Livros

Iminência de fechamento da Ouvidor Savassi movimenta as redes

Localizado na rua Fernandes Tourinho, o ponto era, antes da pandemia, parada obrigatória dos que, aos sábados, faziam o circuito literário na Savassi

Por Patrícia Cassese
Publicado em 01 de fevereiro de 2022 | 16:49
 
 
 
normal

Com uma extensa folha de bons serviços prestados à divulgação e ao incentivo à leitura, a Livraria Ouvidor Savassi - que foi fundada há 52 anos -  virou notícia nas redes sociais nesta terça-feira por conta da notícia de que, em breve, vai fechar as suas portas. Na verdade, teoricamente, isso não eliminaria a possibilidade de algum interessado em tocar uma livraria de rua se disponha a assumir o espaço e mantê-lo. "É um momento delicado, (manter) a livraria não estava sendo viável", diz o atual timoneiro, Bernardo Ferreira, reforçando que a pandemia do novo coronavírus foi um dos fatores que pesou na decisão, mas não o único. "A pandemia é pontual, mas havia outros, como a concorrência com os gigantes", cita, sem precisar um data para o fechamento. "Mas com toda certeza vamos dar uma satisfação aos clientes e fornecedores. A gente deve isso".

Bernardo quis deixar claro que a decisão tem o aval do pai, Marcelo Coelho Ferreira, fundador da livraria. E enfatiza que essa não se deu por um cansaço do ramo - ao contrário, ele diz ser superligado ao universo dos livros e declarou estar extremamente sentido. No que tange à pandemia, Bernardo confessa que a flexibilização, possibilitada pelo avanço da vacinação, chegou a ser vista como uma possibilidade de tempos melhores, o que não se concretizou. Vale dizer que não haverá nenhuma promoção de despedida, posto que os livros são deixados pelas editoras em sistema de consignação - portanto, voltarão para elas.

A Ouvidor, vale dizer, situa-se num endereço - a rua Fernandes Tourinho (no caso, no número 253) - conhecido como a "rua das livrarias", por abrigar tradicionais estabelecimentos, como a Quixote e a Scriptum. Também ficava por ali a loja Patrícia de Deus, que fomentava o circuito, mas que agora migrou para o Shopping 5ª Avenida.

A Fernandes Tourinho abriga outros estabelecimentos de viés particular, como uma das poucas locadoras de DVDs ainda existentes na cidade (e com excelente acervo, e que, não bastasse, ainda comercializa antiguidades_; além da estátua em homenagem a Henriqueta Lisboa assim como cafés e lojas descoladas, como a Elvira Matilde. A Ouvidor inclusive foi um dos estabelecimentos a participar do Festival Livro na Rua, o Flir.

Já há alguns anos, a Ouvidor Savassi tem, como um de seus cartões de visitas, a livreira Simone Pessoa, que já havia exercido o mesmo ofício em outro ponto localizado ali perto, mas já extinto: a Livraria da Travessa. Em conversa com o Magazine, Simone confirmou que a ideia era que a própria livraria comunicasse, em seus canais de comunicação, como as redes sociais, o encerramento das atividades a seus frequentadores. No entanto, o vazamento da informação acabou fazendo com que a notícia repercutisse nas redes antes.

Ela também confirma que a iminência do encerramento das atividades não está ligada só a uma queda na arrecadação, ainda que reconheça que sim, a pandemia afetou as vendas. "Lógico que o mercado está diferente, mas esta é uma resolução do Bernardo", enfatiza, acrescentando que ela, em particular, estará recebendo os clientes até o próximo sábado, quando se despedirá do ponto. "Gosto muito daqui e vou sofrer, com certeza. Mas faz parte. É começar tudo de novo, né? Já trabalhei na Travessa e vou seguir atuando com livros". Na verdade, Simone comentou que está fechando com outra livraria, mas, em comum acordo com a reportagem, o nome fica em sigilo pelo fato de o contrato estar em andamento.

Simone, vale dizer, nunca se furtou a indicar boas leituras aos clientes. Aliás, foi ela que sugeriu, à autora desta matéria, nos idos de 2017, o livro "A Filha Perdida", de Elena Ferrante, que foi adaptado agora para as telas, estando disponível na Netflix.

A Livraria Ouvidor já teve outros endereços, como a célebre loja da Galeria Ouvidor. Com a palavra, Bernardo: "Não saberia precisar quantos endereços simultaneamente, mas com certeza mais de 12 endereços. Tivemos loja até em Sete Lagoas, além de em bairros como Floresta, Santo Agostinho.. E fomos a primeira livraria do BH Shopping". Naturalmente, a livraria ocupou mais de uma loja na Galeria Ouvidor, de onde veio o nome.

Se ninguém se dispuser a assumir o negócio, será, de fato, uma perda significativa para a cidade. "A notícia é espantosa", publicou o jornalista, editor e escritor José Eduardo Gonçalves, um dos nomes à frente da revista "Olympio" e idealizador e condutor do projeto Letra em Cena, entre outras atividades ligadas ao universo das letras. Outro a lamentar foi o jornalista, escritor e produtor cultural Afonso Borges.

O poeta Mario Alex Rosa publicou uma bela homenagem à livraria em seu perfil no Instagram. Ao Magazine, falou: "De ontem para hoje correu a notícia pela internet que a grande livraria Ouvidor Savassi pode fechar as portas a qualquer momento. Como frequentador, naturalmente fiquei muito chateado e apreensivo por saber que mais uma livraria, um espaço cultural poderá dar adeus! Um espaço de rua, do passeio público onde se passeia para encontrar amigos nos lançamentos. A Ouvidor é uma referência para Belo Horizonte, lá é um ponto de encontros entre a 'velha guarda' e as novas gerações de escritores, poetas, artistas".

Rosa ressaltou o fato de a Ouvidor ter um time de funcionários dos mais qualificados e educados. "Funcionários que, para além de atender com elegância, sempre nos deixam à vontade. Posso destacar dois com quem sempre tive mais contato: Thiago, que não trabalha mais lá, mas sempre muito atencioso. E Simone, conhecida de muitos frequentadores. Diria que a Simone é uma livreira que qualquer dono de livraria gostaria de ter". No cômputo geral, ele pondera que Belo Horizonte perde muito com o possível fechamento da Livraria Ouvidor. "Perdem todos que têm as livrarias do quarteirão da rua Fernandes de Tourinho como um lugar do afeto".

O livreiro Álvaro Gentil Pereira completou: "Tenho uma relação de alguns anos com a Ouvidor, especialmente com os lançamentos da editora Ramalhete (que capitaneia). Sempre fizemos sessões de autógrafos ali, o que acabou nos aproximando. Havia essa identificação da editora com a livraria, tanto que acabei lançando meu próprio livro ("Lôlo, o Menino Distraído") lá (em setembro do ano passado). Na minha opinião, a Ouvidor tem um peso imensurável na cidade. Essencial, vital para a cultura. Por ali passaram vários livreiros, leitores foram formados e acabaram mantendo contato., Sou suspeito, mas acho que ela e as outras livrarias de rua têm toda uma nobreza, uma questão acima de ainda estarem de portas abertas. Não gosto da palavra 'resistência', mas é meio isso. As livrarias de rua que permaneceram está quase neste ponto. Por isso, termino desejando vida longa a elas".

Notícias exclusivas e ilimitadas

O TEMPO reforça o compromisso com o jornalismo profissional e de qualidade.

Nossa redação produz diariamente informação responsável e que você pode confiar. Fique bem informado!