"Posso apertar a sua mão?". A pergunta foi dirigida a David Lynch no auditório da reitoria da UFMG, ontem pela manhã, segundos antes da interlocutora subir ao palco, cumprimentar o diretor e despencar em choro - sendo necessário alguém levar-lhe um copo de água. Uma mistura de emoção, tributo, respeito e macaquice marcou a ida de Lynch à universidade.

O realizador de "Veludo Azul" (1986) e "Cidade dos Sonhos" (2001) preferiu deixar a conferência fluir a partir de perguntas dirigidas a ele. E aí, é claro, vieram desde dúvidas mais interessantes às mais absurdas. Enquanto um estudante perguntou sobre o quanto a memória influi no trabalho de Lynch, outro disse explicitamente que o diretor deve "fumar um ou tomar chá de cogumelo" para fazer seus filmes. De um lado houve quem perguntasse do processo de criação e o quanto havia de autobiográfico em seu primeiro longa, o cultuado e enigmático "Eraserhead" (1977); do outro, uma aluna elogiou o cabelo de Lynch e disse que estava lhe passando uma cantada - para, ao perceber o silêncio sepulcral na sala, completar: "Fiz uma piada, senhor Lynch".

FRAGMENTOS. Lynch "enfrentou" a tudo e todos com a já notória paciência, tranqüilidade e simpatia - características deixadas claras também na entrevista exclusiva ao Magazine, publicada na edição de ontem. Falando mais de cinema do que de meditação transcendental - tema que, de fato, trouxe-lhe ao Brasil para divulgar o livro "Em Águas Profundas" -, Lynch mostrou- se à vontade para responder ou fugir de todas as questões levantadas na conferência. Logo na primeira, ele mostrou a que veio: perguntado, durante três minutos, pela professora Maria Esther Maciel (que o acompanhava na mesa, junto ao professor Heitor Capuzzo) a respeito de uma série de questões sobre sua obra, Lynch respondeu um sonoro "eu não sei", arrancando risos das centenas de pessoas que enchiam o auditório e quase toda a área externa do local.

Lynch basicamente focou- se na noção de idéias que nascem e são desenvolvidas, mostrando o quanto ele age mais pela intuição do que por qualquer tipo de racionalidade. "Tudo o que faço são a partir de idéias apaixonantes, e meu desafio é saber como transpô-las para o cinema", disse. "Mas elas nunca vêm de uma só vez. Sempre penso em fragmentos, e então tento desenvolver esses pedaços." O diretor mostrou-se arredio à relação com outros diretores. "Não tenho diálogo com realizadores e sou pateticamente desconhecedor de cinematografias do mundo." Também recusouse a falar de quaisquer elementos específicos de seus filmes - sobre uma pergunta da série "Twin Peaks", disse que "não fala a respeito disso"; quando questionado se podia comentar a famosa caixa azul de "Cidade dos Sonhos", apenas disse, delicadamente: "não".