Encontros entre músicos populares e eruditos têm sido frequentes nas últimas décadas. Nana Caymmi, João Bosco e Lenine são apenas alguns dos que experimentaram a receita com sucesso. O fato de Renato Teixeira se unir à Orquestra do Estado de Mato Grosso não configura, em si, uma novidade, mas o resultado traz a qualidade das pérolas raras. O trabalho, lançado em disco e batizado de “Terra de Sonhos” (música de Teixeira e Almir Sater de 1994), é fruto desse registro feito no estúdio Inca, com a regência de Leandro Carvalho.
Embora tenha nascido em Santos, no interior de São Paulo, é inegável a presença de certo folclore pantaneiro na obra de Teixeira, com citações literais ao Estado natal da cantora Vanessa da Mata e do poeta Manoel de Barros. A versão orquestral para “Trem do Pantanal” (Geraldo Roca e Paulo Simões) é de levar às lágrimas o mais insensível dos crocodilos. O tom épico de travessia contido nas canções selecionadas por Teixeira para integrar seu repertório ao longo da carreira, que bem poderiam narrar a “Ilíada”, de Homero e Ulisses, se encaixa com perfeição à robustez sonora inerente à natureza da música clássica.
Tanto que se verifica fenômeno parecido em praticamente todas as 14 faixas do álbum. Ainda que a singeleza da letra de “Amora” apareça com suavidade no canto de Teixeira, ela jamais escapa da ambiência volumosa proposta pelos instrumentistas, o que acrescenta à história gravidade que talvez não houvesse em sua origem. Sem diluir a essência de temas tão arraigados ao imaginário nacional como os próprios ditados populares, “Tocando em Frente” e “Raízes” participam dessa espécie de primeiro ato e amarram a estética rural à música do mundo, reafirmando o caráter bucólico da arte do anfitrião.
A partir de “Chalana” a história é outra. A poesia e os arranjos aqui se unem em favor do lirismo, de um olhar ainda romântico sobre o abandono e a distância. “Um Violeiro Toca”, “Passatempo” e “Sonhos Guaranis” são outros exemplos bem acabados desse número. A partir de “Meu Veneno”, a apresentação injeta velocidade no roteiro. A agilidade de “Siriema do Mato Grosso” rouba o fôlego dos ouvintes não apenas pelo ritmo, mas é, sobretudo, pela impressionante capacidade de reavivar clássicos populares sob a égide de um conjunto de instrumentos tão harmoniosos.
A sofisticação aliada à mais íntima das verdades, aquela profunda flor que se esconde no peito de um rústico homem criado nas fazendas do interior, é assim sublimada pela poética “Flor Matogrossense” (Anacleto Rosas Jr.). Com um bando de clássicos a seu dispor, Teixeira decide por encerrar o papo com outra cantiga emblemática, “Mato Grosso Rico” (Paraíso e Tinoco), uma ode ao povo do lugar que acolheu e inspirou várias de suas canções.
Aos 72 anos e com uma vida artística que manteve a peculiaridade para além de modismos, Teixeira aparece em momento de plenitude, com a mesma força e gana do compositor revelado ao Brasil por Elis Regina, em 1977, graças à ainda icônica “Romaria”.