Literatura

‘Me encontro com o útero que me acolhe’, diz Conceição Evaristo sobre AML

Eleita como uma Imortal, escritora vai ocupar a cadeira número 40 da Academia Mineira de Letras; posse será transmitida ao vivo

Por Jéssica Malta
Publicado em 07 de março de 2024 | 07:00
 
 
 
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“Gilberto Gil disse que a Bahia deu para ele régua e compasso. Para mim, Minas Gerais deu régua e compasso. E esse público que me acolhe hoje, a própria Academia que me acolhe hoje, é algo que a gente pode metaforizar como um processo em que eu me encontro novamente com um útero que me acolhe”, avalia a escritora, linguista, poeta e ficcionista Conceição Evaristo. Aos 77 anos, a belo-horizontina retorna à capital para tomar posse do título de Imortal da Academia Mineira de Letras, em cerimônia que acontece nesta sexta-feira (8), data que também marca a celebração do Dia Internacional da Mulher. O evento será transmitido ao vivo pela internet.  

O retorno, tão celebrado pela autora, é carregado de significados. Um deles é o reconhecimento, vindo do próprio Estado onde nasceu e cresceu, pela potência de seu trabalho. “Quando saí de Minas, não foi por uma escolha. Eu não pensei ‘vou sair de Minas Gerais e ganhar o mundo’. Eu saí porque tinha terminado o normal, queria dar aula, e aí não tinha o concurso. Minha família tinha acabado de ter sido mandada embora da favela, então eu saí procurando uma vida que não era possível viver naquele momento. Voltar hoje é uma forma de a vida me compensar”, explica a escritora – Conceição Evaristo se mudou para o Rio de Janeiro em 1973. No Rio, passou em um concurso público para o magistério e permaneceu ligada aos quadros do município até 2006. Nas décadas de 1970 e 1980 também foi professora da rede municipal de Niterói.  

Ainda que se sinta recompensada e grata pelas conquistas das últimas décadas – em 2015, por exemplo, venceu o Prêmio Jabuti na categoria Contos e Crônicas por “Olhos D’Água” –, Conceição ressalta que sua história é, ainda, uma exceção. “E toda exceção confirma uma regra. Há alguma coisa muito má, alguma coisa muito injusta na sociedade brasileira, que faz com que nós ainda sejamos exceções. Então, eu fico muito feliz, fico muito grata, mas eu não perco a consciência de que eu sou uma entre mil”, pondera.  

A constatação, inclusive, tem pairado na mente da escritora em tempos recentes. “Nesses últimos dias tenho pensado muito nas mulheres, nas meninas que foram minhas contemporâneas na favela. O máximo que elas chegaram foi à 4ª série primária, quando chegaram. Então, chegar a esse status de ser uma Imortal me dá uma alegria muito grande, mas me provoca várias reflexões e o reconhecimento de que são situações de exceções”, completa. 

É ainda nesse cenário que ela destaca o peso e a significância do reconhecimento dado pela Academia Mineira de Letras, compreendendo-o não como um êxito pessoal, mas sim como uma conquista que se estende a um coletivo. “Eu tenho certeza de que outras mulheres negras que olham para mim estão satisfeitas, estão alegres. Acho que a própria Academia, quando me elege, confia e espera que comigo lá dentro possa haver, não só em termos de imagem, mas de presença, uma representatividade que não é vazia, mas que se realiza na presença efetiva”, pontua.  

A expectativa da escritora é que essa presença efetiva – que se fortalece também com a participação do escritor Ailton Krenak – reverbere em outros espaços e em outras Academias Brasil afora. “Acho que a Academia Mineira de Letras está tendo um papel exemplar. Ailton Krenak e, agora, uma acadêmica que é uma mulher negra são coisas que chamam atenção. Acho que a partir disso outras Academias podem pensar e crer na possibilidade de criar essa visão de que a literatura brasileira é uma literatura diversificada, de que pensamento social brasileiro é um pensamento diversificado, que se conhece e se escreve o Brasil a partir de experiências diversificadas”, afirma.  

Compromisso com a literatura negra 

É com o olhar consciente para a importância de sua escrita e representação que Conceição Evaristo também tem se desdobrado em projetos e atividades. Além da visita a Cuba como uma das representantes brasileiras na 32ª Feira Internacional do Livro do país, a escritora mineira participou do desfile que marcou os 60 anos da Banda de Ipanema – que, inclusive, teve a autora como homenageada –, fez a abertura do curso “Realidade Brasileira”, coordenado pelo MST, esteve na Universidade de São Paulo para entregar sua cátedra a três mulheres indígenas que serão as catedráticas da instituição neste ano e, ainda, se prepara para a chegada a Minas. “As pessoas falam comigo: ‘Conceição, para a sua idade, 77, até que você produz muito. Mas eu quero produzir mais, entendeu? Acho que eu tenho um compromisso com a literatura de autoria negra, de ajudar a visibilizar essa produção”, acredita.  

O compromisso tem sido realizado com afinco. Tanto que Conceição Evaristo tem tocado o projeto da Casa da Escrevivência, um espaço montado na Pequena África, no Rio de Janeiro, que abrigará todo o acervo da escritora. “Essa é uma casa que tenho pensado em construir para deixar para as novas gerações. Um dos grandes pilares é uma biblioteca, que terá tanto material de pesquisa quanto obras que as pessoas poderão acessar, levar para casa. Mais tarde também vamos ter um projeto de digitalização desses textos”, explica. E a produção literária é constante. “Eu já tenho um romance, um livro de contos e um livro de poemas iniciados”, adianta a escritora.  

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