O primeiro serviço a que se presta esse “Três Tons de Rita Lee” é nos lembrar que a cantora é uma das artistas mais impressionantes e imprescindíveis da música popular brasileira. Claro que ela não está esquecida, mas talvez a essencialidade de sua carreira, sim. Especialmente o começo de sua trajetória solo, muito bem narrada nestes três atos.
A bem da verdade, nos dois primeiros álbuns da caixa ela não estava sozinha. “Build Up” é a tentativa de expandir o nome da cantora comercialmente, para fora do leque Mutante. Desde o título explícito (“Construída”) até o anúncio formal na primeira faixa (“Sucesso Aqui Vou Eu”), a intenção era fazer de Rita uma estrela pop, em um Brasil bafejado pela moda e mídia do final dos anos 1960. Uma terra onde “Coca-Cola no coco dá”, como ela canta em “Hula Hula”. A questão é que Rita nasceu moldada: tirando uma concessão aqui e ali (como hit “José”), o álbum segue o padrão de excelência Mutantes, de quando a torneirinha criativa do grupo jorrava litros e até receita culinária (“Macarrão com Pimenta”) era servida musicalmente.
“Hoje É o Primeiro Dia do Resto de Sua Vida” é um disco dos Mutantes, com assinatura e desenho de Rita na capa. Toda a banda participa compondo e tocando. Ouvido hoje, soa como a transição exata do que seria uma banda pautada pelos delírios lisérgicos da época, mas sem deixar de lado o humor, as segundas intenções expressas nas letras e interpretações. Do início com “Vamos Tratar da Saúde” ao blues chapado de “Tiroleite”, passando pelo heavy de “Tapupukitiba”, a experimentação é a marca. Aos hoje campeoníssimos corintianos, “Amor em Branco e Preto” retrata um tempo pré-1977,em que sofrer era sofrer mesmo.
Quando a banda virou totalmente a chave para o rock progressivo, o caldo entornou. Rita, que não crê em bruxas (“Pero que las hay, las hay”, como escreveu na canção), foi buscar os ingredientes corretos para a poção mágica que iria mudar o rock brasileiro para sempre. Dispensada dos Mutantes, afogou as mágoas inventando uma outra gramática para o gênero por aqui.
Cometeu de cara um disco clássico, “Atrás do Porto Tem Uma Cidade”, ressaltando as timbragens básicas e rascantes de sua nova banda, o Tutti Frutti.O vocabulário é cosmopolita, corpo Bowie e alma Stones, mas com um toque brejeiro inconfundível.Ela explicita o tesão feminino em uma canção pop (“Menino Bonito”), faz jus à expressão rock “pauleira” em “Ando Jururu”, (do impagável verso “Quero encontrar pelo caminho cogumelo de zebu”) e eterniza um hino pessoal, “Mamãe Natureza”. É o prenúncio nítido para o álbum posterior, sua obra-prima, “Fruto Proibido”. Mas antes temos três provas cabais de que Rita sempre soube das coisas da vida.
Agenda
Três Tons de Rita Lee. Box de Rita Lee. Lançamento Universal Music. Preço em média: R$ 54,90