Assim que lançou a sua incendiária autobiografia, em 2016, Rita Lee, à época prestes a se tornar uma senhora setentenária, disparou: "Envelhecer é uma loucura, não é para maricas". Ao perceber o conteúdo homofóbico da fala, a cantora imediatamente se corrigiu e trocou "maricas" por "bananas", deixando clara a natureza do seu comentário. Em época de pandemia do novo coronavírus, onde os idosos são apontados como uma das populações mais vulneráveis à doença, o assunto volta a baila. 

Rita pertence a outro tempo, embora permaneça associada à ideia da eterna juventude, por ter sido uma mulher de vanguarda que desbravou os preconceitos e costumes da conservadora sociedade brasileira nas décadas de 60, 70 e 80, por meio de rocks saborosos e desaforados, além de ter cunhado uma das frases mais espetaculares a respeito do que importa na vida: "Não quero luxo, nem lixo, quero saúde pra gozar no final". 

Desde 2012, ela se refugiou em seu sítio no interior de São Paulo, aposentada dos palcos e dedicada a cuidar de suas plantinhas como uma simpática avó. Na via contrária à percepção de Rita, é celebre a máxima do dramaturgo e jornalista Nelson Rodrigues (1912-1980), quando perguntado sobre o conselho que daria para a juventude: "Jovens, por favor, envelheçam", limitou-se a dizer o protagonista da biografia "O Anjo Pornográfico", de Ruy Castro. 

Em janeiro, beirando os 80 anos, a cantora Áurea Martins realizou uma espécie de desabafo com uma postagem no Facebook: "Estou chegando aos 80 anos. Não esperem de mim a mesma vivacidade de 20 ou 30 anos atrás. Aliás, é totalmente impossível não colher as marcas do tempo. Portanto, não me cobrem nada além do que posso fazer. Não tenho o mesmo frescor na pele como tinha há décadas, não tenho o mesmo fôlego para cantar no mesmo tom de outrora, não faço mais noite – foram 50 anos ininterruptos – nos bares esfumaçados das noites cariocas".

Na mesma rede social, o músico Rogério Skylab, de 63 anos, apresentou um ponto de vista diametralmente oposto. "Eu acho uma humilhação como a terceira idade é tratada nos meios de comunicação. E isso é um reflexo dos valores da indústria cultural e da nossa sociedade. Por que o idoso tem que praticar esportes, fazer atividades físicas, se comportar como uma pessoa jovem? Porque é uma questão de saúde? É isso? É o que a ciência diz até como porta voz desses valores. O importante é ser jovem. Estão na juventude os valores da sociedade. Pois eu tenho uma experiência pessoal que vai na contramão dessa lógica. Eu acho, com algumas exceções, a juventude babaca, moralista, vazia e sob o signo da banalidade. Meu trabalho musical, inclusive, está calcado em valores que não são da juventude. E, no entanto, o meu público é predominantemente jovem. Esse paradoxo é uma das coisas mais lindas da vida. Vou continuar fugindo das atividades físicas, estou cada vez mais contemplativo e, à medida que os anos passam, vou ficando mais permissivo, mais amoral, mais livre. Na casa dos sessenta me tornei um vândalo. Não me venham dizer: você é tão jovem, parabéns! Não, eu não sou e nem quero parecer jovem. Não faço nenhuma questão. Muito menos agora, em que eu sou grupo de risco dessa pandemia. Sou grupo de risco com orgulho", escreveu. 

Ao lançar o seu mais recente trabalho, "O Real Resiste", Arnaldo Antunes voltou a tocar no tema que abordara com "Envelhecer", quando completara 50 anos. A meses de alcançar os 60, ele revisitou "Termo Morte", antigo poema que decidiu musicar. “Conforme a gente envelhece, a possibilidade de morrer parece mais próxima. Claro que esse é um tema universal. Em todas as épocas, houve uma produção artística em torno da morte, mas, com o passar da idade, essa é uma questão cada vez mais viva para mim”, observa Arnaldo.

Impossível ainda não se lembrar de Caetano Veloso, quando ele gravou "O Homem Velho", em 1984, que dizia: "O homem velho deixa a vida e morte para trás/ Cabeça a prumo, segue rumo e nunca, nunca mais/ O grande espelho que é o mundo ousaria refletir os seus sinais/ O homem velho é o rei dos animais". Na época, o eterno tropicalista estava com apenas 40 anos. 

Como eles, artistas de diferentes espectros da música brasileira se aproximam da idade madura e dão, abaixo, depoimentos sobre a experiência da passagem do tempo. 

DEPOIMENTOS: 

“Lido com a idade da melhor forma possível. Ainda não tenho nenhum obstáculo físico. Essa é uma questão que também mudou com o tempo, lembro que meu pai, com 60 anos, era velho. Entendo que a minha pele está mudando, mas não me sinto velho. As pessoas, em geral, estão vivendo mais, com saúde e disposição. Estou ótimo. O mesmo impulso que eu tinha no início da carreira continua presente. Claro que, com o tempo, eu amadureci, entendi que havia outras maneiras de me comunicar. Eu era muito agressivo porque, se eu não fosse, seriam comigo, era uma estratégia” NEY MATOGROSSO 

“Não sou um avô chato, que fica mimando os netos. Eu mostro a realidade e digo que, se seguirem os meus passos, eles vão se dar bem. Acho errado criticar e achar que a tecnologia tira o diálogo. O progresso vem, e nós precisamos fazer parte dele para não ficarmos para trás” ERASMO CARLOS 

“Não esperava que, aos 70 anos, que nem é tão anciã assim, eu fosse assistir à destruição ecológica, ambiental e social do planeta por conta de meia dúzia de boçais. O momento do Brasil e de outros lugares do mundo é terrificante e apavorante. Qualquer tolo vê isso. Darwin, se vivo, estaria muito triste. O humano se tornou flácido de caráter. Mas eu, particularmente, estou bem melhor do que aos 40 anos. Continuo bem sacana, com meu deboche cada dia mais apurado” ANGELA RO RO 

“Há muitas vantagens em envelhecer com saúde como eu estou, com a cabeça boa. Encaro como um tempo para repensar tudo de novo por outro aspecto, outros pontos de vista. Eu chamo de 'a terceira metade da minha vida'. Estou me divertindo” FÁTIMA GUEDES

“Estou num momento muito produtivo, parecido com o do início da minha carreira, em que fazia música todo dia, ‘na hora’, ao vivo, mandando fita cassete para o parceiro. Isso me conduz a uma reflexão que é a seguinte: ‘Se eu posso passar o resto da minha vida compondo, por que não compor?’. Tenho o maior carinho pelas músicas que fiz, mas não conseguiria ficar feliz tocando o ‘Clube da Esquina’ a vida inteira” LÔ BORGES

“A idade está sendo muito pródiga comigo, não sinto nenhum enferrujamento. Essa última década foi a mais prolífica da minha carreira” LOBÃO 

“As coisas se somam, e é assim que eu vejo a vida. Não quer dizer que eu renegue o que já fiz, pelo contrário, mas quero fazer mais, me renovar e descobrir outros caminhos. Pensar no hoje. Não me prendo musicalmente e muito menos em termos de tempo ou política” MARCOS VALLE 

“O presente é tudo o que temos” ADRIANA CALCANHOTTO