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Gloria Perez fala sobre desafio de substituir Pantanal: 'Tudo que a gente quer'

Autora de ‘Travessia’, novelista fala sobre o novo folhetim das nove da Globo, que estreia em outubro

Por Renato Lombardi | @Renato_Lombardi
Publicado em 19 de setembro de 2022 | 07:00
 
 
 
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Considerada um dos principais nomes da teledramaturgia brasileira, a novelista Gloria Perez já tem data para voltar ao horário nobre da Globo: 10 de outubro. Ao contrário do que aconteceu em 2020 – quando a emissora levou ao ar a reprise de “A Força do Querer”, que fez um sucesso estrondoso quando foi ao ar pela primeira vez, em 2017 –, a autora retorna com “Travessia”, primeiro folhetim inédito escrito por ela em cinco anos.

A trama vai substituir “Pantanal”, atual novela das nove e que tem feito muito sucesso. Entretanto, Gloria garante que a missão de suceder a história de Bruno Luperi não a preocupa. Para a autora, estrear depois de uma história com boa audiência e repercussão ajuda, e muito. “É muito bom você estrear depois de uma novela que tenha elevado o patamar, como ‘Pantanal’. É muito bom, é tudo o que a gente quer”, explicou a experiente novelista, que traz no currículo sucessos como “Barriga de Aluguel” (1990) e “O Clone” (2001).

Protagonizada por Lucy Alves (Brisa), Chay Suede (Ari) e Romulo Estrela (Oto) – que formam o triângulo amoroso da história –, “Travessia” é apresentada por Gloria como “uma trama muito humana” e terá como pano de fundo a tecnologia e os crimes virtuais. Brisa, a mocinha da novela, será vítima de fake news e quase será linchada após ser acusada injustamente de ser uma sequestradora de crianças. Gloria revela que a inspiração veio de um fato ocorrido em 2014, em Guarujá, no litoral de São Paulo. Na época, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus morreu após ser espancada por moradores depois que circulou em uma rede social o boato de que ela sequestrava crianças para utilizá-las em rituais de magia. 

Na entrevista a seguir, Gloria Perez fala sobre “Travessia”, as inspirações e até polêmicas em torno da trama, como a escalação da influenciadora digital e ex-BBB Jade Picon para o elenco. Confira.

Gloria, suas obras têm a característica de abordar temas atuais, o que leva o público a refletir sobre esses assuntos. Em “Travessia”, a tecnologia é esse pano de fundo. Quais são as questões que a novela vai levantar?
Como em todos os meus trabalhos, eu gosto muito de olhar a sociedade, como nos comportamos hoje, através do avanço da tecnologia. Porque cada tecnologia nova introduz dramas novos e possibilidades novas de dramas para a humanidade. É disso que se trata agora também. Nós temos um grande avanço tecnológico que permite que todas as pessoas interajam entre si; podemos tornar o mundo muito pequeno porque podemos nos comunicar com qualquer lugar e fazer a nossa voz chegar a qualquer lugar. Mas como usar isso? Eu acho que é sobre isso que as pessoas vão refletir bastante. 

Na novela, a protagonista é vítima de uma “deep fake”. Como essa questão dos crimes virtuais vai ser abordada?
Nós temos – por isso a delegada Helô, personagem que Giovanna Antonelli interpretou em “Salve Jorge”, de 2012, voltou – uma delegacia de crimes de internet. Vamos mostrar como as velhas modalidades de crime se renovaram através da utilização da internet; que outras foram criadas exatamente pelas possibilidades que a internet dá para que as pessoas cometam crimes. No caso, a gente não vai focar o criminoso, porque nesse caso a pessoa fez uma brincadeira, não é um intuito criminoso de atingir aquela pessoa (no caso, a Brisa). Eu acho que isso também leva a uma reflexão: muitas vezes, estas brincadeiras que os aplicativos te permite fazer, de trocar a cara de uma pessoa por outra, em que você põe essa cara, pode ter repercussões incríveis na vida de uma pessoa, como vai ter na vida de Brisa. Isso não é nada mais nada menos que a fake news, que a velha fofoca que existe desde que a humanidade existe. É do ser humano a fofoca, a intriga. Só que a internet abre um caminho pra isso, dá uma proporção para aquela fofoca que antes ficava reduzida a um trabalho, a uma rua, a uma cidadezinha pequena, passava de boca em boca, e agora ela é imediata e vai para o mundo inteiro.

Essa sequência de fatos que Brisa vai viver em “Travessia” lembra o fato real que aconteceu com a dona de casa Fabiane Maria de Jesus, que morreu após ser linchada em 2014. Esse caso foi uma inspiração para você?
Eu acompanhei na época porque ali, no caso da Fabiane, não se tratava nem de uma fotografia em que tivesse trocado o rosto dela, era um retrato falado. Então, veja o alcance e as consequências que uma brincadeira dessa pode causar. E, no caso da Fabiane, não tinha nenhuma sequestradora sendo procurada, alguém botou de graça um retrato que, ao chegar a uma praça, alguém “reconheceu” porque tinha visto no Facebook aquela imagem e começou a dizer: tem uma sequestradora ali. Daí acontece aquele fenômeno da multidão, vira um rastilho de pólvora. E a pobre moça foi linchada. A nossa Brisa não terá esse fim, mas eu quis trazer essa história para mostrar até onde pode chegar uma brincadeira dessa. Uma pessoa perdeu a vida. Não é só a pessoa que fez a foto, que com certeza achou que era uma brincadeira, mas também o comportamento das pessoas de irem muito fácil ao linchamento. Porque todas aquelas pessoas que estavam ali naquele ambiente respondem a esse chamado sem pensar, de uma forma mecânica. Então, eu quis mostrar isso. Foi uma inspiração, sim. Eu acho que impressionou todo mundo porque foi o primeiro grande dano que eu vi causado pelas brincadeiras na internet.

Por que “Travessia”?
Nós vamos contar, como sempre, uma história muito humana que tem como pano de fundo esses avanços que nos fazem perceber que estamos entrando em um mundo diferente, novo. É preciso lembrar que todas as gerações anteriores sentiram isso, da geração dos nossos avós para a dos nossos pais… há sempre um estranhamento, há sempre uma sensação de estar pisando em uma terra desconhecida para aqueles que foram criados em gerações anteriores. Só que esse salto de agora é muito maior, e esse momento que nós estamos vivendo tem um pé no passado e um pé no futuro; nós estamos exatamente no momento do salto na travessia, e é por isso que a novela se chama “Travessia”. E não diz respeito só a esse pano de fundo, é como essas vidas individuais dos personagens vão atravessar e vão ser tocadas por essa travessia de um mundo para outro.

Você é uma pessoa que interage muito nas redes sociais. Em algum momento essa relação sua com os internautas vai se fazer valer na novela?
Eu sempre presto muita atenção em como o público está recebendo (a novela), porque eu acho que, se ele não está entendendo o que você está dizendo, a culpa é sua, o erro é seu. Então não é mudar a história, mas sim contar diferente ou perceber onde está o ruído, para tirá-lo fora. Eu escuto muito as ruas, as pessoas. Eu tenho até uma das minhas pesquisadoras que faz esse trabalho, apesar da força das redes sociais hoje. Por exemplo, ela vai à fila de um banco, solta o bordão “não é brinquedo, não”. Se a novela for sucesso, a pessoa que está na fila vai dizer “ih, viu ontem a dona Jura (personagem de ‘O Clone’)”. Entendeu? A gente vai capturando esse ruído em pequenos espaços e também vai prestando atenção nas redes sociais usando o filtro certo. No Twitter, por exemplo, eu, que estou sempre lá, escuto muito o que as pessoas dizem lá, mas ali tem muita campanha, ali tem muitas coisas direcionadas. Então é preciso ter o olho para discernir aquilo que é espontâneo e aquilo que vem de encomenda. Eu não mudo a história por essa informação, porque eu acho que o público gosta de ser surpreendido também. Quem tem a imaginação é o indivíduo, o grande público. Como grande público, ele pensa nas soluções que já viu. Então, ele gosta de ser surpreendido, com um desfecho que não estava ainda no imaginário dele.

Bruno Luperi, autor de “Pantanal”, contou que precisou entregar a novela toda escrita por causa da pandemia. Isso aconteceu com “Travessia”?
As novelas que vieram antes de “Travessia” aconteceram dessa maneira, de estarem todas escritas, por causa da pandemia, porque era uma exigência da pandemia. Mas é uma exigência a obra aberta ser escrita enquanto a novela é contada. Porque a novela, pelo seu próprio formato de obra aberta, é um grande diálogo com o público. E, quando você escreve tudo antes para passar depois, o público fica fora desse diálogo; o público não entra. Quando ela é gravada como deve ser, enquanto a história está sendo escrita, aí você tem o público dentro da novela, sabendo, achando que ele pode interferir, querendo interferir, mudar alguma coisa. A característica da obra aberta é essa. É a grande dificuldade da obra aberta, e também a grande beleza é ter o público dentro; é ser escrita enquanto a plateia está ali, como no teatro. 

Existe uma pressão por substituir “Pantanal”, que é um sucesso e atraiu um público diferente?
É muito bom você estrear depois de uma novela que tenha elevado o patamar. É muito bom, é tudo o que a gente quer. Tomara que o patamar vá mais longe ainda para dar uma continuidade de chão maior ainda pra gente. É isso que nós desejamos.

A escalação de Jade Picon para interpretar a personagem Chiara em “Travessia” causou polêmica. Para você, toda essa repercussão ajuda novela e até mesmo a própria atriz? 
Eu acho que nós vivemos um momento em que as pessoas gostam de fazer polêmicas por qualquer coisa. A arte não tem só uma porta de entrada. É óbvio que é fundamental que as pessoas burilem um talento, mas, quando um talento existe, às vezes ele estuda antes e aí chega ao palco. Outras vezes, os atores chegam aos palcos primeiro e vão estudando. É o que aconteceu com a Jade. Ela tinha a aparência perfeita para esta personagem, fez um teste junto com outras garotas. Queríamos lançar uma pessoa nova nesse espaço, isso é importante dizer. E ela se saiu muito bem no teste. Então, eu acho que essa polêmica em volta não ajuda nem atrapalha, ela faz parte do cotidiano das redes hoje, onde tudo é polêmico.

Você assistiu às cenas que a Jade gravou? Como ela está se saindo, na sua avaliação?
Assisti a duas cenas que ela já gravou, e elas me confirmaram o que eu vi no teste. Ela está se saindo muito bem no papel. Logo, vocês verão. 

Suas protagonistas sempre são personagens muito fortes e, também, controversas; não são mocinhas típicas e, às vezes, carregam vilãs dentro delas, como a Jade, de “O Clone”, e a Bibi Perigosa, de “A Força do Querer”. A Brisa tem essa característica?
É óbvio que ela tem essas características das minhas protagonistas. É uma mulher forte, é uma mulher cheia de atitude, mas ela erra também, é bem humana. É uma personagem que vai ao chão, que sofre muitas coisas, ela tem a vida completamente virada de cabeça para baixo. Seria antinatural que alguém que passe por tudo isso não sofresse nada. Como toda protagonista de novela, ela sofre, mas levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima. Essa é a característica das minhas protagonistas, sempre.

Em suas novelas você sempre traz outras culturas. Em “Travessia”, você escolheu o Maranhão. Por quê?
Eu sempre trago porque gosto muito de falar de diversidade. Em todas as minhas novelas você vai ver esse conflito entre pessoas que pensam diferente, que enxergam o mundo de maneiras diferentes. Eu acho que isso é o nosso melhor espelho. Quando você enxerga um outro modo de viver, você compara com o seu. Por isso que eu gosto de mostrar culturas diferentes, pessoas diferentes, para falar da diversidade, para falar da dificuldade que as pessoas têm de lidar com o diferente de si. O Maranhão é porque é um Estado muito peculiar. Ele começa com uma ocupação francesa, depois vêm os holandeses, depois vêm os portugueses… e isso você mistura com a cultura indígena, que já estava no local, com a cultura africana, e dá um caldo interessantíssimo! É uma cultura que tem expressões belíssimas, fora a paisagem que é muito bonita. Então o Maranhão me chamou muita atenção por isso, e eu quis falar dele, mostrar um pouquinho dele. Mas é uma homenagem para o Nordeste inteiro, de uma certa forma. Porque as pessoas não ficam em um lugar só. Você chega ao Maranhão e tem gente que veio de outros lugares, foi do Sudeste para lá, foi de outro Estado do Nordeste para lá… Então é isso que eu gosto de mostrar, e por isso nós focamos o Maranhão. E, evidentemente, é um Maranhão onde pessoas de outras culturas em volta convivem. Então, não venham dizer que tal coisa não se pronuncia assim no Maranhão, com certeza aquela pessoa veio do Piauí, de Pernambuco, veio de outra família e está ali no Maranhão! (Risos)

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