Do alto de um trio elétrico, os versos ecoam com força, carregados pelo coro dos foliões: “Garota você é uma gostosura/ Foi proibida pela censura/ Sai de perto de mim/ Olhar pra você eu não posso/ Me segura que eu vou ter um troço”. A cena retrata um episódio verídico. Presente no filme “Leila Diniz” (1987), traz Louise Cardoso no papel da protagonista, numa deliciosa versão do momento em que Leila foi eleita rainha da banda de Ipanema por Albino Pinheiro, vivido pelo ator Guilherme Karan.

A marchinha entoada na ocasião recobrou sua atualidade dez anos depois de criada, quando o Brasil agonizava sob o jugo de uma ditadura militar. Mas a primeira vez que “Vou Ter Um Troço” chegou às rádios foi em 1962, portanto dois anos antes do golpe, pela voz de um de seus criadores, tornando-se um sucesso carnavalesco imediato. “O Jackson do Pandeiro foi um verdadeiro pop star da música nacional”, resume o pesquisador e produtor musical Marcelo Fróes. 

Dono do selo Discobertas, Fróes idealizou, em 2014, caixas com discos de Jackson dos anos 60, à época inéditos em CD, além de uma coletânea com raridades. Hoje, o paraibano de Alagoa Grande que inventou o seu nome artístico inspirado por Jack Perry – ator de filmes de faroeste de quem ele era fã – tem o seu centenário de nascimento celebrado. A extensão do legado de Jackson do Pandeiro (1919-1982) pode ser medida tanto numericamente quanto pela diversidade das homenagens.

Celebração

O governo da Paraíba decretou 2019 como o “Ano Cultural Jackson do Pandeiro” e emitiu um selo de correspondência com a imagem do músico. Dentre as iniciativas do Estado está o Festival de Artes Jackson do Pandeiro, com espetáculos circenses, de cultura popular, dança e shows de artistas como Lenine. Tema de concerto da Banda Sinfônica do Recife, Jackson também se transformou em grafite, num painel pintado pelo artista plástico Shiko. Para completar, em breve ele retornará ao cinema.

Ao todo, Jackson atuou em nove chanchadas, com destaque para “Cala a Boca, Etelvina” (1979). “Ele participou de um momento histórico, em que o cinema e a música conversavam diretamente no Brasil”, observa Astier Basílio, autor de “O Marco do Rei do Ritmo”, produzido para comemorar os cem anos de Jackson e lançado no Festival Internacional de Música de Campina Grande. Escrito em forma de cordel, o livro deveria dar vazão a um musical, projeto que, por enquanto, foi abortado. 

“Houve até audição e escalação do elenco, mas, infelizmente, os produtores tinham pouca experiência e deixaram para olhar a questão dos direitos autorais no final, o que inviabilizou o musical”, diz Basílio.

Cinema

Uma empreitada que finalmente vai sair do papel é “Jackson: Na Batida do Pandeiro”. A ideia do documentário começou a borbulhar na imaginação dos diretores Marcus Vilar e Cacá Teixeira no ano 2000. Dois anos depois, eles realizaram a primeira entrevista, com Almira Castilho (1924-2011), ex-mulher e parceira de Jackson, além de ser coautora do hit “Chiclete com Banana”, feita com Gordurinha. Em 2013, o longa-metragem foi aprovado em um edital da prefeitura de João Pessoa.

Com uma sessão especial aberta ao público da capital paraibana em julho, o filme aguarda mostras e editais para estrear comercialmente. “A ideia da narrativa foi seguir o percurso geográfico da vida do Jackson para entender o caminho existencial que ele traçou”, explica Vilar. Diabético, o músico morreu em Brasília, aos 62 anos, depois de se apresentar na capital e passar mal quando se preparava para embarcar em um avião que o levaria de volta ao Rio, cidade que escolheu para viver após passar por Campina Grande, João Pessoa e Recife. 

“Cada um desses lugares teve uma importância na formação do Jackson”, destaca Vilar. Conhecido como o Rei do Ritmo, o pandeirista foi um hábil intérprete de cocos, rojões, xaxados, xotes, baiões, sambas e frevos. A prova desse talento surge na produção para além de sucessos como “O Canto da Ema”, “Sebastiana” e “Um a Um”. “Foi proposital colocar muitas músicas que a maioria das pessoas desconhece na trilha sonora, porque é uma oportunidade de jogar luz sobre essas pérolas”, avalia Vilar.

Influência

Com depoimentos de Gilberto Gil, Gal Costa, João Bosco, Hermeto Pascoal, Alceu Valença e outros, o filme revela as diferentes influências exercidas por Jackson na música brasileira. “Em ‘Sebastiana’, ele faz uma divisão diferente para cantar, deslocando a melodia da harmonia, de uma forma que me faz pensar em João Gilberto”, observa a pandeirista belo-horizontina Analu Braga, que descobriu as músicas de Jackson em aulas de capoeira.

Natural de Passos, no interior de Minas, Túlio Araújo garante que só toca pandeiro por causa do “ídolo explosivo, que é um dos pilares da nossa música”. “Ele foi o primeiro a colocar o ritmo em primeiro lugar”, diz. “Jackson falava do sofrimento do nordestino, de um Brasil ignorado”, diz Araújo. 

Sucessos:

“Sebastiana” (1953) – coco de Rosil Cavalcanti

“Forró em Limoeiro” (1953) – rojão de Edgar Ferreira

“O Canto da Ema” (1956) – batuque de João do Vale

“Chiclete com Banana” (1959) – samba de Gordurinha e Almira Castilho