O tradicional Festival Internacional de Teatro Palco & Rua de Belo Horizonte (FIT-BH) inicia sua 14ª edição nesta quinta-feira (13) à noite com “Batucada”, do piauiense Marcelo Evelin, que ocupa o Parque Municipal a partir das 19h. “Eu quero espalhar mascarados por todo o parque, nos arbustos, nas árvores. Vamos compor uma paisagem visual, corporal e, mais tarde, sonora”, assinala Evelin sobre seu “acontecimento”, como ele mesmo define.
Ele aponta que o público é parte da orquestração de tudo o que envolve a ação. “Os corpos vão se desconstruindo e perdendo as roupas. O corpo vai virando carne. Tem um pensamento forte da selvageria da carne. O corpo vai se transformando, ficando mais animalesco”, pontua.
No total, 50 pessoas estarão espalhadas pelo parque com máscaras da escrava Catirina, personagem da folia do bumba meu boi, que, grávida, tem o desejo de comer a língua do novilho preferido do senhor da fazenda. “É um trabalho com forte caráter coletivo, mas que preserva a individualidade de cada um. O mascaramento é uma forma de preservar a clandestinidade e trazer a ideia de insurreição para o trabalho. Às vezes, insurreição; outras, Carnaval”, pontua Evelin.
Por falar em Carnaval, apesar de o nome dar uma primeira impressão de que “Batucada” explora os ritmos e sonoridades tipicamente brasileiros ligados às festas populares, o idealizador do projeto destaca que a batucada que será vista e ouvida pode não ser o que se espera. “É uma batucada atravessada, precária, sem harmonia. Buscamos a sonoridade dos corpos que estão ocupando, rasgando e querendo entrar nesses espaços. É um corpo-ficção”, pontua.
Como é de costume, desde a primeira versão da obra – que estreou em Bruxelas, em 2014 –, Evelin abriu uma convocatória para conhecer os interessados em fazer parte de “Batucada”. A procura abaixo do esperado causou insatisfação no artista.
“Fico me perguntando se isso não representa o que vivemos no Brasil atualmente. Uma caretice que se abateu sobre nós. Eu estou muito revoltado, muito entristecido. Acredito que nossa batucada vai ser com a indignação do que estamos passando como brasileiros, como artistas. Havíamos avançado, mas ultimamente a arte tem sido vigiada, basta ver todas essas discussões em torno do corpo nu”, pondera.
Formação. O FIT sempre teve papel fundamental para a formação de uma geração de artistas em Belo Horizonte, que puderam acompanhar vários grupos estrangeiros, que não chegavam até então à cidade.
A atriz Ana Régis participa do FIT com “Peixes”, um dos dez espetáculos selecionados para a mostra local. Ela tem uma longa relação com o evento, como espectadora e como artista. “O FIT faz parte da minha formação. Eu participei do ‘Festim’, que é o festival que deu origem ao FIT, produzido pelo Grupo Galpão, no início da década de 90. Depois participei de uma intervenção no FIT especial no centenário de Belo Horizonte”, relembra. “Eu fui a todas as edições do festival e me lembro bem da batalha nas filas do (Teatro) Francisco Nunes para comprar os ingressos antecipados”, completa.
Apesar de se dizer honrada com a oportunidade de apresentar seu trabalho num palco importante, como o FIT, Ana critica a forma como os espetáculos de Belo Horizonte são colocados na grade. “Acredito que poderíamos constar como programação nacional, para não criar uma divisão desnecessária. Isso pode soar como uma desvalorização dos trabalhos locais”, pontua ela.
Abertura que prescinde de pirotecnia
Para quem se acostumou com as aberturas do FIT-BH que privilegiavam espetáculos com grande estrutura e muitos efeitos visuais, “Batucada” foge a essa regra. “Queremos que o impacto da abertura venha da potência dos corpos reunidos e em movimento. Por isso, convocamos a cidade para fazer junto o ‘Batucada’ e o ‘Looping’, dois trabalhos que apostam na força da multidão”, pontua a curadora Luciana Romagnolli. “Looping: Bahia Overdub” é a outra atração da noite de abertura.
Para Soraya Martins, outra curadora do festival, não é necessário ter “pirotecnia” para uma abertura grandiosa. Outro aspecto importante na abertura é o fato de privilegiar artistas brasileiros. Até então, todas tinham sido com grupos estrangeiros.