Jardinópolis, (SP). Alguns autores publicam apenas um livro em toda a sua vida. Mas, de alguma maneira, outros conseguem fabricar dezenas de livros em um verdadeiro tour de force criativo.

E acima de todos eles, está R.F. Lucchetti, o grande nome da pulp fiction brasileira, que produziu nada menos que 1.547 livros ao longo de uma extensa carreira, durante a qual utilizou inúmeros pseudônimos, incluindo Vincent Lugosi, Brian Stockler e Isadora Highsmith.

Lucchetti, que vive em uma casa labiríntica com mais de uma dúzia de quartos mal-iluminados na praça central de Jardinópolis, cidadezinha no interior de São Paulo, escreveu de tudo: de contos de terror a histórias de crime e contos eróticos, com títulos como: “Os Vampiros Não Fazem Sexo”, “Confissões de uma Morta” e “Fim de Semana com a Morte”.

“Eu detestava faroestes”, conta Lucchetti, 84. “Só escrevi uns 60 livros de bang-bang”, afirmou, acrescentando que ainda trabalha na máquina de escrever todos os dias.

Completamente ignorado pelo cânone literário brasileiro, Lucchetti trabalha na obscuridade desde os anos 50. Contudo, editores, cineastas e ilustradores jovens estão descobrindo suas obras, republicando seus livros ou recorrendo a eles como inspiração para suas próprias criações.

“Lucchetti foi injustamente marginalizado”, afirmou Ivan Cardoso, diretor de filmes de terror B, como “Um Lobisomem na Amazônia”, que foi escrito em parceria com o escritor. “Ele é uma figura única na cultura brasileira”, afirmou Cardoso, que compara Lucchetti a H.P. Lovecraft, o autor norte-americano de ficção de terror.

A fama recém-conquistada é um pouco estranha para Lucchetti, um homem magro e introvertido, que lembra um pouco o escritor argentino Jorge Luis Borges. Em uma conversa realizada em sua casa, entre um copo e outro de Coca-Cola, Lucchetti reconheceu que ele pode parecer um pouco excêntrico em Jardinópolis, uma cidade rural cercada de canaviais.

“Eu detesto esse lugar”, afirmou, enfatizando que também odeia a luz do sol e a conversa fiada da vida no interior. “Eu preferia viver só de noite, se pudesse”, afirmou. “Meus vizinhos são meus inimigos”.

Embora muitos de seus livros se passem em lugares como Los Angeles, Nova York ou Londres, Lucchetti nunca viajou para fora do Brasil. Batizado como Rubens Francisco Lucchetti, ele é descendente de imigrantes italianos que se estabeleceram na cidade de Santa Rita do Passa Quatro e afirma que São Paulo e Rio de Janeiro são as únicas cidades grandes que conhece.

Quando era pequeno, contou, era fascinado pelos contos macabros de Edgar Allan Poe. Embora Lucchetti nunca tenha terminado o colegial, quando era adolescente começou a publicar contos, poemas e críticas de livros nos jornais da região.

Em pouco tempo, percebeu que conseguia falar com alguma autoridade sobre lugares distantes aproveitando os detalhes que via em filmes B norte-americanos, como o nome de uma rua, uma marca de carro ou um ponto de encontro. Ele destacou os filmes de Evelyn Ankers, a atriz hollywoodiana conhecida como “a gritadora” por seus papéis em filmes dos anos 40, como uma de suas maiores fontes de inspiração.

Depois que sua loja de peças automotivas enfrentou problemas financeiros nos anos 60, Lucchetti passou a se dedicar em tempo integral à pulp fiction, cujo nome em inglês deriva do papel de baixa qualidade no qual os livros eram impressos. Chegando ao auge nos anos 70 e 80, ele inventou diversos pseudônimos para dar a impressão que os livros na verdade eram traduções.

Alguns nomes, como Mary Shelby, lembram o nome de autores que existiam, como Mary Shelley, a escritora de “Frankenstein”. Ou Vera Waleska, uma suposta escritora russa de livros sobre o oculto que havia sido criada por ciganos; ou Theodore Field, um aristocrata inglês.

Lucchetti contou que dava histórias e características extravagantes a seus pseudônimos e mergulhava de cabeça nessas vidas paralelas quando escrevia.

A compensação financeira sempre foi baixa, pouco mais de US$ 70 (cerca de R$ 200) por um livro de 120 páginas. Embora Lucchetti tenha orgulho de muitos de seus livros, ele reconhece que produziu algumas bobagens, como “Decadência e Orgia no Terceiro Reich”, escrito sob o pseudônimo Frank Luke.

Lucchetti afirmou que conseguiu escrever alguns de seus livros em apenas três dias. “Sempre tentei manter uma rotina, dormindo e assistindo um pouco de TV todas as noites”, afirmou.

Jerusa Pires Ferreira, pesquisadora paulista que estuda a obra literária de Lucchetti, afirmou que 1.500 livros é um volume bastante preciso de sua obra. “Lucchetti vive em um universo criativo incrivelmente complexo”, afirmou Pires Ferreira, professora de literatura e semiótica na PUC São Paulo. Um dos exemplos citados por ela é a versão feita por Lucchetti do “Grande Livro de São Cipriano” sobre o oculto, que se passa em uma São Paulo dominada pela poluição.