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Luiz Edmundo Alves lança 'Álbum de Percepções', que define como 'livro híbrido'

A obra reúne poemas, fotografias e desenhos: 'É um registro das minhas andanças e, igualmente, de percepções diversas. Uma experiência estética'

Por Patrícia Cassese
Publicado em 07 de abril de 2021 | 03:00
 
 
 
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Logo no início da conversa, o psicólogo e escritor Luiz Edmundo Alves esclarece que o recém-lançado “Álbum de Percepções” é o que chama de um "livro híbrido, conceitual". "Reúne poemas, fotografias e desenhos. É um registro das minhas andanças e, igualmente, de percepções diversas. Uma experiência estética", define. O processo de feitura, conta, foi gradual - poderia se dizer até mesmo lento. "Fui fazendo. Até que ganhou estrutura de um livro. Na verdade, eu tinha esse sonho de fazer um livro de arte, com poemas, desenhos e fotos: sejam paisagens no vale do rio Jequitinhonha, sejam da fazenda na qual moro atualmente, seja das viagens que fiz por países como França, Suíça, Chile... e outros lugares", explica. A obra também inclui fotos de artes de rua. "Sempre me interessei por pichações, grafites... Acho que são manifestações artísticas muito interessantes, próprias da juventude e, por que não dizer, muito marginalizadas. Na verdade, era para ter muito mais fotos de grafites (no livro), mas aí envolve questões de direitos de imagens - então, algumas acabaram ficando de fora". 

Em fevereiro do ano passado, "Álbum de Percepções" já estava todo estruturado. "Mas veio a pandemia, o que adiou a impressão". Foi neste período inicial de quarentena que ele começou a retocar todo o livro, transformando-o. "Cada dia era uma coisinha aqui, outra ali, saía uma foto, entrava outra", rememora Alves, acrescentando que o mesmo aconteceu com os poemas. "O que, aliás, me fez lembrar 'Cem Anos de Solidão', do (Gabriel) Garcia Marques, cujo personagem Coronel Aureliano Buendía, já na velhice, fazia peixinhos de ouro: quando acabava o ouro, ele destruía os que estavam prontos e fazia outros. Era como eu me sentia, derretendo peixinhos", compara. 

Só em outubro adveio a sensação de que não havia mais nada pra fazer. "Foi um 'chega de derreter peixinhos'", diverte-se. Então, Alves se juntou ao artista gráfico Daigo da Mata e, juntos, os dois finalizaram o projeto. Assim, o livro ficou pronto no início de dezembro, numa parceira com as editoras associadas Quixote + Do. Desta vez, porém, não deu para fazer um lançamento presencial. "Festivo, como sempre fiz, com música, leituras, comidinhas, bebidas, performance. No entanto, curiosamente, as vendas foram surpreendentemente melhores do que as com os outros livros que lancei", brinda.

Luiz Edmundo Alves diz que se considera poeta desde sempre. "Na adolescência já escrevia poemas, sob a influência de Vinicius (de Moraes) e de Castro Alves. Aliás, passei muitos anos achando que Vinícius era baiano, até me orgulhava disso". Ao se mudar para Belo Horizonte, ele se enfronhou na poesia de Carlos Drummond de Andrade. "Foi impactante. Neruda também me influenciou muito. Depois, veio a poesia de outros poetas, e acabei me afastando lentamente da lírica drummondiana". 
Apesar da graduado em psicologia, ele diz que  nunca exerceu a profissão. "Nem buscar o diploma eu fui. Na verdade, sempre acreditei que o curso iria enriquecer a minha formação de poeta, me ofertando conhecimento capaz de melhorar minha produção literária, e as abordagens da psicanálise com relação à linguagem e aos sonhos marcaram definitivamente minha poesia. Mas nunca me imaginei psicólogo, não era minha vocação (risos) - embora tenha amado a experiência do curso, algo determinante em minha vida". 

Antes mesmo de se graduar, Luiz Edmundo Alves começou a trabalhar com vídeo, fazendo filmagens comerciais que garantiram o sustento por quase 25 anos. "Nesse meio tempo, produzi muitos vídeos de arte e os chamados vídeopoemas, que me deram prêmios e muitas alegrias nos processos criativos. O trabalho com vídeo e o meu natural gosto pela arte me aproximaram de artistas relevantes. Construí amizades duradouras. Gosto do senso coletivo da arte, da poesia. Relaciona-se a poesia à solidão, mas vejo justamente o contrário: a poesia junta as pessoas, aproxima, cria grupos - e isso é uma das coisas que amo nessa minha jornada: fazer parte do coletivo".

Confira, a seguir, outros tópicos da entrevista

Como está sendo esse período de suspensão social para você? Foi - e está sendo - um período duríssimo. Acho que para todos tem sido assim. A pandemia trouxe tensão e estresse coletivos. Fiquei muitos meses sem vir a BH. Depois, tomando os devidos cuidados, vim algumas vezes. Sempre com medo de me infectar, já que tenho mais de 60 anos e sou cardiopata (já fiz transplante da válvula mitral). Mas, em dezembro, aconteceu o que temia: fui diagnosticado com a Covid. Felizmente não precisei de internação, no entanto passei muitos perrengues, com falta de ar, fraqueza, tonteiras e outras coisas. Foram momentos muito difíceis. Mas tive mais medo de infectar outras pessoas do que de morrer. Até hoje, mais de três meses depois, ainda sinto algumas consequências da Covid-19. Mas vou seguindo. Sonhando com a vacina.

Que sentimentos te assolam e o que pensa sobre o futuro? Uma infinidade de sentimentos, inquietudes criativas, inquietudes políticas, difícil ficar imune aos descalabros de um governo que despreza a ciência, a arte, a cultura e a educação. Temos um ministro da economia que despreza parte do povo brasileiro com seu liberalismo tonto, uma ministra dos direitos humanos que quer retirar direitos básicos das mulheres e das crianças, um dirigente negro que tenta destruir a memória da negritude, que despreza seus pares. É difícil não sentir revolta. Como tudo passa, espero que esse governo passe e entre para os subterrâneos de nossa história. Com relação ao futuro me dou o direito de ser pessimista em alguns pontos e otimista em outras. Mas, de maneira geral, e por enquanto, prevalece o pessimismo.

Tem feito poesia? Tem lido poesia? Sempre faço poesia e sempre leio poesia. Essa é minha arte, meu bosque. Ler e fazer poesia me mantêm vivo, teso, atento. Leio de tudo, clássicos como Fernando Pessoa, João Cabral, Drummond, Helberto Hélder, Ferreira Gullar, além dos contemporâneos, como José Luís Peixoto, Maria Esther Maciel, Ana Elisa Ribeiro, Dijamir Sesostre, Edimilson de Almeida Pereira. Gosto de muitas coisas avulsas que leio nas redes sociais também. Ver que tem uma turma jovem fazendo e se interessando por poesia dá muita satisfação. Gosto de passear pelo YouTube vendo a diversidade de poetas e de estilos. Amo isso tudo. A poesia está muito viva e eu estou nesse bonde.

Em tempos em que a arte e a cultura têm sido tão desconsideradas, qual a função precípua delas? Há muitas funções para a cultura e para arte. Constituem uma parte fundamental na formação dos povos. São manifestações naturais desde a pré-história. Estão relacionadas à identidade e à beleza, mas também à resistência política e social. A arte e cultura são imensas, e nós somos irremediavelmente pequenos. Então, neste momento tão singular que vivemos no Brasil, em que houve tentativa de desacreditar a arte e os artistas, só nos resta resistir, rebater, debater e, sobretudo, manifestar fazendo arte. Um país que desacredita da cultura e da arte não tem futuro bonito, promissor. Como disse antes, eles passarão, já a cultura, a arte e os artistas permanecerão vivos e pulsantes.

Qual a primeira coisa que pretende fazer quando isso (esse pesadelo) acabar? Cozinhar pra uns 20 ou 30 amigos, devidamente aglomerados, não sem antes ler para eles uma meia dúzia de poemas meus e alheios. Pensarei nos poemas e no cardápio quando for o momento. 

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