Desejar novidades de Caetano Veloso, 77, é compreensível, mas, diante do mais recente lançamento do eterno tropicalista baiano, a expectativa pode frustrar os fãs. O irmão de Maria Bethânia se consagrou como um dos artistas mais inquietos e originais do país, desde que surgiu, à vera, em 1968, cantando “Alegria, Alegria”, após dividir com Gal Costa um LP que emulava a bossa nova. 

Dali pra frente, ele se tornou a cara, os gestos, os tiques e os repiques da Tropicália, movimento que abalou para sempre as estruturas da cultura tupiniquim. Dono de uma obra monumental em termos de quantidade e qualidade, esse senhor quase octogenário tem se dado ao luxo de desfrutar o que conquistou e passou a revisitar, com cada vez mais frequência, seu passado de glórias.

Nos últimos anos, tirando do baú pérolas que, embora pertencentes a outros tempos, sugerem ainda ter algo a dizer sobre o presente, Caetano se uniu aos filhos e ao compadre Gilberto Gil em projetos revisionistas. Depois de trabalhar com o risco em momentos-chave de sua prolífica trajetória, o músico parece subir ao palco com uma firme rede de segurança. 

Encontro. O que se oferece em “Caetano Veloso & Ivan Sacerdote”, gravado entre Salvador e Nova York, é um compilado previsível de músicas cuja beleza está mais do que estabelecida. A economia de faixas pesa a favor do trabalho. 

O fato de serem apenas nove aguça a curiosidade de ouvir mais aquelas canções pra lá de batidas na formação voz, violão e clarinete, sendo que, nas duas últimas, o anfitrião divide os vocais com Mosquito, o que valoriza os momentos em que Caetano é protagonista. A grande novidade é, justamente, a presença de Ivan Sacerdote, 32. 

O jovem clarinetista carioca se formou na Universidade Federal da Bahia e foi em Salvador que a parceria com Caetano começou. Antes, Sacerdote já havia tocado com Rosa Passos, uma das principais discípulas do estilo minimalista e preciso de João Gilberto (1931-2019). O instrumentista carrega essas lições para o álbum. Todas as vezes em que o som do seu sopro entra em cena, a impressão é de justeza. E, quando ele se retira, o vazio se ressente de seu brilho.

Repertório. Apesar disso, dada a amplitude da obra de Caetano, o repertório selecionado enfrenta outro desafio. Muito bem gravadas, conservando a beleza inerente às canções, as versões não são antológicas a ponto de desbancarem as originais ou aquelas que se eternizaram no imaginário popular. 

Um bom exemplo é “Trilhos Urbanos”, veloz nas intervenções do clarinetista, mas tão arraigada ao registro de 1979 que soa como mera repetição de uma luz já vista. “Peter Gast”, lançada por Caetano em 1983, abre os trabalhos com sua ambientação de mormaço, aplicando peso ao álbum. Na sequência, “Aquele Frevo Axé” reserva um dos instantes de maior inspiração do encontro que, desta feita, se torna triplo, pois Cézar Mendes, coautor da faixa, toma posse do violão com a habitual competência. 

A nostalgia em tom melancólico prepara o terreno para o rancor indisfarçável de “O Ciúme”, de 1987, numa das letras mais lancinantes de Caetano. Difícil ficar indiferente aos versos “Tanta gente canta, tanta gente cala/ Tantas almas esticadas no curtume/ Sobre toda estrada, sobre toda sala/ Paira, monstruosa, a sombra do ciúme”. Única que permanecia inédita na voz de Caetano, gravada apenas por Gal Costa, “Você Não Gosta de Mim”, de 1998, é o maior achado do CD. Essa força atemporal da canção se reafirma na lírica e autobiográfica “Minha Voz, Minha Vida”.

“Onde o Rio É Mais Baiano”, de 1994, e “Desde Que O Samba É Samba”, de 1993, são reflexões geográficas voltadas, de certo modo, para a formação nacional. Com “Manhatã”, Caetano invoca sua verve cosmopolita e, de quebra, tira um sarro.