O cenário da literatura nacional recentemente ganhou um capítulo importante quando, no ano passado, o cearense Mailson Furtado Viana ganhou o Jabuti, o maior e mais importante prêmio literário do país, com o livro “à cidade”, uma obra singela, com pequena tiragem e produzida de forma totalmente artesanal. A premiação do Jabuti derramou uma verdadeira cascata de luzes sobre o trabalho de autores independentes, uma turma que sonha, correndo por fora do mercado, atingir um público cada vez menos afeito à poesia e à literatura.
Num contexto cultural sinistro, no qual as pequenas livrarias se equilibram na corda bamba, cambaleando dentro de um cenário que prioriza o fútil, a superfície, aliado a um quadro político que não prioriza a formação de novos leitores tampouco a educação e a arte como um todo, muitos escritores, principalmente poetas, encontram nas publicações independentes uma forma de driblar tanta incerteza. Se o cenário é sombrio, os bardos apostam na resistência da esperança.
Mas o caminho é feito de dúvidas. Para Welbert Belfort, conselheiro editorial da editora Scriptum, o autor independente deve ter ciência de suas limitações. “Acredito que tem crescido o número de publicações independentes, mas o processo é cheio de armadilhas. O problema é que, hoje, todo mundo virou escritor. E não é bem assim. Existem mais escritores que leitores. Existem escritores que não leem! A maioria não possui embasamento cultural. Por um lado, as publicações independentes democratizam o processo, mas, por outro, a questão da banalização é complicada. Vamos virar um país de escritores que não são escritores. Antes de tudo, essas pessoas devem ser boas leitoras. A questão da vaidade e do ego é algo complicado também. Mas existem, sim, grandes nomes, sem dúvida, que mereceriam um lugar ao sol, e não são poucos. Um dos grandes desafios é encontrarmos esse equilíbrio, garimpando pérolas entre pedras. A literatura foi feita para o diálogo e para o intercâmbio”, sugere.
Álvaro Gentil, coordenador editorial da não menos interessante Editora Ramalhete, chama a atenção para o poder das redes sociais. “Sempre estive inserido no meio literário, por mais de 20 anos. Está havendo um crescimento de publicações independentes, mesmo em outras plataformas, e, de certa forma, a internet e as redes sociais não deixam de cumprir um papel importantes, mesmo que o livro não tenha um selo editorial. Mesmo porque, as edições, até das grandes editoras, são relativamente pequenas, de 1.000 a 1.500 exemplares. O que é pouco”, reclama.
Gentil, no entanto, reconhece o valor e o esforço dos escritores e a grandeza da poesia. “Existem muitas barreiras. Mas a poesia é um gênero que está permanentemente na moda. É uma expressão de resistência, antes de tudo. O poeta que publica, mesmo de forma independente, joga sua voz para o mundo. Tenho um olhar muito simpático para esses autores”, confessa. E aconselha: “Acho que é preciso publicar, sim. As pequenas editoras existem e cumprem o seu papel de forma extraordinária. É essa coisa do sonho, e com os sonhos a gente não pode brincar”,alerta Gentil.
Tadeu Sarmento viveu e, de certa forma, ainda vive as agruras – e as delícias – de ser poeta no Brasil. Com o nome consolidado na cena literária, o pernambucano radicado em Belo Horizonte, que já deixou para trás a época de pagar por suas publicações, dá dicas preciosas – e incomuns – para os novos talentos: “Não publiquem. Deixem as árvores em paz. Mas, se estiverem determinados o suficiente, o verdadeiro conselho é: não alimentem grandes expectativas e tenham um emprego para sobreviver. Muitos dos que acreditaram que viveriam da escrita hoje estão loucos ou fazendo papel de ridículos nas redes sociais. Mantenham-se vivos e sãos”, sugere.
Para os que se consagraram, para os que estão no início, não existem regras, mas um emaranhado de percalços, uma infinidade de contingências e mistérios. É inevitável contar com a sorte e com a força do imponderável. Como adivinhou o poeta espanhol Gabriel Celaya: “A poesia é uma arma carregada de futuro”. É preciso coragem para atirar e, quem sabe, acertar um alvo, inexistente.
Jabuti
O cearense Mailson Furtado Viana, 27, é dentista e... Poeta. Natural de Cariré – mas morando atualmente em Varjota, uma pequena cidade com pouco mais de 18 mil habitantes –, ele literalmente pagou para ver, como se diz, e venceu no ano passado, com o livro “à cidade”, o mais importante prêmio literário do país, o Jabuti, nas categorias livro do ano e poesia. Um detalhe que fez toda diferença: a obra foi produzida de forma artesanal e com recursos próprios. Viana diagramou, editou e ilustrou a capa do volume. Não sem razão, na cerimônia de entrega do prêmio, o poeta, que levou para casa R$ 100 mil, dedicou sua conquista a todos os autores que pagam para ter seus livros publicados.
A obra vencedora é a quarta de Viana e a terceira de poesias. O processo independente e artesanal se deu também com outros volumes: “Sortimento” (2012), “Conto a Conto” (2013) e “Versos Pingados” (2014). Em tempo: Viana imprimiu apenas 300 cópias de “à cidade”.
Alcançar o impossível, conseguir ser artista num país que não oferece perspectivas nesse sentido. Não é em qualquer lugar que encontramos histórias como a de Viana. Ele diz que pode ser promissor este momento para os escritores “menores”. “Fico feliz por todas as discussões que o Jabuti vem gerando sobre a questão dos autores independentes. Acredito que vivemos em um momento de mudança de rumos do mercado, e o fazer independente é um campo com muito espaço dentro desse debate, com muitas questões ainda a se entender. Vejo que, como todo processo, haverá atritos, embora eu sinta que seja um caminho sem volta, e espero que debates produtivos possam acontecer ao longo dos próximos anos para o fortalecimento mútuo de todos”, explica.
Viana, contudo, tem consciência das dificuldades. “Muitas são as barreiras para os independentes. Mas, veja bem, essa é uma questão de longa data. Muitos autores gigantes em algum ou outro momento custearam suas obras, João Cabral, Drummond, como também os poetas marginais da década de 70. A principal dificuldade que vejo é a falta de visibilidade, seja em espaços de literatura, como livrarias ou eventos literários, seja em meios de comunicação, e tudo isso acarreta uma ausência de leitores, que, sem dúvida, é o maior desejo daqueles que escrevem. O conselho que dou para os que querem publicar de forma independente é simples: é continuar na labuta. Muita leitura, sempre e sempre. E, claro, acreditar no trabalho, aperfeiçoar-se e estar constantemente em autoanálise. A poesia é necessária”, pondera.
Hoje, Viana cumpre uma agenda cheia – de certa forma inesperada –, que está abrindo, aos poucos, as portas do mercado para o poeta. “Depois do prêmio, com certeza, muita coisa mudou. Novos e mais compromissos, viagens por todo o Brasil, mais atenção a meu trabalho enquanto autor, espaço para fala em meios de comunicação, enfim, coisas que pra mim vieram de uma hora pra outra, que ainda em parte me assustam e, em sua maior parte, me alegram”, comemora Viana.