CINEMA

Helvécio Ratton lança adaptação de conto de Murilo Rubião

Filme 'O Lodo' é o trabalho mais introspectivo do cineasta mineiro

Por Paulo Henrique Silva
Publicado em 13 de abril de 2023 | 07:00
 
 
 
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“Eu sinto agora que esse lodo está chegando mais espesso”, avisa Helvécio Ratton, ao comentar o lançamento de “O Lodo” às salas de cinema, nesta quinta-feira, após três anos de espera. Baseado no conto homônimo de Murilo Rubião, o novo trabalho do diretor mineiro foi realizado pouco antes do início da pandemia do coronavírus.

“Tivemos que atravessar essa epidemia de ignorância que assolou a nossa cultura e o cinema brasileiro para poder lançá-lo. Parece que ele absorveu esse tempo que nós vivemos”, registra. O lodo, dentro da história, é simbólico das mazelas que carregamos ao longo da vida e que, em determinado momento, passam a transbordar de maneira irrefreável. 

É o que acontece com Manfredo, funcionário de seguradora vivido por Eduardo Moreira. Às vésperas de receber uma promoção, ele se sente deprimido e resolve procurar um psiquiatra. O que parece um tratamento simples acaba se direcionando para uma trama kafkiana, impregnada pelo realismo fantástico que caracterizou a literatura de Rubião.

“Durante a vida a gente vai acumulando coisas dentro da gente, fatos que são recalcados, que tentamos soterrar, guardar dentro de nós e que, se não forem trabalhados um dia, acabam nos fazendo mal. Isso acaba tendo que sair de alguma forma”, analisa Ratton. No caso do filme, essa saída se dá de forma sui generis: por um dos mamilos.

O cineasta de “Batismo de Sangue” afirma que o ingrediente que mais o atraiu no conto de Rubião é a naturalidade como ele adiciona o absurdo na vida dos personagens. “Eles expressam sua força máxima quando surgem num ambiente realista. A vida segue aparentemente normal, mas repentinamente aparece o fantástico e os desconcerta”.

O psicoterapeuta Doutor Pink é o que vive mais nesse limite entre a realidade e a fantasia. Ora é o algoz de Manfredo, ora uma dolorosa saída do buraco em que ele se meteu. “É um personagem maravilhoso. Ele pode ser visto como uma crítica à psicanálise, a certa arrogância. Por outro lado, sob a ótica da própria psicanálise, pode ser visto como uma fantasia do paciente”, analisa.

“O Lodo” é o filme mais introspectivo de Ratton, com um elenco formado apenas por atores mineiros, boa parte deles saída do grupo Galpão. “O fato de todos eles serem de Belo Horizonte tornou possível fazer um trabalho intenso antes das filmagens. E, como já havia entre eles uma grande afinidade, conseguimos atingir um nível de interpretação muito elevado”.

Para o realizador, também foi a oportunidade de pôr a capital mineira em cena. “BH é uma cidade que oferece cenários fantásticos e que possui uma luz lindíssima. Apesar disso, é muito pouco filmada. No filme, ela está muito presente, quase um personagem. Busquei certos lugares muito especiais que me ajudaram a compor o clima dessa história”.

Ratton começou a se encantar pela obra de Rubião há alguns anos, após mergulhar fundo na bibliografia do mineiro. “É uma obra que é, ao mesmo tempo, pequena, com 33 contos e de uma riqueza enorme. Pretendo trabalhar com os outros escritos dele. É um escritor ainda pouco reconhecido no Brasil, apesar de talento e da originalidade”, pondera.

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