Luto

‘Gênio’, ‘Menino Maluquinho em pessoa’: amigos repercutem a morte de Ziraldo

Chargista, mineiro de Caratinga morreu aos 91 anos, e deixou legado nas artes plásticas e na literatura

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 06 de abril de 2024 | 17:18
 
 
 
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Ziraldo, que morreu neste sábado (6), aos 91 anos, entrou na vida do chargista mineiro Renato Aroeira, natural de Belo Horizonte, de maneira comovente e especial. Ele não disfarça a voz embargada ao relembrar o fascínio com “A Turma do Pererê”, revista em quadrinhos que o avô comprou quando sua avó “estava indo embora”, para distrair os netos de ter que lidar com a dor do luto. A partir daí, Aroeira se converteu em fã, e, mais tarde, tornou-se “amigo e parceiro” daquele a quem chama de “mestre”. 

Em 2016, Aroeira colaborou com Ziraldo no livro “Meninas”, dando cor às ilustrações do criador do “Menino Maluquinho”. “Não sei nem o que dizer, Ziraldo é uma espécie de Louis Armstrong, que era monstro, genial e fantástico em dois instrumentos diferentes. Ziraldo era gênio do desenho e, também, um dos maiores contadores de histórias infanto-juvenis que eu já vi”, compara. Aroeira se orgulha de ter tido “a sorte de poder conviver como amigo com ele por quase 40 anos”. “Ziraldo era o ‘Menino Maluquinho’ em pessoa”, destaca. 

O cineasta Helvécio Ratton, nascido em Divinópolis, e que dirigiu “Menino Maluquinho – O Filme”, lançado em 1995, afirma que “Ziraldo vai fazer parte sempre da vida brasileira”. “Minha relação com ele começou desde a infância, a partir da revista ‘Turma do Pererê’, que ele criou em uma época que a gente só tinha histórias estrangeiras para crianças, através da Disney, e o Ziraldo colocou o folclore brasileiro, com uma turma de personagens nossos, falando do meio ambiente”, ressalta. 

Mais tarde, na juventude, “a contribuição enorme” veio através de “O Pasquim”, veículo de combate à ditadura militar, que o cartunista ajudou a fundar e dirigir. “Ele fazia charges fantásticas, que davam um drible na ditadura de forma sutil, nas entrelinhas. A gente se divertia muito, era um respiro naquela época sufocante”, exalta. O relacionamento de admiração evoluiu para uma parceria. Ziraldo e Helvécio escreveram juntos o roteiro de “Menino Maluquinho – O Filme”. 

“Passamos tardes inteiras rindo na casa dele, no Rio de Janeiro. Ao mesmo tempo que era um vulcão de criatividade, o Ziraldo sabia ouvir e acatar a ideia do outro. Na época, ele me disse que cinema era coisa de diretor, que o filme era meu. Foi de uma confiança e generosidade imensa me entregar desse jeito o seu grande personagem”, afirma Ratton, que segue se impressionando com o relato de pessoas que comprovam a perenidade da obra. “Até hoje, tem gente que vem me dizer que assistiu o ‘Menino Maluquinho’ há quase 30 anos, e agora os filhos estão assistindo. É uma criação eterna, que vai estar sempre entre nós”, sustenta. 

A jornalista Cristina Moreno, que interpretou Julieta, a namoradinha do Menino Maluquinho no longa-metragem, lembra que Ziraldo “morreu dormindo como o (personagem) Vô Passarim” do filme. “Ziraldo mudou a minha infância, e, talvez, minha vida toda, assim como Helvécio Ratton, que me escalou para seu filme. Mas Ziraldo fez mais, ele ensinou a várias gerações de brasileiros sobre a importância de uma infância feliz. Do brincar na rua. Dos livros de aventuras. Da criatividade e da imaginação. E, sim, da irreverência, ou ‘maluquice’, que ele usou inclusive para criticar os poderosos da ditadura militar”, sublinha, e resgata a frase de uma das mais provocadoras charges de Ziraldo contra o regime: “Só dói quando eu rio”. 

Cristina garante que a força produtiva de Ziraldo não vai se extinguir com a passagem do artista. “Obrigada, Ziraldo! Já dei continuidade ao seu legado ensinando ao meu filho, hoje com 8 anos, o poder de tudo isso que você me ensinou. E essa lição ainda vai longe, de geração em geração. Porque é isso que acontece quando as obras são eternas”, afiança a entrevistada. 

Nascido em Manhuaçu, na Zona da Mata mineira, o cartunista Quinho afirma que lhe “faltam palavras” nesse momento. “O que posso dizer é que o mundo do cartum e das artes gráficas acaba de perder sua referência mais clássica, e muitos cartunistas, assim como eu, também perderam um grande padrinho e amigo. Foi Ziraldo quem abriu as portas pra que eu entrasse nesse mundo fantástico. Foi, e sempre será, uma referência para todos nós, como artista e ser humano. Vai ser Flicts, padrinho! E obrigado por tudo”, agradece Quinho. 

O chargista mineiro Duke, que esteve pessoalmente com Ziraldo há cerca de um ano, é outro que confessa-se atordoado com a notícia da morte do artista e amigo. “Quando acontece, a gente fica abalado, minhas palavras ainda estão escassas porque estou vivendo as lembranças da nossa convivência”, declara. “A contribuição do Ziraldo para o humor gráfico, o teatro, a literatura, a arte, é sem tamanho, ele conseguiu agradar de 0 a 100, de 8 a 80, e se comunicar com todo tipo de público. Uma figura ímpar, que vai permanecer, sua obra não será esquecida tão cedo. Foi-se o maior de todos”, resume. 

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