Artes visuais

Man Ray: fotógrafo das lentes surrealistas

Primeira exposição de Man Ray no Brasil chega nesta quarta a Belo Horizonte, com 255 trabalhos do artista norte-americano

Por Carlos Andrei Siquara
Publicado em 11 de dezembro de 2019 | 03:00
 
 
 

Enquanto boa parte dos fotógrafos de sua época lidava com a fotografia seguindo parâmetros predominantemente realistas, Man Ray (1890-1976) buscou experimentar a manipulação de negativos, a fim de alcançar outras possibilidades de composição, mais próxima das estruturas dos sonhos. Justamente por esse motivo, o artista norte-americano foi abraçado pelos surrealistas, que viram nele um forte aliado na busca pela tradução do inconsciente.

“Man Ray era visto como o único capaz de fazer algo assim, por isso ele era alguém muito importante para aqueles artistas”, frisa Emmanue lle de l’Ecotais, curadora da exposição “Man Ray em Paris”, que pode ser vista a partir desta quarta-feira (11) no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), localizado na praça da Liberdade. A mostra marca a primeira retrospectiva do artista no país e contempla 255 peças, entre fotografias, filmes e objetos raramente vistos. 

Eleita a melhor exposição deste ano pela Associação Paulista dos Críticos de Artes, “Man Ray em Paris” apresenta um percurso do desenvolvimento do trabalho do norte-americano, que, inclusive, iniciou sua trajetória artística na pintura, mas sem obter sucesso.

“Ele logo descobriu que não ficava muito realizado com essa arte e acabou desistindo dela. Na década de 20, ele encontrou-se com o artista Marcel Duchamp (1887-1968) em Nova York, e juntos eles perceberam que a fotografia poderia ser uma das linguagens mais inovadoras para se trabalhar artisticamente”, diz Emmanuelle.

Antes de levar a fotografia para outros patamares, Ray tornou-se um reconhecido retratista, capturando imagens não só de pintores da época, entre eles Picasso, mas também de poetas, como Paul Éluard (1895-1952), cujo retrato está em exibição. “Ele se tornou um fotógrafo famoso já nessa fase e ganhou dinheiro com esse trabalho. Man Ray ia ao ateliê dos artistas, fotografava suas obras. Além de produzir os retratos, começou a ser colaborador da revista de André Breton (escritor e um dos teóricos do surrealismo)”, afirma Emmanuelle.

Um dado curioso, observa a especialista em história da arte, é que Man Ray recorria a técnicas do século XIX – de certa forma, já obsoletas naquele período – para conseguir os efeitos responsáveis por deixar suas imagens singulares. “Ele retocava os negativos, como os fotógrafos do passado, e com isso conseguiu ser supermoderno, ou seja, recorrendo a métodos tidos como clássicos e manuais”, sublinha ela.

Foi essa investigação que levou Ray a encontrar as soluções por meio das quais sua fotografia se distinguiu. Um exemplo foi a criação da solarização, que deixava seus retratos com uma espécie de aura. “Ele desenvolveu essa técnica, que se baseava em ligar a luz por alguns segundos na sala escura. E este era um procedimento superarriscado, porque se podia, nesse processo, perder todo o negativo. Ele se tornou tão especialista nisso que fazia imagens solarizadas sem errar”, diz a curadora.

Outro dado que ela narra sem conter as risadas é a maneira como Ray era um grande contador de histórias. A própria descoberta da solarização, segundo ela, foi relatada por ele de uma maneira um tanto improvável. “Ele conta em sua autobiografia que a solarização foi algo que surgiu por acaso. Ele estava um dia na sala escura, quando passou um rato, e uma menina que o acompanhava deu um grito e ele precisou ligar a luz – cena que soa um tanto irreal”, comenta Emmanuelle.

Esse jogo entre ficção e realidade, contudo, revela-se coerente com suas criações de maior repercussão. Ray abraçou a fantasia, fez fotos para revistas de moda, renovando a linguagem da época e usando aristocratas francesas como modelos, pois na época ainda não existia a profissão de manequim. Além disso, em outro momento, ele radicalizou a aproximação da fotografia com outras linguagens, o que deu origem à série batizada por ele “rayografias”.

“Ele sempre buscou uma forma de não ser um simples fotógrafo. Na época, a fotografia não era vista como arte, mas ele não dava a mínima para isso. O que ele acabou fazendo de algum modo foi cada vez mais levar a fotografia para esse espaço da arte”, completa Emmanuelle.

Agenda

O quê. Abertura da exposição “Man Ray em Paris”.
Quando. De 11/12 a 17/2.
Onde. CCBB (praça da Liberdade, 450, Funcionários)
Quanto. Entrada gratuita..

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