Com a difícil missão de dar vida a Geralt de Rivia, personagem que já carrega uma legião de fãs, o ator Henry Cavill apareceu de surpresa no painel da Netflix na CCXP, em São Paulo. Ao lado da showrunner da série “The Witcher”, Lauren S. Hissrich, Cavill deu detalhes sobre a produção que estreou neste mês na plataforma de streamig – e que muitos apontam como a produção substituta de “Game of Thrones".

Como você descreveria Geralt?

Ele é como um supersoldado projetado para matar monstros e treinado para não ter emoções. Porém, ele é um homem cheio de emoções e se mete em coisas que não deveria. Por isso, em diversas situações, ele tem de fazer o errado para fazer o certo.

É possível defini-lo como bom, mau ou algo no meio disso?

Ele não é bom nem mau. O interessante sobre “The Witcher”, e o jeito que Andrzej Sapkowski escreveu a série de livros, é que nela todo mundo é o herói da sua própria história. E essa pessoa pode também ser o vilão, se visto de fora. Geralt, de qualquer forma, é mais autoconsciente. Ele quer ser um herói, mas está ciente de que é o vilão para algumas pessoas.

Você já era fã de “The Witcher” antes de gravar a série. Como fã, você está feliz com o resultado?

Absolutamente. Como fã, era muito importante interpretar Gerald da melhor forma possível. Foi um desafio, porque é como se nós tivéssemos três personagens e, para mim, foi como ferver tudo isso e recriar Geralt com o núcleo de quem ele realmente é. Gosto do jeito como lidei com ele.

Já estamos vendo muitas comparações de “The Witcher” com “Game of Thrones”. O que você acha sobre isso?

A única comparação que você pode fazer entre “Game of Thrones” e “The Witcher” é que elas existem dentro de um mesmo gênero, que é o de fantasia. Mas, se você é um fã de fantasia, percebe que as duas séries estão em diferentes lados do espectro. Quando comecei a ler “Game of Thrones”, era quase como a história medieval final. Já “The Witcher” é muito mais fantástico. Há monstros mágicos, elfos, anões, gnomos... É completamente diferente. Apesar disso, as pessoas vão traçar paralelos, porque a mídia está dizendo que “The Witcher” é o próximo “Game of Thrones”, mas não pode existir um novo “Game of Thrones”.

Sobre o que é “The Witcher”, para além do texto principal?

Sobre colonialismo, xenofobia e política. E, do outro lado – e tão importante quanto –, também é sobre amor, família e destino. É muito fácil falar só das coisas negativas das questões sociais e políticas. Porém, as coisas que realmente importam nos livros (de Sapkowski) são amor, família e destino. Eles são os objetivos finais dos personagens. As coisas negativas são tudo aquilo que se precisa navegar para chegar até a meta final.

A literatura fantástica no audiovisual

“The Witcher” narra a saga de Geralt de Rívia, um caçador de recompensas que conjuga espada e feitiços para matar monstros. Com seres mágicos, pano de fundo medieval e duelos violentos, esse universo engrossa o filão da fantasia seriada.

Este ano, a HBO encerrou “Game of Thrones”, inspirada na obra de George R.R. Martin, e deu início a “His Dark Materials”, baseada nos livros de Phillip Pullman. A Amazon Prime deu continuidade a “Deuses Americanos”, extraída do romance de Neil Gaiman, e prepara uma série no universo de J.R.R. Tolkien (“O Senhor dos Anéis”). Neste panorama, a saga “The Witcher”, do polonês Andrzej Sapkovski, era candidata óbvia para uma adaptação. 

Publicada entre 1992 e 1999, a série de livros reflete uma guinada sombria pela qual a literatura fantástica passou entre os anos 80 e 90. Vale notar que, embora a série da Netflix possa ter sofrido influência de “Game of Thrones”, as aventuras de Geralt de Rívia foram escritas antes da disputa pelo trono de Westeros – Martin publicou o primeiro volume das “Crônicas de Gelo e Fogo” apenas em 1996.

Até os anos 50, a literatura de fantasia – com Tolkien e C.S. Lewis – retratava personagens nobres, ecoava temas religiosos e narrava lutas épicas entre o bem e o mal. Os livros de Sapkovski se inserem em um movimento de subversão dessas temáticas clássicas estabelecidas por “O Senhor dos Anéis” e “As Crônicas de Nárnia”. 

No mundo de “The Witcher”, não há luta entre o bem e o mal, porque ninguém é essencialmente bonzinho. Todos são falhos, movidos por interesses próprios e paixões contraditórias – o que os torna humanos em um mundo horrível. Geralt caça monstros, mas em geral os piores monstros costumam ser as próprias pessoas.