O roteiro é imprescindível, dizem os roteiristas. Mas há quem abra mão dele. Em especial no cinema contemporâneo, não é nenhuma grande novidade diretores que dispensam um roteiro pronto e partem para as filmagens seguindo a intuição e o instinto na hora de captar imagens. Casos, por exemplo, do iraniano Abbas Kiarostami (“Close-Up”, “Gosto de Cereja” e “Dez”), do malaio Tsai Min-Liang (“Adeus, Dragon Inn” e “O Sabor da Melancia”), do português Pedro Costa (“Juventude em Marcha”) ou do galês Peter Greenaway (“8 Mulheres e Meia” e “As Maletas de Tulse Luper”), todos com trabalhos de profundo rigor formal sem “prisões” a um roteiro predefinido.

“É mais uma forma de fazer cinema. Cada um trabalha de uma maneira, e que importa é o resultado final”, diz Marçal Aquino. Mesmo assim, ele não é adepto do projeto sem roteiro. “O cinema brasileiro já fez isso antes, mas não são filmes dos quais a gente se lembre com freqüência”. Di Moretti enxerga o roteiro como, no mínimo, um ponto de partida. “Ele tem importância grande, mesmo que seja mudado, mutilado, transformado, tenha variantes no elenco ou na locação. Mas a essência, o fio da história, está toda lá”, afirma.

Os cineastas que dizem filmar sem roteiro são, para ele, isolados e muito específicos. “Se o Woody Allen quer fazer isso, é compreensível, porque ele tem uma obra inteira atrás dele. Mas essa coisa autoral de se assumir como dono do filme é a exceção. A regra do mercado, se a gente quiser uma indústria, é ter um departamento de roteiro”, defende Moretti. Para Roberto Moreira, a relevância do uso do roteiro varia dentro da história do cinema, mas nunca some.

“A nouvelle vague, por exemplo, queria se libertar das amarras da história clássica. Só que Jean-Luc Godard e François Truffaut, grandes nomes desse período, eram escritores. Libertar-se das tradições literárias, como eles queriam, não significa que você não precisa escrever um roteiro”. Moreira dá como exemplo de perfeita sinergia autoral a parceria entre o roteirista Paul Schrader e o diretor Martin Scorsese – a dupla assinou “Taxi Driver” (1976), “Touro Indomável” (1980) e “A Última Tentação de Cristo” (1988), entre outros.

“Em casos de trabalhos conjuntos assim, o roteiro é determinante.” O professor também aponta a necessidade de esmero dos enredos, outra particularidade contemporânea. “Os textos estão muito elaborados, e o filme precisa disso. É um trabalho do roteirista dar essa sofisticação, pois o diretor está concentrado na concepção das cenas e em toda a administração em torno do projeto”. Jorge Furtado vai mais fundo: acredita que o cinema brasileiro não pode querer inventar novos métodos dentro da forma como se faz filmes por aqui.

“Precisa planejar muito bem as coisas antes de ir para o set, até para poder mudar ali na hora. Mas, dentro da estrutura que a gente tem para filmar e os valores caríssimos que pagamos para isso, sair a campo com aquela idéia de que ’na hora eu vejo o que acontece’ é um risco absurdo, porque corre-se o risco de não acontecer nada”.