Entrevista

Maurício Tizumba celebra 50 anos de carreira: ‘O povo negro nasceu para vencer’

Com uma trajetória que encontra a música, o teatro, a TV e o cinema, multiartista mineiro, ícone da nossa cultura popular, estreia espetáculo 'Herança' no fim de semana

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 20 de março de 2023 | 06:33
 
 
 
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Maurício Tizumba, 65, nunca quis ser médico, bombeiro, advogado ou engenheiro. Desde criança, quando participava de programas na extinta TV Itacolomi, levado por seu pai, Antônio José Moreira, já sabia que não poderia – nem queria – desviar seu caminho da arte. “Com 7, 8 anos, eu já estava envolvido com música. Eu queria mesmo era ser cantor e ganhar dinheiro para comprar uma casa para minha mãe. Acabou que eu consegui. Anos e anos depois”, recorda Tizumba.

Ele tinha um talento nato, mas em certa fase da vida, entre a adolescência e a juventude, foi peão de obra, vendedor, engraxate e também trabalhou com lanternagem de automóveis. Mesmo nesse período, nunca deixou de ser artista: “Eu tinha que ter outras cartas na manga para comprar o pão de cada dia. A coisa não acontece num estalar de dedos. Tem que construir”. 

E Tizumba construiu. Homem do teatro, da música, do cinema e da TV, o multiartista completa 50 anos de carreira em 2023. Há cinco décadas, quando tinha 15 anos, ele foi emancipado pelo pai, tirou carteira da Ordem dos Músicos e começou a tocar em bailes na sua Belo Horizonte.

Estamos falando de meados dos anos 1970. De lá pra cá, Maurício Tizumba se consolidou como um artista polivalente e porta-bandeira das manifestações populares da cultura afro-brasileira e afro-mineira. Capitão de congado orgulhoso de sua trajetória, fez do tambor a extensão de seu corpo. 

Maurício Lino Moreira cresceu no bairro Aparecida, na região Noroeste da capital mineira – onde começou a fazer fama como artista –, aprendeu a ler no Sumaré e fez o colegial no Parque Riachuelo. Foi nessa época que o professor Marcos inventou o apelido que acabou por traduzir a essência do artista. Tizumba é um nome sonoro, uma música permanente e um toque de tambor. “Ele associou a negritude da minha imagem com o som do nome Tizumba. Casou perfeitamente”, diz. 

O primeiro disco da carreira, “Marasmo”, veio em 1981. O mais recente, “Maurício Tizumba Canta Vander Lee”, tributo ao amigo e parceiro falecido em agosto de 2016, saiu há dois anos. Dezenas foram os espetáculos teatrais, mas Tizumba também fez filmes e novelas, criou o Espaço Cultural Tambor Mineiro e a Cia. Burlantins, grupo que nasce entendendo a rua como seu palco principal. Tizumba andou pelas ruas do mundo: Estados Unidos, Canadá, Argentina, Áustria, Bélgica, Suíça, Itália, Alemanha, Portugal, Bangladesh e África do Sul.

Olhando em retrospectiva, os 50 anos de carreira carregam uma marca importante para Tizumba: a arte como ofício. “Chego, hoje, podendo trabalhar com aquilo que sempre amei. Me sinto um artista de cultura popular vitorioso. Trabalhei muito nessas cinco décadas, desde os meus 15 anos, quando começa minha história profissional tocando em bailes, festas populares, quermesses, igrejas, terreiros de umbanda, escolas. Consegui chegar aqui trabalhando muito e com um olhar de continuidade”, ele comenta.

Cinquentenário celebrado nos palcos 

Não haveria melhor forma de festejar a carreira cinquentenária. No próximo fim de semana – sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h –, Maurício Tizumba sobe ao palco do Centro Cultural do Minas Tênis Clube (mais detalhes no fim da matéria) ao lado da filha, a cantora, compositora e atriz Júlia, e do grande amigo e parceiro Sérgio Pererê, outra referência quando o assunto é cultura popular. O trio estreia o espetáculo “Herança”, cuja direção é assinada pela atriz Grace Passô.   

Em cena, eles repassam episódios pessoais que encontram eco na história de seus antepassados. Os relatos de Maurício, Sérgio e Júlia, três gerações diferentes, acabam nos levando à África, berço fundamental da cultura brasileira e onde está o DNA dos Tizumba e de Pererê, mais especificamente em Camarões.

“Dividimos histórias de negritude enquanto pensamos, valorizamos e defendemos o teatro feito pelos negros. Houve um apagamento da nossa história, mas isso vem mudando. Vamos na contramão do teatro caucasiano, somos nós contando nossa história. Não é uma dramaturgia dos brancos contando a história dos negros”, ressalta Maurício Tizumba. 

Para o artista, a palavra “herança” carrega vários símbolos e significados, alguns paradoxais. Pode tanto dizer sobre o roubo ao qual o povo negro foi submetido durante séculos pelo homem branco – que tomou para si indevidamente desde bens materiais até conquistas intelectuais que não lhe pertenciam – quanto refletir o valioso legado de seus ancestrais, fundadores de uma cultura que influencia as artes até os dias de hoje. 

“O espetáculo fala dessa herança roubada, mas estamos na batalha para que devolvam o que é nosso, o que construímos. ‘Herança’ vem para isso também, para fazer uma busca no que é nosso, nossa arte, nossa cultura”, enfatiza Tizumba. “Todas as histórias que contamos no espetáculo vêm carregadas de alegria, celebração e orgulho para mostrar o quanto somos vitoriosos, mesmo que tentem manter os pés em cima da nossa cabeça. O povo negro nasceu para vencer”, ele completa.

Ao longo de 2023, Maurício Tizumba vai celebrar os 50 anos de estrada com outros eventos, entre os quais estão a montagem do musical infantil “Terras de Montanha”, a mostra Benjamin de Oliveira, criada por ele em 2013, shows em oito regionais de Belo Horizonte e uma apresentação com o carioca Thiaguinho da Serrinha. “Vamos misturar tudo, bandolim, tambor, congado”, avisa o multiartista mineiro.  

Estreia 

O espetáculo “Herança”, montagem da Cia. Burlantins com Maurício Tizumba, Sérgio Pererê e Júlia Tizumba e direção de Grace Passô, fica em cartaz no Centro Cultural Unimed-BH Minas (rua da Bahia, 2.244, Lourdes) neste fim de semana – sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h – e nos dias 28, 29 e 30 de abril – sexta e sábado, às 20h, e domingo, às 19h. Os ingressos custam R$ 20 (inteira) e R$ 10 (meia) e podem ser adquiridos na bilheteria do teatro ou no site Eventim. A classificação é livre.

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