Humor

Henfil criou o slogan das “Diretas Já!” e criticou ditadura com “Cartas da Mãe”

Postura aguerrida do cartunista também motivou o cineasta Cacá Diegues a cunhar o termo “patrulha ideológica

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 05 de fevereiro de 2024 | 06:30
 
 
 
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Henfil precisava de uma frase de efeito para encerrar sua entrevista com o senador Teotônio Vilela para “O Pasquim”. Então, não se fez de rogado e criou o diálogo que nunca existiu. “E aí, Teotônio, diretas quando?”. “Diretas já!”, o político respondia na imaginação do cartunista e nas páginas que logo chegaram às bancas de jornais, provocando um verdadeiro bafafá. 

Publicada em 1983, a matéria adensou o clamor popular que acabou derrotado, em 1984, com a definição de eleições indiretas pelo Congresso Nacional. Henfil não se resignou e permaneceu na trincheira, subindo o tom contra o futuro presidente Tancredo Neves (1910-1985) e seus asseclas, nas famosas “Cartas da Mãe” que escrevia na revista IstoÉ, até ser demitido. A coluna foi a opção enviesada que o cartunista encontrou para desafiar os militares. Dizia, com um sorriso cínico no rosto: “O governo é muito bravo, então a gente leva a mãe junto”. 

Sindicato dos Metalúrgicos e Lula

Numa denúncia ao genocídio indígena, provava a sagacidade de sua estratégia: “A senhora é cúmplice, mãe. Desculpe a frase de efeito, mas, a partir de agora, todos que sabem dessa tragédia são cúmplices. Da senhora ao presidente”. Filho único de Henfil, Ivan sustenta que a contribuição do pai na seara política foi essencial. “São poucas as personalidades que nós podemos falar que, se não tivessem existido, a história do país teria acontecido de maneira diferente. Meu pai foi uma delas”, exalta. 

Ele aborda outro caso emblemático. Quando os primeiros movimentos sindicais apareceram, no final dos anos 1970, Henfil quis conhecer Lula, intuindo que ele era “mais do que um dirigente operário”. E, ao trabalhar para o Sindicato dos Metalúrgicos, fez questão de cobrar, sob o argumento de que eles, “que estavam lutando pelos direitos trabalhistas, tinham que ser os primeiros a honrar o ofício dos outros”. Foi a partir desta dica que os sindicatos começaram a profissionalizar a categoria. “Antes, um operário tirava a foto, o outro escrevia o texto, o outro desenhava a página, era tudo amador. Por causa do meu pai, hoje todo sindicato tem um jornalista”, comemora Ivan. 

Patrulha ideológica

No auge do embate com a ditadura militar, após a proclamação do Ato Institucional Nº5 (AI-5), a postura aguerrida de Henfil motivou o cineasta Cacá Diegues a cunhar o termo “patrulha ideológica”. Em sua tirinha “Cemitério dos Mortos-Vivos”, Henfil enterrava personalidades que julgasse lenientes com o regime de exceção. Uma delas, Elis Regina, não se conformou em aparecer sob a pá de cal depois de ter sido obrigada pelos militares a se apresentar nas olimpíadas do exército. 

Mais tarde, com a desavença resolvida, a cantora deu voz a “O Bêbado e a Equilibrista”, alçada a hino da anistia, música de João Bosco e Aldir Blanc, que dizia: “Meu Brasil/ Que sonha com a volta do irmão do Henfil”. “O Henfil, como todo entusiasta militante e visceral, fazia aquilo com o coração, e podia exagerar algumas vezes. Aqui entre nós e todos que vão ler essa entrevista, há patrulhas ideológicas o tempo inteiro, é uma característica da maneira como os homens se organizam politicamente”, pondera Aroeira, que considera esses “exageros pontuais um pequeno entrave em relação ao tamanho das portas que o Henfil abriu”. 

Gregório Duvivier relembra a personalidade de Ubaldo, o Paranóico, cuja tira surgiu de reflexões entre Henfil e o jornalista Tárik de Souza. “É uma crítica não só aos militares, que deixaram todo mundo paranoico, mas, também, à própria esquerda. Ele conseguia bater nos dois lados, sem nunca equivalê-los. O Henfil ria muito de si mesmo, sem dúvidas”.

Reproduzida em camisetas, tirinhas e memes na internet, a já mítica frase “tô vendo uma esperança!”, da Graúna, segue como farol, na visão de Duvivier. “A esperança da Graúna é a única para se ter no Brasil, que é a esperança desesperada, a esperança dos famintos, derrotados, daqueles que não têm nada a perder”, arremata. 

A Graúna, pássaro típico do Nordeste, marcou época e era o único personagem feminino de Henfil, que se orgulhava desse seu “lado mulher”

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