Fim de um ciclo

Jornalista Isabela Scalabrini deixa a Globo após 44 anos

Profissional, que se destacou na cobertura esportiva, atuava nos telejornais da emissora em Minas há 25 anos

Por Renato Lombardi | @Renato_Lombardi
Publicado em 31 de janeiro de 2023 | 13:52
 
 
 
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Rosto conhecido dos mineiros, Isabela Scalabrini não é mais funcionária da Globo. A jornalista deixou a emissora nesta terça-feira (31), após 44 anos de serviço. Há mais de 20 anos, ela dava expediente na Globo Minas, onde apresentou o MGTV 1ª edição (atual MG1) e, nos últimos anos, realizava reportagens para os telejornais locais da emissora e também para o Jornal Nacional.

A saída de Isabela da Globo foi comunicada por Ali Kamel, diretor de jornalismo da emissora, em um e-mail interno enviado para toda a equipe, e divulgado, em primeira mão, pelo site Uol Splash. Uma fonte revelou que na redação da Globo em Minas a notícia foi recebida com surpresa e que deixou os colegas de trabalho da jornalista muito emocionados. A jornalista foi recebida com aplausos ao chegar na emissora nesta terça-feira.

Segundo colegas de trabalho, Isabela também ficou muto emocionada e afirmou que, em todos os anos de Globo, ia trabalhar muito feliz, com a mesma disposição da primeira vez que pisou na emissora. Ela também pontou que viveu muitas coisas na empresa e que ama ser jornalista.

No comunicado, Kamel relembrou a trajetória da jornalista, que se destacou na cobertura esportiva da emissora nos anos 1980 e enfrentou muito machismo. Segundo o diretor, Isabela o procurou ainda em 2020 informado a vontade de se desligar da Globo. Entretanto, a jornalista adiou os planos e marcou a saída para o final de janeiro de 2023. 

Ali Kamel destacou destacou a participação de Isabeça em coberturas jornalísticas como a da Chacina da Candelária e o assassinato da atriz Daniella Perez, como também entrevistas com várias personalidades, entre elas Ayrton Senna, Tom Jobim e  Kurt Cobain.

"Ao me despedir de Isabela com esse texto, destaco o meu respeito por ela. E, em nome da Globo, agradeço o jornalismo que praticou aqui: pioneirismo aliado à alta qualidade!", afirmou o diretor de jornalismo da Globo.

Mudança para Minas

Em 1998, Isabela Scalabrini se mudou para Minas Gerais com a família e assumiu a apresentação do MGTV 1ª edição (atual MG1) ao lado de Artur Almeida (1960-2017), e, ao mesmo tempo, fazia reportagens para os telejornais de rede da emissora.

Com a morte do jornalista em 2017, passou a apresentar o MGTV sozinha, postou que ocupou por 22 anos. Ela deixou o programa em agosto de 2019 e foi substituída por Aline Aguiar. Desde então, Isabela passou a se dedicar às reportagens especiais. Até a publicação desta reportagem Isabela Scalabrini não havia se pronunciado sobre a saída da Globo.

Confira a íntegra do comunicado de Ali Kamel

Em 2020, pouco antes da pandemia, Isabela Scalabrini me procurou dizendo que estava se preparando para encerrar sua colaboração com a Globo. Ela me explicou que queria mais tempo para si, depois de 44 anos na emissora. Combinamos de voltar a conversar, e o fizemos no ano seguinte, eu com uma pontinha de esperança de que ela tivesse mudado de ideia. Isabela ficou conosco ainda em 2021 e 2022, mas sinalizando que sairia. No final do ano passado, me procurou mais uma vez e marcou a saída para esse final de janeiro. Eu entendi as razões dela e combinamos de fazer o anúncio hoje.

Na conversa, ela me disse uma verdade que deve inspirar todos os que são apaixonados por jornalismo: ela se sente plenamente realizada e diz que olha para trás e só sente orgulho. Ela tem razão. Em 1979, Isabela cursava a universidade à noite e trabalhava de manhã na Rádio Nacional, como repórter de rua. Foi aprovada no concurso de estágio da Globo depois de fazer provas de conhecimentos gerais ao lado de centenas de candidatos (quase como um vestibular) e, depois, já num grupo menor, de passar por entrevistas seletivas com editores do JN. Foram aprovadas dez mulheres. O estágio durou cerca de um ano e Isabela passou por todos os setores do jornalismo. O contrato foi assinado em janeiro de 1980.

A primeira missão depois de ser efetivada foi trabalhar na salinha da apuração da Editoria Rio. Conversava com bombeiros e policiais nas dezenas de rondas pelo telefone - era ali que um repórter aprendia a fazer perguntas. Fez a primeira reportagem para o JN naquele período. No tempo da película, havia uma quantidade sempre muito pequena de filme na câmera: mas ela fez uma "passagem" e uma entrevista sem errar ("de blusa azul"), ela me contou na nossa última conversa. Em seis meses, surgiu uma vaga no departamento de esportes e ela transferida. Foi pioneira.

Na década de 1980, havia pouquíssimas mulheres no jornalismo esportivo - só algumas em rádio e jornal. Na Globo, a repórter Mônika Leitão foi escalada para a Olimpíada de Moscou (1980), mas logo depois pediu demissão. Isabela foi assim, por muitos anos, a única mulher na nossa equipe esportiva. Nos estádios, em dias de jogos, o público reagia com todo tipo de brincadeira preconceituosa quando ficava no campo. A pergunta que mais ouvia era: "Você entende de futebol?". Ela não entrava no vestiário, claro. Eram os jogadores que iam até a porta para a gravação. Mas nunca deixou de noticiar algum fato e nem foi desrespeitada por jogadores ou treinadores. Nunca deixou de fazer reportagem esportiva por ser mulher. Ela lembra que foi Hedyl Valle Júnior quem teve a ousadia de a escalar para coberturas internacionais.

Em 1986, na Copa do Mundo do México, acompanhou a seleção da Argentina de Maradona. Era praticamente a única repórter do sexo feminino no evento. Lá, também ouviu muitas piadinhas de repórteres de várias nacionalidades. Mas foi a ela que Maradona deu uma entrevista, que começou exclusiva na concentração da equipe argentina, mas que logo virou uma coletiva com a correria dos repórteres, surpresos, tentando alcançá-la.

Na Olimpíada de Los Angeles, acompanhou a chegada da maratona feminina dentro do Coliseu. Fez a reportagem sobre o esforço da suíça Gabrielle Andersen para completar a prova: contorcendo-se em câimbras, não permitiu que ninguém a tocasse até cruzar a linha de chegada (para somente então cair ao solo e ser atendida). A imagem é considerada uma das mais importantes do esporte mundial.

E, nos Jogos Olímpicos de Seul, fez a polêmica entrevista com o corredor Joaquim Cruz em que ele denunciou o uso de anabolizantes pelos atletas americanos depois da desclassificação do canadense Ben Johnson, por doping. A entrevista teve repercussão no mundo inteiro. Joaquim treinava com eles nos EUA e, depois de ser muito criticado por acusar outros atletas de doping, abandonou a Olimpíada. Ele tinha ganhado medalha de prata poucos dias antes, nos 800 metros, e desistiu de correr os 1.500 metros.

Foram muitas histórias inesquecíveis na cobertura esportiva. Até recentemente era convocada para falar sobre esse pioneirismo no futebol. Depois de doze anos, foi convidada para trabalhar na Editoria Rio em 1993. Do período, destaco as coberturas que fez da Chacina da Candelária e do assassinato de Daniella Perez. Em tantas décadas, teve o privilégio de entrevistar Ayrton Senna, Pelé, Tom Jobim, Luciano Pavarotti, Kurt Cobain e tantos outros. E de conhecer o mundo. Cobrir o carnaval carioca era uma das suas paixões. Foram mais de trinta anos ao vivo na Avenida! Várias entrevistas feitas por Isabela estão em documentários recentes do GloboPlay, o que demonstra a relevância e a qualidade delas - Pepê, Castor de Andrade e Garrincha. Vale conferir.

Em 1998, uma guinada. Mudou-se para Belo Horizonte, onde ficou por mais vinte e cinco anos. Apresentou o MG TV de 1998 a 2019 e, hoje, é uma personalidade mineira, respeitada por todos, parada nas ruas, os espectadores reconhecem o profissionalismo dela. Dia sim, dia não, ainda em janeiro, estava no JN e nos locais de BH com seu talento. Uma profissional completa.

Ao me despedir de Isabela com esse texto, destaco o meu respeito por ela. E, em nome da Globo, agradeço o jornalismo que praticou aqui: pioneirismo aliado à alta qualidade!

Obrigado,

Ali Kamel

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