Por dos cabezas

Mestres do tango, Astor Piazzolla e Rufo Herrera ganham homenagem em BH

Músicos argentinos recebem tributo da Orquestra Ouro Preto com um concerto nesta quarta (12), além de um festival com música, debates e filmes sobre suas obras

Por Alex Ferreira | @alexnycman
Publicado em 12 de abril de 2023 | 05:30
 
 
 
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"Não sou muito chegado a homenagens como uma coisa merecida. Nunca fiz arte pensando nisso. Meu interesse sempre foi pelo valor que a música tem para o ser humano", confessa o relutante Rufo Herrera, bandoneonista, compositor e educador argentino que será reverenciado nesta quarta-feira (12) com uma apresentação especial da Orquestra Ouro Preto.

Intitulado “Concertango", o show abre o Festival Tributo a Piazzolla e Rufo Herrera, evento que comemora o centenário de Astor Piazzolla (1921-1992) e os 90 anos de Rufo, prestes a serem completados em agosto de 2023. A programação da festa ainda conta com palestras, debates e exibições de filmes, que vão acontecer entre os dias 24 e 26 de abril na Fundação de Educação Artística, no bairro Funcionários.

Cidadão de Belo Horizonte e de Ouro Preto desde o fim dos anos 1970, Rufo Herrera cravou seu nome no panteão da cultura nacional como o criador da companhia teatral Grupo Oficcina Multimédia, do Quinteto Tempos e da Orquestra Ouro Preto.

"Rufo é um baluarte da música brasileira e mineira. Ele fundou a OOP e as primeiras obras que tocamos na orquestras foram composições e arranjos dele. É uma honra enorme poder estar ao seu lado justamente quando ele completa 90 anos", afirma o maestro Rodrigo Toffolo, que vai reger o concerto no Centro Cultural Unimed-BH Minas, no bairro de Lourdes.

Nascido no ano de 1933 em uma família de camponeses no interior de Córdoba, na Argentina, ele conta que a paixão pela música começou muito cedo.

"Eu nasci no campo, onde não havia nenhuma escola de música ou nada parecido que pudesse me incentivar. Meu pai tocava violão e fazia improvisações do folclore argentino todas as noites depois do trabalho e antes de dormir. Aquilo me deixava encantado", recorda ele.

No entanto, Rufo revela que o momento definidor de sua carreira como músico aconteceu mesmo quando ouviu pela primeira vez o som de um bandoneón.

"Aos cinco anos escutei alguém tocar o instrumento numa festa na minha cidadezinha e me apaixonei completamente. Aquela sonoridade tomou minha imaginação. Depois não tive mais descanso até que meu irmão mais velho comprou um para mim", revive ele. 

"Ele trouxe o bandoneón e disse que eu não ia conseguir usá-lo porque era muito grande e pesado para mim. Ignorei o comentário e em pouco tempo já tocava por ouvido. De lá para cá nunca mais parei", completa.

No início dos anos 1940, o garoto mostrava tanto jeito para o instrumento que acabou virando atração em programas de talento.

"Nessa altura eu já morava na cidade grande e ouvia rádio todos os dias – o que não era possível morando no campo onde poucos vizinhos tinham um aparelho em casa. Logo depois passei a estudar com um professor de música particular, mas já tocava tudo de ouvido. Fiquei tão bom na coisa que comecei a tocar em programas infantis de música. Aquilo mudou a minha vida", confidencia.

A partir dali, o plano passou a ser virar um artista profissional.

"Quando fiz 23 anos fui embora para Buenos Aires que era a terra do bandonéon. Passei a tocar com grandes orquestras lá e aprendi muito sobre música, principalmente o que eu precisava para ser um bom instrumentista. Foi ali que me tornei um estudioso da música de Piazzolla, um verdadeiro reinventor do tango", relembra.

Porém, a situação dos músicos de tango na capital argentina não era das melhores na época, e ele precisou buscar novas oportunidades.

"A moda naquele tempo era música pop e rock. O tango tinha sido deixado de lado pelas novas gerações e estava desaparecendo de Buenos Aires. Só tinha restado o Piazzolla e seu quinteto que estavam praticamente passando fome. Eles resistiam através de muito sacrifício – a maioria das orquestras pararam de tocar porque não conseguiam sobreviver fazendo aquele tipo de música. Foi quando percebi que era a hora de sair", relata.

Vinda para o Brasil

Com uma sede por se aprofundar cada vez mais no universo musical, Rufo arrumou as malas e deixou a Argentina em 1959. Sua meta era chegar no México onde planejava cursar uma escola superior de música no país. Sendo assim, ele formou um trio musical  com alguns amigos e seguiu tocando por alguns países da América Latina.

Após passar pelo Chile, Equador, Peru, Venezuela e Bolívia, ele acabou chegando por acaso em São Paulo.

"Eu procurava por um lugar que me desse a chance de seguir estudando e sobrevivendo de música, e encontrei isso em São Paulo", comenta ele.

Inicialmente ele iria somente gravar um disco na cidade, mas acabou fascinado pelo lugar.

"Intercâmbios culturais com o Brasil eram raríssimos naqueles tempos. Não existia, por exemplo, quase nenhuma tradução de literatura brasileira na Argentina. Então, cheguei no Brasil sem conhecer quase nada do país", enfatiza.

Através de amigos que tocavam na Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, ele se estabeleceu na em SP e acabou vivendo por quase sete anos lá.

No começo dos anos 1970, Rufo foi dar aulas de composição na Universidade Federal da Bahia e ficou no Nordeste até 1976. No mesmo ano, ele veio para Minas Gerais ministrar uma oficina de arte integrada no Festival de Inverno de Ouro Preto. Depois, em 1977, formou o Grupo Oficcina Multimédia e nunca mais foi embora

Sangue argentino, coração mineiro

Radicado em Belo Horizonte desde 1978, Rufo explica que de todas as cidades em que morou no Brasil – São Paulo, Salvador e Rio de Janeiro – a capital mineira foi a única em que sentiu uma identificação imediata.

"Eu me apaixonei pela música popular daqui de Minas. Desde que cheguei fiquei impressionado, espantando com a musicalidade desse povo", valoriza ele, que se declara totalmente influenciado pela cultura mineira.

"Só estando aqui para se explicar alguém como o Milton Nascimento. Dá para entender de onde todo esse tipo de talento vem. Eu lecionei pelo interior do Estado, dei cursos no Vale do Jequitinhonha, e descobri que existem mais de dois mil temas de música mineira daquela região. Não tem como não ficar tocado com isso.  Em espírito, tenho certeza que também sou de Minas Gerais", finaliza.

Astor Piazzolla, um revolucionário do tango

O músico e compositor Astor Piazzolla é considerado o maior nome da música argentina de todos os tempos. Acompanhado de seu bandoneón – instrumento aerófono que parece uma sanfona, Piazzolla reinventou o ritmo tradicional portenho apostando sempre num diálogo mágico entre o popular e o erudito.

Nascido em Mar del Plata, no dia 11 de março de 1921, o bandeonista filho de italianos revolucionou o tango criando um novo estilo – chamado de Nuevo Tango – que absorvia elementos da música clássica e do jazz, e fazia uso de elementos singulares como dissonância, contraponto, harmonias complexas.

Na adolescência já tocava tão bem, que acabou convidado por Carlos Gardel para fazer parte de sua banda numa turnê em 1935 pela América do Sul. O pai do jovem não permitiu que ele fosse, o que acabou salvando sua vida: durante a turnê, Gardel e os membros de seu grupo morreram em um acidente aéreo.

Junto com a família, Piazzolla voltou a Mar del Plata em 1936. A partir daí, começou a tocar em conjuntos e se adentrou de vez no mundo do tango. No ano seguinte, mudou-se para Buenos Aires. Depois de integrar a orquestra de Aníbal Troilo (outro grande bandeonista da história) por alguns anos, passou, no final dos anos 1940, a seguir seu próprio caminho e a inserir elementos do jazz no tango.

Celebrado como um dos maiores músicos do século 20, Astor Piazzolla gravou 64 discos e deixou obras-primas como"Adiós Nonino", "Balada Para Un Loco", "Libertango", "Oblivion", "Milonga Del Angel" "Fuga y Misterio" e "Cuatro Estaciones Porteñas".

Serviço
O que:  Festival Tributo a Piazzolla e Rufo Herrera
Quando/onde: Apresentação “Concertango" com a Orquestra Ouro Preto acontece nesta quarta-feira (12), às 20h, no palco do Teatro do Centro Cultural Unimed-BH Minas (rua da Bahia, 2.244 – Lourdes).
Quanto: Ingressos custam R$ 10 e R$ 20 e podem ser adquiridos pela plataforma Eventim ou diretamente nas bilheterias do local

*O resto da programação do festival é gratuita e acontece nos dias 24, 25 e 26 de abril, na sede da Fundação de Educação Artística (rua Gonçalves Dias, 320 – Funcionários).
 

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