A escritora portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) descreveu o horizonte em versos como “uma orquídea estranha a florescer”, no poema “Alvorecer”, publicado postumamente em 1931, no livro “Charneca em Flor”. A exemplo do que já tinham feito os colegas Guilherme Arantes e Zé Ramalho, o cantor e compositor Djavan, 69, resolveu levar as orquídeas para sua música. Finalmente ele canta essa paixão, literalmente cultivada há 16 anos, ao citar as várias espécies da planta em “Orquídeas”, uma das 12 faixas de seu novo disco, “Vesúvio”, lançado na última quinta-feira.
“Acho que a natureza e a música têm uma inter-relação profunda, através da cor, da proporção, da textura. Nesse sentido elas estão parelhas com a arquitetura. Falo da natureza nas minhas músicas porque percebo a força dessa fluidez”, destaca Djavan. Junto ao ambiente que o cerca, o músico, dessa vez, resolveu abordar um assunto latente e praticamente inédito em sua obra. São atitudes de natureza humana que ele contesta em faixas desbragadamente políticas, casos de “Solitude” e do rock “Viver É Dever”, onde ele pergunta: “Nessa pressão/ Quem há de dar a mão?”.
“A gente está envolvido com todos esses temas, e é natural que acabe levando para as letras. Vivemos num mundo instável, com imigrantes fugindo e falta de condições mínimas para as pessoas. A dor humana afeta qualquer poeta do mundo”, diz. Afinal, apesar de incisivo, o discurso musical de Djavan não deixa de estar ligado ao sensível que propicia imagens de forte teor metafórico. Ele próprio não chegou a se posicionar a favor de nenhum candidato durante a campanha presidencial, e agora prefere manter a esperança acesa.
“Passou o momento de exacerbação, dos nervos à flor da pele, o Brasil inteiro viveu isso. Espero que sejam novos tempos, temos que torcer para dar certo, porque o que está em jogo é o nosso povo”, avalia. Foi exatamente por isso que o cantor optou por criar uma sonoridade de feição pop para sua nova lavra de canções, gravadas entre março e agosto, mesmo período em que as novidades vieram à luz. “Gosto de fazer e gravar na hora, no calor da criação. Se deixo para um ano depois, perco o interesse. Tenho algumas músicas com que aconteceu isso e ficaram guardadas”, revela.
Como de costume, ele construiu todo o arcabouço melódico antes de começar a pensar nas letras. “Eu quis trazer uma mensagem otimista, apartidária, que apontasse as mazelas de um planeta em guerra, mas com positividade. Desejo um futuro com saúde, educação e, principalmente, segurança, essa deve ser a prioridade número 1. Temos um país maravilhoso, mas sitiado” afirma. A foto da capa escolhida por Djavan almejou dialogar com esse posicionamento. Sisudo e com olhar penetrante, ele aparece com o rosto pintado em fortes tintas escuras e leves tons de dourado. Só o processo de pintura demorou mais de três horas, mas o cantor alagoano saiu satisfeito.
“Procurei uma abordagem diferente, um tipo de capa que eu nunca tive. Resolvi me expor e acho que ficou surpreendente, bonito”, declara. Escolhida para batizar o álbum, “Vesúvio” talvez traga a melhor definição para a imagem: “O sol cai no mar/ E a onda é de ouro”. “É uma música simbólica e que a gente julga ter também um apelo popular”, afiança Djavan. Embora destoe do conjunto com seu delicado arranjo orquestral, “Madressilva” mantém uma premissa cara ao artista. “Minha relação com a música sempre foi visando à diversidade”, conclui.
Versão e dueto com uruguaio
Sucessor do elogiado “Vidas Pra Contar” (2015), cuja faixa-título venceu o prêmio de melhor canção em língua portuguesa do Grammy Latino, o trabalho atual repete outro mote: o amor e suas solidões. “Todo mundo tem medo da solidão, não sou apenas eu, é algo natural. Muita gente prefere viver só e vive bem, mas a solidão imposta pela vida é destrutiva”, reflete Djavan, que aborda o tema em “Tenho Medo de Ficar Só”.
Já “Meu Romance” mereceu versão em espanhol do uruguaio Jorge Drexler, que protagoniza um dueto virtual com o anfitrião. “Eu disse para o Jorge fazer outra letra, mas ele achou a minha tão bonita que preferiu criar uma versão”, conta.
“Vesúvio”, 20º álbum de estúdio de Djavan, traz 12 canções inéditas e um dueto com Jorge Drexler.