CINEMA

Filme adota abordagem mística sobre a trajetória de Claudinho & Buchecha

Com Lucas Penteado e Juan Paiva, o longa 'Nosso Sonho' estreia em grande circuito nesta quinta-feira

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 21 de setembro de 2023 | 07:00
 
 
 
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No início dos ensaios, Lucas Penteado não era o “anjo” que encarnaria depois na narrativa de “Nosso Sonho”, cinebiografia sobre a dupla de funk melody Claudinho & Buchecha, que chega hoje aos cinemas. Ele foi chamado para viver Buchecha, enquanto Juan Paiva assumiria o papel do amigo e parceiro musical.

No meio do processo de preparação, o diretor Eduardo Albergaria mudou os seus protagonistas de lado. “Eu comecei a sentir que havia algo brutalmente errado, de que a essência do Koka (Penteado) era a do Claudinho na vida, e a Juan, o de Buchecha. Eles estavam tentando representar. Aí os levei para a casa do Buchecha, que concordou comigo”, lembra o cineasta a O TEMPO.

Foi uma das muitas contribuições do artista durante a produção de “Nosso Sonho”. A principal, porém, foi compartilhar com o diretor a sua visão espiritualista sobre a formação da dupla que assinou sucessos como “Quero Te Encontrar”, “Só Love, Só Love” e “Fico Assim sem Você” e teve sua carreira encurtada pela morte trágica de Claudinho, no retorno de um show em Lorena (SP).

Albergaria lembra que, em 2014, quando tinha perguntado, durante reunião, sobre “qual história precisava ser contada no Brasil”, a trajetória dos funkeiros foi colocada à mesa. “Eu me aproximei do Buchecha e falei o seguinte: a história que temos antes de o conhecer já me parece um filme, mas que eu não sei se tenho interesse de fazer – uma jornada de sucesso interrompida por tragédia”.

Buchecha, então, pegou uma bandeja de amendoim torrado e fumegante e pôs no centro da mesa e começou a fazer um relato de tudo o que aconteceu. “A gente logo entendeu que aquele amendoim torrado não era só um petisco, e sim (representava) um personagem da história. Naquele dia, ficamos muito emocionados após ouvir uma história impactante e misteriosa”, recorda.

Albergaria e o roteirista Fernando Velasco haviam encontrado ali o eixo da narrativa de “Nosso Sonho”, uma das prováveis causas de êxito nas bilheterias. “Escolhemos contar essa maneira que Buchecha processou e fabulou, em torno da ideia de que Claudinho foi um anjo. De fato, algumas situações não têm uma explicação lógica e dialogam com o mistério da vida”, ressalta.

Depois de tomar contato com essa histórica fantástica, o diretor passou a brincar dizendo que “as pessoas acham que conhecem a história de Claudinho e Buchecha”, mas que o filme ressignifica tudo, com um ponto de vista completamente novo. “É um filme sobre amizade, fé, tragédia e luto e, ao mesmo tempo, sobre redenção e o caminho inexorável de todo mundo”, define.

Albergaria espera que o público possa ter uma experiência humana e transformadora ao final. “Eu me transformei fazendo o filme e espero, de verdade, que as pessoas possam flertar com essa possibilidade”, analisa. Diante da pergunta sobre ter em mãos o que pode ser a grande bilheteria nacional de 2023, ele dá uma gargalhada. “O que acho curioso é por que demoramos 20 anos para contar essa história”.

Análise

“Nosso Sonho” é o “2 Filhos de Francisco” da nossa década. São vários pontos em comum que remetem à cinebiografia da dupla sertaneja Zezé di Camargo e Luciano, realizada por Breno Silveira e lançada em 2005. Apesar de musical e geograficamente se localizarem em espaços distintos, ambos  falam do mesmo Brasil, sobre pessoas que sacrificam em torno de um sonho.

Nesse sentido, o interior goiano de “2 Filhos de Francisco” não é muito diferente da periferia do  Rio de Janeiro, em que a desesperança e a dura realidade estão sempre à porta. Sair dessa rota conhecida da maioria dos brasileiros é o grande tema de “Nosso Sonho”. Sem precisar se aprofundar em contextos sociais, o filme capta essa alma de quem supera as desilusões para chegar à vitória.

O caráter místico também se insere nessa fórmula de sucesso, fortemente acentuado no longa de Albergaria. Ele é fundamental para “Nosso Sonho” ir além de um drama musical, juntando-se a um gênero caro nos Estados Unidos, entre as produções francamente religiosas e os trabalhos ultrarrealistas. É uma obra que, assim como “À Espera de um Milagre”, acredita na humanidade.

Essa crença está estampada não só na dupla de amigos que compartilha o mesmo sonho no Salgueiro, mas também na relação com o pai de Buchecha. Como em “2 Filhos de Francisco”, a figura paterna tem papel preponderante para o avanço da narrativa, embora em funções bem diferentes. A atuação de Nando Cunha é  carregada de significados a partir do que não é dito.

Em contraponto aos momentos  sombrios que opõem pai e filho, há muita leveza, palavra que melhor define “Nosso Sonho”. O final, como todos  já conhecem, é trágico e emocionante, mas o que  se extrai desse acontecimento chega na forma de uma bonita e bem construída história de vida. Resta saber se repetirá os mesmos 5,3 milhões de espectadores de 20 anos atrás. 

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