É curioso notar o aparente paradoxo existente entre o título do mais recente álbum do saxofonista e flautista e J.T. Meirelles " "Esquema Novo", lançado pela Dubas no final de 2004 " e a visão que ele tem acerca de sua própria música.

Em entrevista por telefone, do Rio de Janeiro, o maestro, compositor, arranjador e instrumentista afirma que continua fazendo a mesma coisa que fazia entre o final dos anos 50 e início dos 60, quando foi um dos principais criadores do que, posteriormente, se convencionou chamar samba-jazz.

A explicação que ele dá, de que aquela sonoridade sempre esteve à frente de seu tempo e permanece, hoje, cheia de viço e frescor, desfaz qualquer traço de contradição que possa haver em seu "Esquema Novo".

Então, quem quiser conferir a perenidade da música de Meirelles, tem a chance hoje, quando ele se apresenta em Belo Horizonte, no Museu de Arte da Pampulha.

O show de logo mais acontece dentro do projeto Música no Museu e o roteiro da apresentação concentra-se no repertório do mais recente álbum, em que foram registrados temas de lavra própria atuais " como "Asa Delta", "Kary e Oka" e "Capitão do Mato" " e antigos " como "Neurótico", "Aboio" e a clássica "Quintessência" ", além de composições de outros autores: "Vera Cruz", de Milton Nascimento, "Céu e Mar", de Johnny Alf, "Naima", de John Coltrane, e "Casa Forte", de Edu Lobo.

"Esquema Novo" sucede o álbum "Samba- Jazz", lançado pela mesma Dubas em 2002, quando Meirelles voltou à cena depois de um período de quase 30 anos no ostracismo.

Sua estréia fonográfica, acompanhado pelo conjunto Copa 5, aconteceu em 1964, com o disco "O Som", hoje considerado um marco da música instrumental brasileira. No ano seguinte, ele lançaria "O Novo Som", igualmente incensado.

Antes do debute em disco, contudo, Meirelles já contabilizava, apesar da pouca idade, uma respeitável trajetória, tanto pelas frequentes apresentações no lendário Beco das Garrafas, no Rio de Janeiro, quanto pelas orquestrações que fazia para diversos artistas à época.

Ele foi particularmente projetado, a propósito, pelo arranjo que assinou para "Mas que Nada", de Jorge Ben, registrada em seu disco de estréia, "Samba Esquema Novo", de 1963.

Traçando um paralelo entre aqueles anos de efervescência do samba-jazz e da incipiente bossa nova e os dias atuais, Meirelles analisa que cada época gera movimentos que levam adiante a música instrumental de qualidade.

"A música que faço hoje é aquela do começo dos anos 60 e tem vários outros artistas bem mais jovens que eu fazendo. Mas tem um pessoal em São Paulo, também de uma geração recente, que tem concepções distintas. É uma turma que tem outras influências. Sei que os meus primeiros trabalhos são referenciais para muita gente, mas tem uma turma que começou a ter interesse pela música instrumental a partir das propostas, por exemplo, do Hermeto Pascoal, que são bem diferentes do que eu faço", diz.

Ele considera que existe uma distinção de conteúdo fundamental entre a produção circunscrita entre as décadas de 50 e 60 e a que temos hoje. O motivo, conforme aponta, é a instituição e a expansão do ensino formal da música ao longo das últimas décadas.

"Antes não tinha escola de música popular, eu mesmo sou autodidata. O resultado do que se fazia era fruto da imaginação, do sentimento, o que, aliás, me agrada mais. O que o pessoal de hoje faz é resultado de um aprendizado mais formal nessa área. Eu, particularmente, gosto de tudo o que seja mais espontâneo. O jazz tradicional e o jazz atual nos Estados Unidos têm essa diferença clara. O jazz de hoje não tem emoção nenhuma, é aquela correria, aquele estresse. Acho meio frio, meio robotizado", diz.

Fidelidade
É com base nesse pensamento que ele reafirma sua fidelidade ao ritmo e à sonoridade que ajudou a inventar.

"Eu continuo fazendo a mesma coisa e não preciso mudar nada, não tenho esse desejo e tudo bem, porque os músicos que tocam comigo, que são mais jovens, se sentem à vontade para fazer o tipo de música que quero apresentar. Não consigo evoluir, continuo fazendo a mesma coisa e o que me surpreende é que, no nosso meio, o que ainda prevalece é o que fazíamos nos anos 60", ressalta.

Mas, ao mesmo tempo, ele se diz interessado no que pode produzir hoje. "Não aguento mais falar sobre "Mas que Nada", Jorge Ben e essas coisas todas. Esse é um passado que me persegue, mesmo depois de tanto tempo afastado da mídia", queixa-se.

Como ouvinte, ele diz que não está mais ligado nem no que vem daquele período nem na produção atual que o cerca. Quer, antes, escutar o que vem de dentro de si próprio.

"Hoje em dia praticamente não tenho mais o hábito de ouvir música. Estou mais concentrado na minha própria, no que imagino. As coisas começam a ficar redundantes, não surge nada de novo e eu sempre fui muito atraído pela novidade, por coisas que me instiguem e isso não tem acontecido muito. Só muito de vez em quando é que pinta um por aí que me chama a atenção", revela.

Além do álbum
Deixando as comparações entre o passado e o presente da música um pouco de lado e voltando ao show que faz hoje, Meirelles diz que pretende seguir divulgando "Esquema Novo" por mais um tempo, mas quer diversificar o roteiro das apresentações, abrindo o repertório para além do álbum em questão.

Ele também aponta que já está com vontade de gravar um novo disco, apesar de ainda não ter nenhuma nova composição para apresentar. Mas esse é o seu modo de trabalhar.

"Só penso nisso depois que converso com o Ronaldo (Bastos, diretor da Dubas). A gente traça o plano de vôo, sigo para minha casa e realizo o planejado. Não costumo fazer nada antecipadamente, nem composição, nem arranjos, nada", justifica.

Acompanhado por Cléberson Caetano (bateria), Jessé Sadoc (trompete e flugel), Rafael Vernet (piano) e Rodrigo Villa (baixo), ele adianta que reproduz, no palco, uma sonoridade bem próxima da que se ouve no CD, apenas deixando espaços para os solos e improvisos.

Os resultados, conforme aponta, têm sido muito bem recebidos pelas platéias das cidades por onde já passou com seu "Esquema Novo". Afora a peregrinação pelo Brasil e pelo exterior com os shows, o que Meirelles tem feito, paralelamente, são oficinas e workshops, o que, aliás, diz estar lhe dando muito prazer.

"Tenho a oportunidade de falar sobre minhas concepções em relação a muitas coisas: produção, estética musical, análise da improvisação, orquestração. Acho muito interessante poder passar isso adiante e, felizmente, tem acontecido bastante", diz ele.

"Comecei a organizar essas informações que tenho há 20 anos, mas, por falta de oportunidade, o material ficou guardado durante todo esse tempo. Agora é que comecei a fazer isso sistematicamente, passar meu ponto de vista. São coisas que não existem em nenhum livro, pelo menos não da forma como eu passo", diz.

AGENDA " Música no Museu com J.T. Meirelles e os Copa 5, hoje, no Museu de Arte da Pampulha (av. Otacílio Negrão de Lima, 16.585, Pampulha, 3443 4533). Ingressos a R$ 10.