Nascido na Bahia, mais precisamente em Ilhéus, Géo Cardoso, fundador do bloco Baianas Ozadas, sempre teve uma relação estreita com a família do cantor e compositor Moraes Moreira - é amigo de Davi Moraes, filho do artista, e de Pablo, sobrinho dele, além de ser parente de Antonio Risério, parceiro de Moraes em várias composições icônicas. Mas, evidentemente, não foram os laços pessoais a nortear a escolha do artista como homenageado do bloco no carnaval de 2017. "Os motivos foram os 70 anos de nascimento dele e, óbvio, sua importância na história da música brasileira", conta Cardoso, lembrando que logo na sequência, Moreira fez um show com a participação do Baianas Ozadas na Esplanada do Mineirão, dentro do encerramento do Comida di Buteco.
"Conheço a obra de Moraes desde a infância e concordo quando as pessoas comparam a estatura da parceria dele com Luiz Galvão à da formada por (John) Lennon & (Paul) McCartney. Ou, para trazermos para o Brasil, a de João Bosco e Aldir Blanc. Aliás, outro dia estava revendo o documentário 'Axé, Canto de um Povo', e fiquei pensando que Moraes foi um pouco injustiçado, pois, na verdade, foi o primeiro cantor de trio - claro, com toda a influência de Dodô & Osmar. É Moraes que coloca letra num clássico, 'Pombo Correio', e foi ele a trazer a influência percussiva dos terreiros de candomblé para os trios. Ele uniu a tradição dos blocos afro ao trio elétrico. Não dá para falar disso sem citar Moraes, foi o elo", analisa.
Instado a citar uma música em particular, Géo Cardoso opta por "Eu Sou o Carnaval", parceria com o tio distante, Risério. "Aliás, o Moraes já tinha autorizado o Baianas Ozadas a gravar essa música no disco que iríamos lançar este ano. E possívelmente ela daria o título ao trabalho. Trata-se de uma composição que já foi registrada por outras pessoas, como a Elba Ramalho e, mais recentemente, usada em um comercial de Iphone, na voz dele com a Iza". Cardoso entende que Moreira era "um trovador, um ser lírico". "Você pega a obra dele e vê que ali há vários Moraes, e sempre prestando reverência aos grandes que vieram antes. Ele homenageia todos, (Tom) Jobim, Vinicius (de Moraes), Wilson Francisco...", enumera. "Ao mesmo tempo, sempre falava com carinho e cuidado dos novos. Não era o tipo que gosta de provocar um distanciamento (geracional). Ao contrário, era muito generoso".
Já quando é instigado a citar uma característica de Moraes Moreira no trato pessoal, Géo opta pela palavra "lirismo". "Tanto que atualmente ele estava mais centrado na poesia, em particular, no cordel. Inclusive fez um sobre esse período de quarentena. O mestre cordelista mineiro Olegário Alfredo ratifica: "Além da voz e das composições memoráveis, Moraes Moreira era um grande cordelista. Escrevia muito sobre temas como natureza e saúde - tanto que, recentemente, fez esse cordel sobre o novo coronavírus. Ele era diretor cultural da Academia Brasileira de Letras e Literatura de Cordel, estava sempre nas plenárias. Levava esse trabalho muito a sério. Nós, da literatura de cordel, claro, ficamos muito abalados e lamentamos saber que não poderemos estar presentes em sua despedida, em função das orientações atuais (em tempos de pandemia)".
De volta ao universo da música, o cantor, compositor e violonista Pedro Moraes lembra que já cantou "muita música de Moraes Moreira, em tempos distintos, momentos diferentes". "Fica difícil enumerar uma música específica, mas o disco que mais me toca, desde a infância, é o 'Cara e Coração', se não me engano, o primeiro ou segundo após a saída dele do Novos Baianos, lá no final da década de 70. Moraes Moreira foi um dos caras que mais ouvi na minha fase de criança, dos 8 aos 15. Eu morava em Minas Novas, no Vale do Jequtinhonha, e meus pais cantavam e tocavam muito o repertório dos Novos Baianos. Tinham esse disco em vinil e, como ele tinha muito solo de bandolim, comecei a tirar músicas desse disco... E a influência dele foi realmente extremamente rica para mim, daí na sequência, ao longo da minha caminhada musical".
Pedro Morais lembra que é comum os fãs acharam que os ídolos não vão morrer nunca. "Mas estou feliz de perceber o quanto a obra dele continua expressiva na vida de tantos os brasileiros. Então, um agradecimento a ele, Moraes, por tantas boas influências nas nossas vidas", diz, antes de citar as músicas "A Menina Dança" e "Mistério doPlaneta" como duas composições que o tocam em particular. "Ah, sim. 'Davilicença', do disco 'Cara e Coração', que o Moraes fez para o seu filho, Davi Moraes, também é uma referência. E, claro, 'Preta Pretinha'.
A jornalista Mirtes Helena, vocalista do grupo Boca de Sino, que se dedica ao repertório dos anos 60 e 70, foi outra a lamentar a perda do cantor. "É difícil para algumas pessoas, hoje, dimensionarem a importância de Moraes Moreira e dos Novos Baianos na época da minha juventude. Aliás, o bar que a gente frequentava na rua da Bahia se chamava Chorare exatamente por causa do disco 'Acabou Chorare', obra-prima de 1972 do Novos Baianos. Lá, a gente fazia um samba aos sábados e, nesses batuques semanais, canções como 'Preta Pretinha', 'Besta é tu', 'Brasil Pandeiro' ou 'Suingue de Campo Grande' eram hits. A gente queria ser moderno como eles, misturar rock com samba e choro, cavaquinho e guitarra. E foi a partir dessa batucada que surgiu o Boca de Sino, atendendo ao pedido do sindicato dos Jornalistas, que nos desafiou a formar uma banda de anos 60", relembra.
Operador de som do Novos Baianos, Marcelo Bezerra falou ao Magazine sobre a perda do amigo. "No convívio, Moraes era muito tranquilo, muito relax de trabalhar. Uma pessoa muito inteligente, muito perspicaz, rápido nas sacadas, super engraçado. Digo que foi uma pessoa de sorte, porque saiu lá do interior da Bahia e foi parar em Salvador, onde os astros conspiraram para conhecer Tom Zé, que, por sua vez, o apresentou a Galvão. E veio o Novos Baianos. E depois, a saída da banda, naquela maluquice toda, lançar dois, três discos sem tanta repercussão assim e, de repente, estourar com "Pombo Correio", emplacando, a partir daí, uma dezena de sucessos. Tem filhos criados, Davi, que é meu amigo, meu brother, e tá aí, tem o trabalho dele, toca com todo mundo. E a Ciça. Os filhos amam ele. Pelo que soube, ele andava escrevendo até meia-noite e pouco, uma hora da manhã. Fazia tudo sozinho. Andava na rua, dirigia, vivia bem, numa casa própria confortável, no bairro da Gávea... Deitou e não acordou. Acho que teve muito sorte, pois foi um artista que teve as músicas cantadas pelo Brasil e o mundo inteiro, por diversos nomes. Por ter tocado o coração das pessoas e ter conseguido viver disso. E deitou e dormiu".