“Diga uma coisa, você já me ouviu cantar alguma vez?”. A conclusão da frase chega antes da resposta. “Se você não viu, vá para ver o tanto que esse crioulo está cantando”. A contundência da afirmação não deixa dúvida. Aos 81 anos, Agnaldo Timóteo, que já se autodeclarou “o maior cantor do mundo”, mantém intactas suas características principais: a potência da voz, a gana da interpretação e a imodéstia conhecida. “Fui macaco de auditório do Nelson Gonçalves, era fã do Jorge Goulart, do Orlando Dias, um cantor extraordinário que morreu completamente anônimo. Aprendi com gente boa pra caramba, por isso me dou o direito de dizer que sou bom pra caramba”.

Não é a toa que o Professor, apelido de Cauby Peixoto (1931-2016) entre seus pares, será homenageado no espetáculo que Timóteo apresenta nesta quinta-feira (19), na capital mineira, em horário diferenciado. “É um show com quase exclusividade para a melhor idade, para que as pessoas do meu tempo possam vir, voltar para casa, assistir a novela e dormir”, explica. Quando subir ao palco do Teatro Bradesco às 16h, o intérprete dará vazão a músicas consagradas na voz de Cauby. E não somente.

“Cauby não foi importante para mim, foi importante para esse país. Era um cantor com o privilégio de falar três ou quatro idiomas e cantar em todos com uma voz iluminada que só Deus explica”, exalta. Antes mesmo de conhecer Cauby pessoalmente, quando o cantor carioca veio se apresentar no auditório da rádio Guarani, em Belo Horizonte, ao voltar de uma viagem para os Estados Unidos que culminou com a tentativa frustrada de carreira internacional (em que atendia pela alcunha de Ron Coby), Timóteo já nutria admiração pelo futuro amigo.

“Comecei imitando o Cauby, por isso eu era conhecido como o Cauby mineiro. Nada mais justo do que prestar um tributo ao meu ídolo maior, mostrando para os brasileiros que ele não gravou só ‘Conceição’ (Dunga e Jair Amorim) e ‘Bastidores’ (Chico Buarque). Cauby cantando ‘Granada’ (Agustín Lara) é brincadeira perto de outros intérpretes. Todas as músicas do álbum foram sucessos populares maravilhosos”, diz.

Sucessos. Além de seis das 16 músicas gravadas em “Obrigado, Cauby”, disco lançado por Timóteo no mês de abril, a apresentação vai contemplar os maiores sucessos de uma carreira iniciada no mercado fonográfico em 1964, com o disco de 78 rotações que trazia em um lado “Sábado no Morro” (Mário Russo e Sebastião Nunes) e no outro “Cruel Solidão” (Renato Gaetani). “Vão ser sucessos meus e dos meus ídolos, que são Roberto Carlos, Angela Maria, Anísio Silva e Moacyr Franco”, enumera Timóteo.

“O nosso meio está muito deteriorado. De vez em quando aparece alguém com talento, como o Thiaguinho, o Péricles, o Márcio Gomes e a Paula Fernandes, que canta direitinho, mas que depois virou uma coisa muito comum. Tem o Wesley Safadão, o Luan Santana, que é um menino talentoso, bonito e que faz uma carreira bonita entre os mais jovens”, sustenta. Apesar dos elogios, Timóteo não coloca os citados no mesmo patamar de outros. “Os bons continuam sendo o maravilhoso Benito di Paula, Agnaldo Rayol, e, no meio, está Agnaldo Timóteo, mineiro de Caratinga”, sublinha.

Filme. O entrevistado aproveita o ensejo para tecer críticas aos programas de TV aberta. “Pessoas que eu admiro, como o Faustão, Luciana Gimenez, Raul Gil, Ratinho, Silvio Santos e Sônia Abrão, consagram esses meninos funkeiros que depois de quatro meses voltam para as suas comunidades completamente anônimos. Isso é perverso”, diz.

Numa outra tela, aquela da sétima arte, Timóteo é o personagem principal. Dirigido por Nelson Hoineff, o documentário “Eu, Pecador”, estreou neste mês no Festival do Rio. “O filme será uma grande surpresa para todo mundo”, garante Timóteo que, no longa, interpreta 14 músicas de sua autoria. “São músicas de duplo sentido que compus no período militar, e nunca tive nenhum problema. Nunca me desrespeitaram”, afirma. “É um pouco da minha história de maneira mais agressiva do que eu gostaria, queria que fosse mais diplomático, mas o erro é meu, e não do Nelson, que produziu o filme”, defende.

Agenda

O QUÊ. Agnaldo Timóteo em “Obrigado, Cauby”

QUANDO. Quinta-feira (19), às 16h

ONDE. Teatro Bradesco (rua da Bahia, 2.244, Lourdes)

QUANTO. R$ 100 (inteira) 

 

Nelson Hoineff aplaude a transgressão 

FOTO: COMALT/DIVULGAÇÃO
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Antes de Agnaldo Timóteo cineasta dedicou documentários a Chacrinha, Paulo Francis e Cauby Peixoto

A primeira vez que Nelson Hoineff, 69, tomou contato com a obra de Agnaldo Timóteo foi em 1981, ao comprar um sem número de cópias do LP “Agnaldo Timóteo e Carmen Costa: Na Galeria do Amor”, produzido por Hermínio Bello de Carvalho. “Distribuí entre meus amigos intelectuais da Zona Sul carioca. Lembro de uma entrevista no programa ‘Provocações’ onde o Antônio Abujamra (1932-2015) questionava o Timóteo pelo mau gosto na hora de escolher repertório. Esse álbum é um ponto fora da curva. Quando ouvi, fiquei impressionado”, diz.

“Ele está com 81 anos e uma voz colossal, imagine naquela época. Quando você percebe que um cara que transitou a maior parte do tempo por canções chamadas de bregas é capaz de fazer uma coisa refinadíssima como esse disco, começa a entender a grandeza da personagem”, observa Hoineff.

Essa, aliás, não foi a única contradição que levou o cineasta a escolher Timóteo como protagonista do documentário “Eu, Pecador”, exibido no início desse mês de outubro no Festival do Rio. “O título foi tirado de uma música em que ele pede perdão a Deus por ter tido uma relação homossexual e gostado”, revela. Na opinião do diretor é essa a grande atração do filme. “Eu nunca tinha visto ele falar sobre essa capacidade de amar pessoas do mesmo sexo, ao mesmo tempo em que expressa opiniões extremamente homofóbicas, rejeita o casamento gay”, avalia.

Personagens. Antes de Timóteo, Hoineff dedicou documentários ao jornalista Paulo Francis, o comunicador Chacrinha e o também cantor Cauby Peixoto. Foi através deste último que o diretor chegou ao atual protagonista. “Fui para falar sobre o Cauby e o Timóteo ficou duas horas falando sobre ele”, diverte-se. “O que há em comum em todas as personagens é a transgressão, é isso que me atrai”, conclui o entrevistado.

 
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Dirigido por Nelson Hoineff o filme entremeia cenas da campanha de Agnaldo Timóteo ao cargo de vereador do Rio de Janeiro em 2016 com imagens de arquivo e números musicais inéditos dirigidos por Thiago Marques Luiz, onde o cantor natural de Caratinga (MG) interpreta músicas de sua própria lavra que trazem, de forma implícita, a temática da homossexualidade, como “Galeria do Amor”, “Ciúme Louco”, “Passarela da Minha Vida” e aquela que dá titulo ao documentário: “Eu, Pecador”.