Em 2016, o Galpão convidou o dramaturgo e diretor carioca Marcio Abreu, da Cia. Brasileira de Teatro, para juntos pensarem em um trabalho voltado para questões prementes dos artistas mineiros que encontrasse ressonância e potência uma vez que fosse levado para a cena.
Assim surgiu “Nós”. Agora, dois anos depois, algumas questões surgidas lá atrás, seguem importantes para o grupo e para o diretor, que consolidam a parceria com “Outros”, que estreia no próximo diai 19, no Galpão Cine Horto.
“O ‘Nós’ foi importante para o Galpão e trouxe inquietações e questões. Elas ficaram em aberto, e pensamos que seria importante continuar a parceria com o Marcio”, destaca o ator Eduardo Moreira.
Em “Nós”, o Galpão optou por desvelar algumas de suas questões da convivência de mais de 30 anos. A plateia era convidada a acompanhar conflitos e possíveis saídas dos integrantes, postos à mostra como um grande encontro.
Em “Outros”, os atores buscam olhar para si pensando em novas possibilidades de ser e estar. “Acredito que exploramos ‘Outros’ de ‘Nós’ mesmos. Buscamos até alguns caminhos com a dança, sem nos ancorar sempre na palavra”, avalia o ator Júlio Maciel. “O ‘Outros’ vem como consequência de um processo que continua. Poderia dizer que são as mesmas questões do ‘Nós’ com outros corpos, com outras ideias para a performance e em um outro momento da política”, assinala Abreu.
Mas engana-se quem pensa que o novo espetáculo seja mera continuação do anterior. “São autônomos, mas quem viu o ‘Nós’ vai encontrar rastros presentes também neste novo trabalho”, garante o diretor.
O processo criativo aberto, em que todos se posicionam e fazem escolhas, é destacado por boa parte dos atores. “O Abreu não vem para montar a peça, mas para descobrir como fazer juntos, com rigor e cuidado com o elenco. Ele pulveriza as responsabilidades”, ressalta o ator Antônio Edson.
Dramaturgia
Outra experiência positiva acumulada na relação do Galpão com Abreu foi o investimento na escrita de uma dramaturgia própria feita durante o processo dos ensaios.
Em “Outros”, Eduardo Moreira, Paulo André e Marcio Abreu assinam o texto. “Perguntei ao Eduardo e ao Paulo como estava o processo, e eles responderam ao mesmo tempo: ‘um abismo’”, diverte-se a atriz Teuda Bara.
“A experiência que gera a dramaturgia tem a ver com o processo. Desde o ‘Nós’ havia a possibilidade de encontrar um texto pronto para encenar, mas isso não quer dizer que não existam textos para portar nosso discurso. Nossa opção foi pela radicalidade da experiência interior, por verticalizar nossas buscas, e não tem a ver, necessariamente, com originalidade. Temos uma estrutura gaguejante, que tenta se erguer e que tomba”, pontua Abreu.
Trilha sonora
Acostumados a tocar seus instrumentos em cena, pela primeira vez os atores do grupo Galpão também compuseram 13 músicas para “Outros”. Segundo Lydia del Picchia: “É uma maneira de tirar a gente da escrita de um discurso racional”.
Além disso, Teuda Bara, esteve ausente dois meses do processo por problemas de saúde. Uma das atividades propostas por Marcio Abreu foi escrever cartas para a atriz nos dias em que ela ficou hospitalizada. As respostas de Teuda eram lidas, em voz alta, nos ensaios.
A performatividade e a representação
As fusões de teatro e performance presentes nos trabalhos recentes de Marcio Abreun à frente da Cia. Brasileira (“Projeto Brasil” e “Preto” são bons exemplos) também são uma forte marca nos trabalhos dele com o Galpão. Durante o processo, o grupo se reuniu com Eleonora Fabião, professora da UFRJ e uma das referências na área, para quatro dias de experiências criativas que renderam performances individuais e coletivas. O grupo levou sua mesa de trabalho para as ruas de Belo Horizonte e São Paulo para fazer um “rolê” e debater assuntos com os passantes. “A gente saiu do protagonismo da cena para ouvir as pessoas”, conta Júlio Maciel. “O encontro com o público ganha uma dimensão mais ampla que é o espaço público”, filosofa a atriz Lydia del Picchia.
O Galpão surgiu como uma trupe de teatro de rua e, por isso, quando seus artistas foram provocados a voltar para a rua, eles se sentiram em casa. “Foi uma experiência libertadora, uma terra fértil para o processo”, avalia a atriz Fernanda Viana.
Apesar da potência do encontro com Eleonora, os artistas garantem que as performances são experiências completas feitas em seus contextos, sem estar, necessariamente, no espetáculo. “É como se fosse uma gaveta bagunçada. Aos poucos, vamos encontrando as coisas”, compara Lydia.
“O que é performatividade, o que é representação? A sequência dos trabalhos se deu por algumas prerrogativas de linguagem e não só de estilo, mas de experiência humana, de relação com a sociedade, de política, de entendimento do que pode ser uma busca por ação política na arte”, diz Abreu.
Agenda
O quê
“Outros”, com o Grupo Galpão. Direção: Marcio Abreu
Quando
De 19 de outubro a 18 de novembro. De quarta a sábado, às 21h; e domingo, às 19h
Onde
Galpão Cine Horto (rua Pitangui, 3.613, Horto, 3481-5580)
Quanto
R$ 40 (inteira)