Elza Soares assiste a uma apresentação exclusiva do musical em sua homenagem na sala de casa. De repente, ficamos em dúvida se também está cantando. A voz vem de algum lugar que não identificamos, talvez seja uma gravação antiga, colocada ali como trilha sonora. Quando o vídeo foca a imagem de Larissa Luz, 31, cessam as incertezas: é dela “a voz de Elza”, eleita pela BBC de Londres como a maior cantora do milênio em 1999.

Mas a intérprete que é o grande destaque do espetáculo que estreou em julho, no Rio, revela que a semelhança vocal não passou apenas pelo dom. “Eu estudei para me aproximar do timbre e construir uma Elza que trouxesse a força que tem a sua voz e o seu corpo, mas com uma premissa, que era a de não ignorar o ponto de partida, que sou eu”, explica Larissa. “Quis materializá-la pensando na sua essência, no dispositivo de cada gesto e som emitido, sempre conectando nossas histórias e entendendo os pontos em comum”, completa.

Essa identificação vem, principalmente, do fato de Larissa ser uma mulher negra que busca viver de sua arte em um país racista, machista e misógino. Na peça, ela se une a outras seis atrizes na árdua tarefa de abarcar o amplo espectro de situações e personalidades enfrentadas pela protagonista ao longo de quase 90 anos. Para isso, além de uma dramaturgia dinâmica e pouco convencional, canções do porte de “Dura na Queda” (Chico Buarque), “Volta Por Cima” (Paulo Vanzolini) e “Maria da Vila Matilde” (Douglas Germano), o mais recente sucesso da homenageada, são chamadas à baila.

“A história da Elza é muito dura e denuncia a realidade de muitas. Trazer à tona uma narrativa que nos ajuda a revelar o cenário cruel que nos envolve, junto a outras mulheres, multiplica e amplifica uma voz que hoje se tornou referência, não só artística, mas também política”, enaltece a entrevistada.

Logo, ela vê como positivo o fato de a montagem deixar de lado a pretensa separação entre vida e arte ao abordar a história da cantora que foi obrigada a se casar pelo pai aos 12 anos, engravidou aos 13, perdeu quatro filhos e teve que deixar o país para fugir da ditadura militar, quando morava com o jogador Garrincha e teve sua casa invadida e metralhada por policiais.

“Sabemos da força e expressão da Elza dentro da música brasileira, mas quando se entende o que ela viveu, sua arte passa a ter outra conotação, ainda mais intensa e poderosa. Ela se torna um veículo de denúncia contra o feminicídio, o racismo e o patriarcado”, enumera Larissa, que não se faz de rogada na hora de escolher a música que mais a emociona em cena. “Para mim ‘A Carne’ (Marcelo Yuka, Seu Jorge e Ulisses Cappelletti) é bem impactante, porque falamos sobre o extermínio do nosso povo e sobre ressignificar o que parece intangível”, assegura.

Trajetória. Filha de uma professora de português, Larissa se acostumou a ter desde a infância em Salvador, sua cidade natal, a companhia de muitos livros e discos. A opção pela música a levou imediatamente para o axé, que experimentou seu auge comercial na década de 90. Ela chegou ao Araketu em 2007, onde permaneceu como vocalista até 2012. De lá para cá, lançou dois discos: “Mundança” (2012) e “Território Conquistado” (2016), que foi indicado tanto no Grammy Latino quanto no Prêmio da Música Brasileira em 2017. Os dois álbuns traziam como marca o ativismo social da cantora, que se diz influenciada por mulheres combativas como Nina Simone, Conceição Evaristo, Carolina de Jesus, Maya Angelou e a escritora nigeriana Chimamanda.

As origens, aliás, são algo caro para Larissa. “A Bahia está no meu ritmo, na minha dança, no meu corpo, no meu sotaque. É a minha história, suingue e ancestralidade. Foi ela que me deu régua e compasso”, afirma, citando versos famosos do conterrâneo Gilberto Gil. Sem tempo para ficar parada, ela conta que já trabalha no terceiro disco. Outras novidades também estão no horizonte de Larissa. “Ainda quero experimentar o caminho da TV e do cinema. Estou estudando”, diz.


Roubando a cena

Baiana, Laila Garin chamou atenção de público e crítica quando surgiu em “Elis: A Musical”, de 2013. Mesmo sem semelhanças físicas, ela deu veracidade à obra no palco.

 

A fluminense Soraya Ravenle é uma veterana dos musicais, mas, em 2018, viveu novo desafio na carreira ao interpretar Isaurinha Garcia.

 

Marília Pêra viveu Carmen Miranda em mais de uma oportunidade. “A Pequena Notável”, de 1966, foi a mais marcante. Em 2005, ela repetiu a dose.

 

Tacy de Campos mimetizou Cássia Eller no musical de 2014. Além dos atributos físicos e o timbre parecido, a intérprete ainda apresentava a mesma timidez fora dos palcos.