Casa Cultural

Matriz lança campanha, programação de despedida e anuncia novidades

Proprietários do tradicional palco do underground da capital, Edmundo Correa e Andrea Diniz falam sobre financiamento coletivo, novos projetos e o futuro na Casa do Jornalista

Por Bruno Mateus
Publicado em 14 de dezembro de 2021 | 05:49
 
 
 
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Diferentemente de outros tempos – 21 anos, para ser mais preciso –, em que o Matriz Casa Cultural fervia e entrava pela madrugada ao som de rock, hardcore, samba, soul, jazz, rap, blues e funk, a noite de 26 de outubro de 2021 foi de lamento para um dos inferninhos mais tradicionais e importantes da cena alternativa de Belo Horizonte. Localizada no subsolo do Edifício JK, no Barro Preto, a casa de shows, comandada por Edmundo Correa e Andrea Diniz, divulgou, nas redes sociais, aquele comunicado que nunca gostaria de ter publicado. Os impactos da pandemia foram severos demais.

“Infelizmente, informamos que a situação financeira do Matriz está insustentável. Todas as negociações com a imobiliária se esgotaram, e, diante desse cenário catastrófico, provocado por um verme e um vírus (personagens principais deste filme de terror), só nos resta uma saída: fechar as portas, antes que tudo exploda”, diz um trecho do texto. “Estava tudo tão sofrido. Agora fica uma mistura de sentimentos, tudo o que fizemos foi com muita verdade, amor e dedicação. Foi tudo muito intenso”, diz Andrea. 

A militância política e cultural de Edmundo e Andrea começou – muito antes do Matriz – no Calabouço, no bairro Primeiro de Maio, ainda no início dos anos 1980, depois seguiu, em 1996, no Butecário, bar que ocupou a sede do Sindicato dos Bancários, no centro de BH. Dead Fish, Matanza e Los Hermanos fizeram seus primeiros shows na capital no Butecário.

Em 2000, o casal decidiu reformar a loja no subsolo do JK, onde funcionou o Caverna Rock Bar. Eles começaram do zero: não tinha piso, e as instalações elétrica e hidráulica eram precárias. Em uma noite de abril daquele ano, a cantora e compositora Patrícia Ahmaral inaugurou o Matriz. Vander Lee, Lô Borges, Jards Macalé e a banda Bambix, da Holanda, seguiram com a programação do mês.

Do rock ao samba, da literatura às artes plásticas, do teatro ao stand-up, o Matriz abriu o palco para muita gente nesses 21 anos. Para Edmundo, o que fica desse período é a coerência em entender a arte como instrumento transformador político e cultural do ser humano: “Abrimos espaço para muitas bandas, houve formação artística de muita gente, muita gente se interessou por música, literatura e outras artes por causa do Matriz. Acompanhamos as mudanças de comportamento que surgiram nesses 21 anos e sempre nos posicionamos veementemente contra qualquer tipo de opressão, de preconceito e de censura contra a arte”. Andrea se enche de orgulho: “Só posso agradecer por ter vivido essas experiências”.

Futuro na Casa do Jornalista 

“Mas nem tudo são espinhos, ainda restam flores”, também dizia o comunicado que decretou o fechamento – pelo menos no inesquecível endereço do Barro Preto. Edmundo e Andrea se preparam para levar, na segunda quinzena de janeiro, o Matriz para a Casa do Jornalista, espaço cultural do Sindicato dos Jornalistas, localizado na avenida Álvares Cabral, no centro da capital.

A programação contará com shows, feiras, lançamentos de livros e debates. A Casa Mãe, restaurante aberto pelo casal durante a pandemia e que aposta em um cardápio de comida saudável e opções veganas, também irá para o local. 

“É um espaço democrático, aberto a todas as manifestações políticas e culturais, e acreditamos que será um dos principais pontos de cultura da cidade. Temos convergência de ideias com as pessoas de lá. Queremos finalizar nossa trajetória na Casa do Jornalista e, quem sabe, passar o bastão para um coletivo que possa dar continuidade aos trabalhos”, comenta Edmundo.

A novidade é celebrada por Andrea como um alento e um novo respiro: “Eu amo a Casa do Jornalista. É um lugar massa, de pessoas queridas e interessantes. Se não fosse essa ideia, ia ser muito difícil continuar. Vai ser bom, inclusive, para as pessoas conhecerem mais esse espaço tão legal em Belo Horizonte”.

Programação de despedida vai até janeiro

Inferninho que se preze fecha as portas com barulho. Desde o início de novembro, quando o ator, cantor e compositor Robert Frank inaugurou a pista, artistas, bandas e DJs têm realizado uma programação diversa e especial de despedida. Passaram por lá Cesco Napli, Pedro Morais, Cadelas Magnéticas, Confeitaria, Ex-Machina, e Drástiko, entre outras atrações.

Performances e a exibição do documentário “BH Soul”, dirigido por Tomás Amaral, também marcaram a agenda comemorativa. No sábado (18), às 22h, o Matriz promove a tradicional festa Decades 80’s, com DJs tocando goth rock, pós-punk e synthpop. E mais: no dia 22, o projeto autoral Pedestal, com humoristas de BH, vai ocupar o palco da casa; no dia 25, uma festa LGBTQIA+ ocorrerá na pista do Matriz.

A programação termina em 2 de janeiro, um domingo, dia em que as luzes do Matriz se apagarão definitivamente – pelo menos no espaço onde fez história durante 21 anos. “São bandas locais, com trabalhos autorais e que tocaram no Matriz muitas vezes. Tem soul, pop, metal… Essa programação, de certa forma, representa muito do que rolou nesses 21 anos. A despedida está sendo assim: é de todo mundo e foi uma iniciativa das pessoas amigas e frequentadoras”, ressalta Andrea. 

Campanha de financiamento coletivo 

No último dia 2, Edmundo e Andrea, com apoio de amigos e parceiros, lançaram a campanha de financiamento coletivo “Valeu, Matriz”. A meta da vaquinha virtual, realizada pela plataforma Evoé, é, até 12 de fevereiro, arrecadar R$ 118 mil, valor que será utilizado para pagar dívidas adquiridas nos quase dois anos de pandemia, manutenção e conserto de equipamentos, entrega e mudança de imóvel e financiamento de novos projetos.

Os doadores receberão diversas recompensas. Todos os detalhes estão em evoe.cc/matriz2. “Não adianta fecharmos a casa e levarmos o problema conosco. Temos que zerar nossas dívidas ou pelo menos pagar grande parte dela”, reforça Edmundo.

Grandes momentos do Matriz, por Andrea e Edmundo

“São muitas, muitas histórias. Teve uma coisa que foi fantástica. Teve um casamento aqui, de uma menina que passou a adolescência no Matriz. Ela morava em São Paulo e ligou para o Edmundo dizendo que queria fazer o casamento dela aqui. ‘Quero alugar o Matriz’, ela falou. Era fim de ano, conseguimos a data que ela queria. Veio a família toda, estava lotado! Ela tinha uma banda punk. Depois da cerimônia, ela jogou o vestido para o alto e começou a ‘pauleira’, o maior punk rock! Foi muito legal, e esta é uma das histórias inesquecíveis do Matriz.” 

Andrea Diniz 

“Eu gostaria muito de lembrar os eventos de rua que fizemos nos aniversários do Matriz. Em 2002, para comemorar dois anos, reunimos quase cem percussionistas na praça Raul Soares. Orquestra de Percussão Elefante Groove, Groove das Ruas e Tizumba com o Tambor Mineiro tocaram. Nos quatro anos do Matriz, ocupamos o terceiro andar do Mercado Novo – na época, ninguém se encontrava lá. Conseguimos reunir cem violeiros, Zé da Viola e Vicente Machado estavam presentes. Esses dois mestres eram muito parceiros do Matriz. Ficamos seis meses ensaiando e em um sábado fechamos a avenida Olegário Maciel. Chegamos à praça Raul Soares com os violeiros e cortejo de Folia de Reis. Tivemos apoio do Fernando Muzzi, outro grande parceiro. No aniversário de seis anos, mais de dez bandas tocaram na Raul Soares, depois finalizamos o evento com show do Nelson Sargento e Copo Lagoinha. Nos dez anos do Matriz, tivemos circo, teatro, música e cinema na Raul Soares, na avenida Olegário Maciel e em frente ao Matriz. Fechamos o quarteirão da Olegário Maciel todinho, fizemos tributo ao Cartola, mais de dez bandas alternativas. Terminamos com shows de Toninho Horta e Unión Latina. Tenho muito orgulho desses eventos de rua”. 

Edmundo Correa

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