Tudo começou em Belo Horizonte. Foi em um show para celebrar os 50 anos da carreira de Maria Bethânia, realizado na capital mineira em 2015, que a parceria entre João Bosco e Roque Ferreira nasceu. “Bethânia me chamou no camarim para cantar uma música do Roque (‘Doce’) e pedir que eu fizesse a harmonia”, recorda o mineiro.

“Levei para casa a música e fiquei trabalhando. Nesse meio tempo acabei fazendo um samba. Por força dos orixás, achei que devia mostrar ao Roque, já que a melodia surgiu quando compunha a harmonia para a música dele”, afirma. Como já se conheciam há tempos, embora ainda não tivessem composto juntos, Bosco tomou a iniciativa de ligar para o baiano, que prontamente atendeu o pedido com uma letra para “Pé-de-Vento”, uma das faixas inéditas que Bosco acaba de colocar na praça. “A Bethânia é madrinha dessa parceria, que não existiria se não fosse por ela”, determina Bosco.

Outro encontro musical veio à tona depois de um longo namoro. “Minha parceria com o Arnaldo Antunes estava programada há anos e agora aconteceu. Fiz uma canção com referências fortes à paisagem do Rio de Janeiro, um universo bossa nova que achei que ele poderia gostar. A letra ficou belíssima”, elogia. “Ultra Leve”, resultado da união, se completa com uma participação mais do que especial: Julia Bosco, filha do compositor, divide os vocais com o pai.

“A Julia tem um timbre muito bonito, uma palheta na voz que lembra instrumento de sopro, como se fosse um saxofone mais grave”, compara Bosco. “Achava que essa canção devia ser cantada por um homem e uma mulher, pelo clima de bossa nova e por ser o Rio essa cidade de encontros”, explica. Com outro membro da família, o rebento Francisco Bosco, o patriarca assina cinco faixas. “Meu filho Chico me ajudou muito na concepção desse disco. Ele é um grande companheiro. É muito bom, porque moramos perto e nos encontramos com facilidade. O Chico é um profundo conhecedor da música brasileira e tem um pensamento muito aguçado”, enaltece.

Ao lado de mais um Chico, o Buarque, Bosco gravou, em 2011, a segunda parceria entre os dois. Desta feita, “Sinhá” aparece em um novo arranjo e com a interpretação vocal solitária do mineiro. “A gravação com o Chico foi para um caminho mais percussivo e africano. Nesse disco, procurei um caminho diferente, ainda africano, só que ligado a Cabo Verde, Cesária Évora, com uma tonalidade romântica”, diferencia Bosco.

Outro reencontro musical foi com o mais longevo e clássico parceiro de sua trajetória. São do poeta carioca Aldir Blanc os versos da música “Duro na Queda”. “Para nós é mais difícil compor inéditas porque fazemos coisas juntos desde 1970. A gente toma cuidado para não se repetir. Tanto que fizemos um samba diferente, em três partes, o que é incomum, com uma personagem que começa como ‘João Valentão’, de Caymmi, e termina meio ‘Chega de Saudade’”. 

 

Disco reitera estilo atemporal da voz e do violão de Bosco

Com oito inéditas e três regravações, João Bosco começa o novo álbum pelo “Fim”. “Mano Que Zuera”, primeiro disco com novidades em quase uma década, consegue, dessa maneira, fugir do óbvio logo de saída. Habilidoso instrumentista e compositor de melodias para lá de sinuosas, Bosco mantém inerte essa característica principal no lançamento. O músico não é daqueles que se deixa enganar pelo charme fugaz do inaugural.

Pois como ensina Oscar Wilde: “Nada é tão perigoso como ser moderna demais. Fica-se com uma tendência a virar antiquada de repente”. O tempo do compositor nunca esteve preso a modismos, o que contribui para as versões rebobinadas soarem perenes. “Sinhá”, feita com Chico Buarque em 2011, coloca em relevo o canto rumoroso que Bosco consagrou, enquanto “Coisas N° 2” põe à prova, como se precisasse, o talento único de seu violão, em registro cujo impacto nasce unicamente do instrumento e das cordas vocais do intérprete de Ponte Nova.

Outra sorte do destino foi a de ter encontrado, em seu ninho, um bom parceiro. O filho Francisco contribui para o brilho do trabalho, em especial na terceira faixa, escolhida para intitular a obra. Aldir Blanc, Arnaldo Antunes e Roque Ferreira comparecem com letras que se encaixam à ideia do todo aqui proposta, feita mais de sugestões que certezas. Bosco continua na crista da onda, tanto que “O Caçador de Esmeralda”, lançada em 1973, está na trilha da novela “O Outro Lado do Paraíso”. Preciosidades.