Pablo Villaça não perde a oportunidade para uma alfinetada. "É engraçado que a arte e os artistas têm sido tão criticados por certos setores da sociedade e, nesse momento, eles estão descobrindo o quanto a arte é essencial para que a gente não enlouqueça", afirma. O crítico de cinema, como grande parte da população brasileira, passou os últimos dias trancado em casa, devido à pandemia do coronavírus, e aproveitou para colocar em prático um pedido antigo que ouvia dos fãs e admiradores de seu trabalho: criar uma versão online de seu curso de cinema. 

"Embora eu já tenha ido a todas as regiões do Brasil, não é praticável visitar todas as nossas cidades. Eu recebia muitas mensagens de pessoas que não puderam acompanhar o curso pedindo para levar ele para a internet. Agora, resolvi unir a necessidade com a demanda", informa. Villaça começou a dar cursos em 2001 e já foi acompanhado por mais de 5200 alunos, o que lhe permitiu conhecer o país de norte a sul. 

As inscrições para o curso online foram abertas nesta segunda (23) e já conta com pré-inscrições via e-mail (onde ele informa o valor das aulas), Twitter e no blog do autor, "Cinema em Cena" (http://cinemaemcena.com.br/). Devido à alta procura, ele admite abrir uma segunda turma em breve. A primeira edição do curso ocorre de 6 a 17 de abril e, a segunda, entre 27 de abril e 8 de maio. Serão 10 aulas de 2 horas, com 1 hora e meia dedicada à explanação e meia hora aberta a conversa e perguntas. A plataforma escolhida para a experiência foi o Zoom, utilizada para reuniões à distância. O módulo escolhido para a versão online foi o "Arte do Filme". 

"Explico como o filme é construído para que elementos como fotografia, montagem e som levem o espectador a ficar emocionado, tenso, com vontade de rir ou chorar", destaca o entrevistado. Para tanto, ele selecionou cenas de mais de 100 filmes, "desde aqueles que todo mundo viu, como 'Pulp Fiction' e 'O Poderoso Chefão', até um experimental francês da década de 1920, chamado 'Ballet Mecânico', que pouca gente conhece". 

"Do ponto de vista didático e dentro do contexto do curso, é importante haver um equilíbrio entre filmes que o aluno reconhece de imediato e outros mais obscuros, até para descobrir novidades", observa Villaça. Nesses dias de quarentena, ele próprio tem se dedicado a 'maratonar' com a obra de Paul Schrader, roteirista de filmes como "Táxi Driver". "Os últimos que assisti foram 'Hardcore', 'Mishima' e 'O Dono da Noite', com o Willem Dafoe", conta. 

Alternativa. Villaça não é o único que tem se virado com o modelo de cursos online diante da atual conjuntura. Diretor e professor da Escola Livre de Cinema, fundada em 2003 e que formou, por exemplo, os criadores da produtora Filmes de Plástico, de Contagem, Cláudio Costa Val apostou num formato híbrido a fim de "não parar". "Sem aluno, não tem receita. Já recebi a notícia de um aluno que saiu do curso porque foi demitido. Está todo mundo meio atormentado ainda", lamenta. 

Na última sexta (20), no horário regular das aulas, os professores começaram a ministrar os respectivos conteúdos via plataformas como Skype, Zoom e Hangout. Além disso, foram disponibilizados conteúdos gravados em vídeo que podem ser acessados pelos alunos com antecedência. "Gravamos esse vídeos como se fossem aulas presenciais, à frente do quadro, imaginando que o aluno está ali à nossa frente. Quando a aula começa, as pessoas já podem dirimir suas dúvidas. É uma equação entre 'gravado' e 'ao vivo' para minimizar os danos. Pela natureza do curso, nós já trabalhos muito com imagem e som, que enviamos por link", diz Costa Val. 

Preparo. Coordenadora do curso de Cinema e Audiovisual da Una, Vanessa Santos conta que desde o início de março a faculdade já se preparava para os reflexos da pandemia no Brasil. "Diante da nova realidade que vivemos, onde grande parte das nossas experiências diárias já são mediadas pela tecnologia, esse modelo de ensino híbrido, desenvolvido de forma presencial e online, traz para a perspectiva educacional novas metodologias de aprendizam para o aluno", informa. 

Antes mesmo do início da pandemia, a faculdade contava com uma estrutura tecnológica desenvolvida por meio da plataforma Ulife, um sistema complexo de sala de aula virtual que facilitou a adaptação para o momento atual. Os encontros entre alunos e professores são sincronizados e um investimento no portal será feito para melhorar sua capacidade e aguentar a sobrecarga em tempos de home office. Ao acessar um link, o aluno entra na sala virtual e pode interagir com os demais presentes. 

Além de antecipar conteúdos passíveis de serem ministrados à distância, aqueles de natureza prática serão repensados, como os que dizem respeito a sets de filmagem. "É um cenário atípico e singular, em que não sabemos o que vai acontecer. É importante manter a saúde mental e a escola, assim como o trabalho, tem uma função social grande na vida das pessoas. Nesse período de isolamento, queremos contribuir ajudando a manter o mínimo de rotina na vida dos alunos", conclui Vanessa.