ENTREVISTA DE DOMINGO

"Isso não é uma fita demo, isso é uma fita demoníaca"

O produtor musical Ezequiel Neves, responsável pelo nascimento do Barão Vermelho há 26 anos, lança livro com histórias sobre a banda, incluindo bastidores do primeiro LP e a relação com Cazuza

Por LEANDRO LOPES*
Publicado em 14 de março de 2008 | 22:49
 
 
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- Alô. Por favor, o Ezequiel Neves.

- É ele. Se a história do rock é feita de mitos e lendas, naquele momento estava na linha um dos principais personagens da fábula brasileira: Ezequiel Neves, ou Zeca Jagger, como era conhecido no início dos anos 80. Época, aliás, que o eternizaria.

Para alguns, Ezequiel foi o criador da figura Cazuza e o eixo central da banda Barão Vermelho. Para outros, tratou-se apenas de uma aposta bem feita.

- Gostaria de conversar com o senhor sobre o livro do Barão...

- Já não vamos mais conversar. Senhor? Se me chamar assim novamente, desligo o telefone.

- Desculpa. Não acontecerá de novo. A idéia é convidá-lo para entrar numa máquina do tempo, 26 anos atrás... Zeca topou, embora seja perfeitamente compreensível que, para ele, talvez aqueles momentos fossem tão fantásticos que o melhor a fazer era sequer tentar descrevê-los. Mas, na verdade, trazer ao presente lembranças boas e ruins era algo que Ezequiel Neves já estava fazendo há alguns meses.

Ele, o baterista Guto Goffi e o jornalista Rodrigo Pinto mergulharam em pesquisas, depoimentos, recordações, vídeos e fotografias para escrever "Barão Vermelho

- Por que a Gente É Assim", livro lançado recentemente pela editora Globo que traz histórias inéditas de bastidores, tanto de gravações como de shows, do dia-a-dia dos integrantes, do consumo de drogas e da trajetória do poeta Cazuza.

Ezequiel topou recordar dos risos e dos choros. Lembrar de 1982 e do primeiro LP que mudaria o rumo não apenas dos cinco jovens integrantes da banda, mas do rock nacional. Ele aceitou avaliar a efervescência musical daquela época, com Blitz e Lulu Santos, e comparar com o que acontece hoje.

Ezequiel Neves se permitiu criticar o filme que retrata a história de Cazuza e assumir que o poeta foi um neto que ele não teve. Zeca Jagger, autor de "Codinome Beija-Flor", ao dizer sim para a entrevista consentiu sonhar acordado, prender o choro e aguar o bom do amor.

O TEMPO - Como a história do rock brasileiro e a história do Barão Vermelho desabaram na sua cabeça?

Ezequiel Neves - Desabaram mesmo. No início de 1982, quando estava retornando à Som Livre após ter me demitido em 1979, cruzei com uma fita K7. Uma fita de um grupo que não conhecia, mas que gostei muito. Era uma K7 demo. Fiquei louco com o que ouvia.

Mas como você cruzou com ela? Alguém indicou?

A gente estava fazendo um paude- sebo. Pau-de-sebo era uma prática das gravadoras que funcionava assim: a gente pegava vários artistas e vários grupos, gravava 12 faixas, soltava no mercado e a que colar, colou! Mas quando ouvi aquela fita eu pensei: "isso não é para paude- sebo. Aqui se tem um disco ótimo!" E comecei a fazer escândalo com aquilo. Descobri então que o cantor era o Cazuza. Já até tinha ouvido falar dele, mas como um fotógrafo. O Cazuza já foi tudo. Até modelo. O Cazuza foi modelo. Não dá pra acreditar! Ele foi modelo sem a mínima vontade e vocação para aquilo. Enfim, quando ouvi a fita, pensei: "isso não é uma fita demo, isso é uma fita demoníaca" (risos).

O passo seguinte foi gravar o primeiro LP?

Exato. Fechamos com os meninos e caímos em estúdio. Foi ótimo! Foi feito em 48 horas. Dois finais de semana. Gastamos apenas 12 horas por dia para fazê-lo. O que eu queria era fazer um LP do mesmo jeito que a demo. A demo é fantástica!

E no estúdio?

Uma farra (risos). Muito sanduíche, Cazuza e eu enchendo a cara no uísque (risos). Foi ótimo! (Ezequiel olha para cima como quem busca uma lembrança e se cala).

Essas histórias estão no livro?

Sim. "Barão Vermelho - Por que a Gente É Assim" é um livro que conta essas e outras várias histórias. A gente se preocupou em lembrar, em pesquisar, em mostrar às pessoas de como um ou outro acontecimento que poderia parecer simples mudou muita coisa na vida da gente. Inclusive encartamos a fita demoníaca (risos). Em CD, lógico! É um livro totalmente musical.

Mas não foi o primeiro LP o responsável pelo sucesso do Barão. Pois é. Esse LP, fruto dessa fita, não teve o reconhecimento que merecia. Mas agora as pessoas ouvirão de outro modo. O Barão, na verdade, não aconteceu no primeiro LP e quase não ia acontecendo no segundo. Foi quando o Ney (Matogrosso) gravou "Pro Dia Nascer Feliz" e estourou. Quando a gravação do Ney ficou meio esgotada, aí as rádios colocaram a gravação original. Pronto, o Barão estourou de vez!

O Caetano também contribuiu?

O Caetano foi ótimo também! Tinha uma música do primeiro disco chamada "Todo o Amor que Houver nessa Vida", o Caetano adorou e cantou num show no Canecão, no Rio de Janeiro. E foi aquela repercussão toda, todo mundo descobrindo que era do Barão. E o Caetano interpretou totalmente diferente, de uma forma mais lenta, dando mais valor à letra. A gravação do Barão era meio trash, mais pancada, sabe? Esses dois foram ótimos para o nascimento da banda, que a partir daí estourou de vez com músicas como "Maior Abandonado", "Bete Balanço" e por aí vai.
Era um momento de efervescência do rock nacional. Nessa mesma época a banda Blitz lançou LP e o Lulu Santos também. Existia um movimento em conjunto no início dos anos 80?

Não existia. O que existia era uma influência forte que um conjunto passava para o outro. Eram tantos, Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Capital Inicial. Eram muitos, mas não existia algo combinado, planejado. Alguns eram até mais pop que o outro. O Lulu, por exemplo. Sempre foi muito pop, no bom sentido. É muito difícil você fazer música pop porque ela tem que ser pegajosa, entende? Não é agressiva, é uma coisa totalmente, totalmente... uma droga musical! O que você perguntou mesmo?

É interessante ouvir sua opinião. E o que você acha da Blitz?

A Blitz estourou com aquela música que fala de batata frita e chope, mas não sobreviveu. Não sobreviveu porque a Blitz era uma piada contada infinitamente. Tudo tinha que ter uma piadinha. Não sobreviveu porque piada uma hora esgota.

E por que Lulu e Barão sobreviveram?

Não só eles. Paralamas, Kid Abelha, Lobão e tantos outros. Não existe uma fórmula. Cada um seguiu seu caminho e deu certo.

Sente falta dessa época?

Como a gente falou de piada, tenho que dizer que não repetimos piadas, nem alegrias. Não sinto nostalgia não. Eu nunca senti, nunca parei para fazer uma reflexão. O que fiz agora foi relembrar e pesquisar para o novo livro, e muita coisa que conto agora só lembro por isso.

Fale mais sobre o livro e essas lembranças. O que foi mais marcante em recordar?

Algumas coisas me surpreenderam muito durante a produção do livro. Naquela época, houve acontecimentos que os meninos (da banda) contaram que nem eu sabia. Ou já tinha esquecido ou eles não tinham me comunicado. Principalmente durante o afastamento do Cazuza.

Quais acontecimentos?

Vocês vão ver no livro (risos). O livro está muito divertido e também trágico. O Guto (Goffi) tem uma memória muito boa e conseguiu lembrar de muita coisa bacana, e o Rodrigo (Pinto) é um rapaz jovem, atiçado e apaixonado por rock.

Muita gente foi entrevistada para o livro? Muita gente foi citada?

Muito bom você ter perguntado isso. Muita gente falou sim, mas para ajudar nossas memórias, não para se tornar protagonista do livro (risos). É engraçado que as pessoas me paravam na rua e perguntavam: "estou no livro?" Eu dizia: "claro que não! Você não tem a mínima importância. Você é um famoso ninguém" (risos). Não dá para colocar todo mundo, a não ser que fizéssemos do livro um catálogo telefônico.

Nesses 26 anos desde o primeiro LP do Barão até hoje, o rock mudou muito?

Mudou para pior. Hoje qualquer banda de rock tem estúdio. Pode até ter um CD feito por uma pessoa só. Ninguém toca mais junto. Agora você tem um estudiozinho do tamanho de um bidê e você faz uma produção e pronto.

Você falou que nunca parou para pensar sobre saudades dos anos 80. Mas do Cazuza, você sente falta?

Sinto. Sinto falta sim. Cazuza era um neto que não tive. Neto porque pai é chato, pai sufoca, já avô, não, avô é mais traquina que o neto. Sinto falta, sim. As pessoas me perguntam: "mas vocês não viviam discutido?" Sim, discutíamos, brigávamos, mas a gente brigava para fazer as pazes. Se a gente brigou 400 vezes, a gente fez as pazes mil vezes.

Gostaria que comentasse um pouco o filme "Cazuza - O Tempo Não Pára".

Assisti ao filme umas três vezes e às vezes eu o acho moralista, aquela história de que Cazuza apronta, apronta e depois morre no final, sabe? Foi punido! Não pode beber tanto... Mas, enfim, aquele filme é um filme que pega, teve uma direção ótima, o Emílio de Melo que fez meu papel é um excelente ator.

*Jornalista da Rede Minas de Televisão e blogueiro: http://mascandocliche.zip.net

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