Fim de semana

Felipe de Oliveira amarra cinema e música em show de 'Terra Vista da Lua'

Neste domingo (22), cantor mineiro apresenta pela primeira vez ao vivo as canções do disco lançado em outubro do ano passado

Por Bruno Mateus
Publicado em 21 de maio de 2022 | 11:11
 
 
 
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O cantor belo-horizontino Felipe de Oliveira diz que tudo o que faz na vida é para poder estar no palco. Se ele grava um disco, é porque adora fazer shows. Neste domingo (22), às 20h, após dois anos sem fazer uma apresentação presencial, cara a cara e olho no olho com a plateia, o intérprete mostra as canções de “Terra Vista da Lua”, álbum lançado em outubro passado pelo selo Under Discos, no teatro do Centro Cultural Unimed-BH (rua da Bahia, 2.244 - Lourdes).

Os ingressos (R$ 10 a inteira e R$  a meia-entrada) estão disponíveis na plataforma Eventim. O repertório de “Terra Vista da Lua”, que sucede “Coração Disparado” (2018) e levou o prêmio de melhor disco de pop/rock de 2021 pelo “2º Prêmio da Música Popular Mineira”, da Rádio Inconfidência, traz oito canções assinadas por autores da cena musical contemporânea, como Juliano Antunes, Nobat, Tátio, Dé de Freitas, Gui Borges, Tom Custodio, Dan Nakagawa e Laura Catarina.

No palco, Felipe de Oliveira estará acompanhado por André Milagres (guitarra e violão sete cordas), Marco Aur (baixo) e João Paulo Drumond (bateria e percussões). O show tem participação especial de Marcelo Veronez.

Em cena, Felipe usa sua formação em cinema para criar o conceito do espetáculo, no qual amarra a performance musical à construção cênica, estética e dramatúrgica, principalmente por meio da luz e da cenografia. “Para este show, temos uma tela redonda, que alude a um corpo celeste, onde são projetadas imagens a partir de três retroprojetores. Eu opero os retroprojetores e vou modificando os acetatos projetados, de modo a aprofundar, no palco, a alusão à ficção científica que já estava presente no álbum”, ele conta. “Eu piloto três retroprojetores ao vivo, que vão sobrepondo imagens numa tela redonda. Eu, que venho do cinema, não consigo dissociar música de cena e imagem”, completa.

A seguir, Felipe de Oliveira fala do amor e da guerra que há em “Terra Vista da Lua”, da relação do show deste domingo com a ficção científica e o audiovisual, das influências que brotam em sua música e de como pensa a arte como um acontecimento. “Ela nos dá notícias do real, que, por sua vez, mexe nas estruturas simbólicas. Quando a gente mexe nisso, o efeito é que todo o resto vem junto. Eu canto é por isso”, diz o intérprete.

O conceito do espetáculo amarra a performance musical à construção cênica, estética e dramatúrgica, principalmente por meio da luz e da cenografia. Fale um pouco sobre a construção desse show, como isso se encaixa e dialoga com a sua interpretação, e a possibilidade de, enfim, mostrar ao vivo suas as canções do disco. 

Tudo o que eu faço na vida é para poder estar no palco. Se eu gravo disco, é porque eu adoro fazer show. Geralmente, parto do show para depois ir ao disco. Roteirizo, pesquiso repertório, conceituo a parte visual e cênica e só então imagino o que, disso, pode virar disco. Eu vim do cinema, então recebi, como herança, essa valorização da dimensão visual e cênica. A bem da verdade, não são conceitos assim tão distantes da música. A Marisa Monte diz que “tensão é o que faz soar a corda do violino”. Durante um show, a gente afrouxa e aperta a tensão da corda, mas não pode soltar. A corda precisa estar tensa do princípio ao fim do espetáculo. É o que determina seu ritmo e, para isso, precisamos nos valer dos elementos de que dispomos: iluminação, cenografia, performance de palco, o corpo dos artistas ali presentes, figurino, a costura do repertório, as letras das canções e o próprio discurso musical.

O que temos, então, para o show deste domingo?

Para este show, temos uma tela redonda, que alude a um corpo celeste, onde são projetadas imagens a partir de três retroprojetores. Eu opero os retroprojetores e vou modificando os acetatos projetados, de modo a aprofundar, no palco, a alusão à ficção científica que já estava presente no álbum. Durante o período de quarentena, estar longe disso foi duro. Essa é a primeira ocasião em que vou fazer, depois de dois anos, um show presencial movendo todos esses elementos que valorizo e gosto tanto, ainda mais com a presença de um cantor-ator de quem muito gosto e admiro, que é o Marcelo Veronez.

Você diz que “este álbum é sobre a afirmação afetiva em sua dimensão política, que saúda o outro presente em mim” e também que “este é meu disco de amor e guerra”. Por quê?

A pandemia adensou a minha relação com esse tema. Ele já estava posto antes da pandemia, mas vivê-la me permitiu falar sobre ele de outras formas. O tempo passa e a gente vai ganhando palavras, né? Repertório e recursos para dar outros tratamentos ao tema. Comecei dizendo que eu queria fazer um disco que tocasse, de maneira poética, no assunto da implicação do capitalismo nos afetos. Por fim, entendi que o que eu queria era falar sobre o que, dentro de nós, parece estrangeiro para nós mesmos. Sei que, a princípio, parecem coisas diferentes, mas não traio, de modo algum, a minha proposição original, pois entendo, aqui, o afeto em sua dimensão política. A forma dos nossos afetos não é inata, nem essencial. Ela nos é ofertada por um sistema social, político e cultural. Nós, no entanto, não apenas replicamos essa estrutura. Não existe conta exata nesse processo. Nós não somos o resultado exato da equação que nos origina. Nós excedemos o sistema que nos origina. Isso nos atribui características que, ao mesmo tempo em que dizem respeito a uma dimensão social, são, também, completamente singulares. Assim, existe algo inteiramente nosso que, no entanto, nos é estrangeiro na mesma medida. Eu não queria falar sobre esse assunto de forma panfletária, objetiva ou literal. Não acho que eu tenha qualquer mensagem a comunicar. O que eu tenho é o desejo de transmitir algo sobre esse assunto e, para falar sobre o meu incômodo com a relação à implicação do capitalismo nos afetos, eu precisava falar sobre esse tal estrangeiro que me habita, sobre o outro que me habita, sobre essa alteridade radical que nos forja a todos. Falando disso, então, estamos tocando numa dimensão dos afetos que é social e política. O refrão da primeira música presente no show diz assim: “Agora é nossa hora de viver, de enfrentar a fúria dos leões”, escrita por Lô Borges, Murilo Antunes e Ronaldo Bastos. Não consigo pensar em versos melhores para o fôlego que eu pretendi para este show. É um disco de amor e guerra pois, para falar deste assunto, uso das armas de que disponho: a poesia, a letra, a metáfora, a linguagem.

Para mim, há algo de rock, de blues, de samba, de maracatu neste disco… Estou viajando? O que transparece de suas influências musicais em “Terra Vista da Lua”?

Você está certíssimo! (risos) É curioso que, para este álbum, vieram de maneira muito direta algumas referências que antes não tinham pintado tão explicitamente. A gravação de “Dig a Pony”, dos Beatles, foi crucial. Também “Cry Baby”, da Janis Joplin. No mais, sempre muita música brasileira. Aqueles arranjos nos anos 70 do Pessoal do Ceará; a geração referenciada, hoje e sempre, como a MPB; a riqueza de textura dos arranjos dos ditos “malditos”, como Sérgio Sampaio. Também alguns artistas lusófonos e latino-americanos. E muito samba! As referências foram profusas, pois juntaram-se também às referências dos músicos que são construtores, comigo, deste trabalho: André Milagres, Marco Aur, João Paulo Drumond e Barral Lima.

Em que medida as relações humanas contemporâneas inspiram sua obra?

Acho que isso é tudo que atravessa. No fim das contas, os meus assuntos são apenas dois: amor e música. Num tempo em que bilionários vão para o espaço, é importante não esquecer que todo o restante da população permanece aqui na Terra aferrado a uma lógica quase sempre exploratória. A gente precisa é de uma mudança sistêmica e, sem a arte, isso não é possível. Não é à toa que, em todas as tiranias, houve censura aos artistas. Gosto de pensar na arte como um acontecimento. Ela nos dá notícias do real, que, por sua vez, mexe nas estruturas simbólicas. Quando a gente mexe nisso, o efeito é que todo o resto vem junto. Eu canto é por isso.

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