Iniciativa

Uma casa para a cultura negra 

Com aval do prefeito Marcio Lacerda, Mercado Distrital de Santa Tereza pode receber centro de referência afro

Por fábio corrêa
Publicado em 01 de abril de 2015 | 03:00
 
 
 
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Após duas décadas de reivindicação, representantes do movimento afro-brasileiro de Belo Horizonte receberam finalmente o aval do poder municipal para a criação do Centro de Referência da Cultura Negra na capital. Em uma entrevista concedida no dia 21 de março, o prefeito de Belo Horizonte, Marcio Lacerda, confirmou ter feito um convite às embaixadas de Senegal e Zimbábue, em Brasília, para destinar o Mercado Distrital de Santa Tereza à finalidade. Se for concretizada, a iniciativa colocará fim a um segundo impasse: a revitalização do mercado, desocupado desde 2007 – e cujo plano de se tornar uma escola técnica acaba de ser abandonado pela Fiemg.

Conversas para a criação do centro datam de 1995, ocasião do primeiro Festival de Arte Negra (FAN). Em 2008, um projeto de concepção do músico Maurício Tizumba, em parceria com outras iniciativas como o Mercado Mundo Mico, venceu uma votação promovida pela prefeitura para a reocupação do Mercado de Santa Tereza. A votação, porém, foi cancelada com a alegação do Ministério Público de que o processo de votação eletrônica era falho.

Mas a batalha continuou e, em 2013, quando foi curador do FAN, Tizumba fez um pedido direto a Lacerda. “A primeira coisa que pedi ao prefeito foi um espaço, em um lugar central, nobre, para que a gente pudesse fincar nosso pé”, conta o músico. “A gente vem nessa busca há muito tempo, é um sonho que não envelhece”.

Realidade. Com a repercussão do anúncio de Marcio Lacerda, um grupo formado por entidades e representantes da cultura negra em Belo Horizonte esclareceu, por meio de um texto enviado à imprensa, os planos para tornar o centro de referência uma realidade.

Intitulada de “Nossos Sonhos Não Envelhecem” – em clara referência ao Clube da Esquina –, a nota foi assinada por Ibrahima Gaye (cônsul honorário de Senegal), Marcos Cardoso (Coordenação Nacional das Entidade Negras), Rosália Diogo (Instituto Cultural Casarão das Artes) e Maurício Tizumba.

Segundo Rosália Diogo, o centro viria cumprir uma demanda colocada pela comunidade negra, parte da classe artística, pesquisadores e membros da sociedade civil. “O espaço dará condições para mostrar à cidade o quanto temos de legado da cultura africana e afro-brasileira por aqui”, explica a pós-doutora em antropologia pela Universidade de Barcelona. “Poderá conter um museu, um centro gastronômico, salas para formação, projeção de cinema e teatro, além de atividades bancárias e comerciais”, afirma Rosália. “Ele será destinado não só à juventude negra, mas a outros atores, sem perder de vista que é um espaço da e para a cidade”, diz. A decisão, no entanto, não foi bem recebida pelas associações de moradores da região (leia mais na página 2).

Maurício Tizumba vê o centro de referência como algo natural para uma cidade com pensamentos modernos. “Em todo lugar de importância mundial, existe uma casa voltada à cultura afro. Tem na França, nos Estados Unidos, no Rio de Janeiro”, comenta o músico. “Estamos conversando com as esferas municipal, estadual, federal e até com organizações internacionais para viabilizar o projeto. Se a gente consegue colocar esse centro de arte negra dentro de Santa Tereza, vai ser bom para o povo negro, para o bairro, para Belo Horizonte e para o Brasil”, esclarece Tizumba, que diz que o local poderá se transformar no maior centro de referência de arte negra da América Latina.

O recebimento do convite oficial, assinado por Marcio Lacerda e enviado por correio, foi confirmado ontem pela Embaixada de Senegal. As autoridades consulares do país africano ainda não têm uma resposta oficial à proposta, mas o cônsul honorário em Belo Horizonte, Ibrahima Gaye, considera o cenário favorável. “Estamos falando do maior país em população negra fora da África, que tem um legado incomensurável nesse sentido”, diz Gaye. “As pessoas precisam entender que esse povo tão miscigenado precisa dessa referência de cultura africana”, diz.

O centro de referência representará, assim, uma nova fase da batalha do movimento negro local. A luta, porém, não será só dos representantes da cultura afro-brasileira. “A gente não está chegando para tomar conta de Santa Tereza, isso é muita pretensão”, sublinha Tizumba. “Se a gente entra de mãos dadas com as tendências de lá, como uma coisa bonita que estamos fazendo para cidade, vamos poder criar entidades, espetáculos, escrever livros, plantar árvores, pode fazer de tudo”, comenta o músico. “Essa possibilidade está pintando pela segunda vez, e quando a gente coloca que ‘nossos sonhos não envelhecem’, estamos dialogando com o bairro que, com tanta vocação artística, é o lugar ideal para continuar sonhando”, conclui Tizumba.

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