Dia histórico

Milton Nascimento veste Mineirão de canção em seu inesquecível show de despedida

Apresentação repleta de homenagens e emoção neste domingo (13) marcou o último ato de Bituca nos palcos

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 13 de novembro de 2022 | 22:05
 
 
 
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Quando o relógio cravou 19h05 deste domingo, 13 de novembro de 2022, um dia que já nasceu histórico, e os tambores ressoaram junto à figura que brilhava no palco com sua sanfona – um homem visivelmente emocionado vestido com seu manto começou a entoar os primeiros versos de “Ponta de Areia” –, fez-se mágica no Mineirão. Chorando, ele lembrou de sua amiga Gal Costa, que pegou o trem para outra estação na última quarta-feira (9). 

Seria mentira dizer que há, aqui neste estádio colossal, quase 60 mil pessoas; há muito mais, talvez dezenas de milhões, é certo dizer. A música tem dessas coisas de transformar o que quisermos em sonho e fantasia.

Portanto, no palco, não era só um Milton Nascimento. Naqueles poucos metros quadrados há Miltons: a criança que teve a sanfona como o primeiro instrumento, o Bituca e seu sorriso de menino em Três Pontas, o artista que reuniu Lô, Fernando, Beto, Toninho, Ronaldo, Wagner, Márcio e outros para gravarem um disco tão revolucionário quanto essencial e fazer, assim, uma esquina de Belo Horizonte ganhar o mundo. Há, sobretudo, o homem que usou a canção para buscar o caminho que vai dar no sol. 

Milton Nascimento se despediu dos palcos, mas não da música, como o próprio Bituca afirma, em BH, berço do Clube da Esquina e cidade onde viveu parte de sua juventude. "Eu só quero agradecer a todos vocês por tornarem minha vida tão linda", disse, para depois cantar "Amor de Índio" acompanhado pelo público. 

Lô Borges, Wagner Tiso, Toninho Horta e Beto Guedes subiram ao palco para cantar junto ao velho amigo. "Para Lennon e McCartney", para todos nós, para Minas Gerais. "Um Girassol da Cor do Seu Cabelo" e "Tudo o Que Você Podia Ser" vieram na sequência.  

Boa parte do repertório do show abarcou a produção de Milton entre o fim dos anos 1960 e o início dos anos 1980, quando ele lançou discos fundamentais da música popular brasileira, como “Travessia”, de 1967, onde tudo começa, o indispensável “Clube da Esquina”, com o parceiro Lô Borges e uma turma extraordinária de músicos, letristas e poetas, “Milagre dos Peixes”, de 1973, de onde sai a música que dá nome à turnê “A Última Sessão de Música”, “Minas” (1975), cuja capa deveria ser proclamada a outra bandeira de Minas Gerais, “Geraes” (1976) e “Caçador de Mim”, de 1981, que traz a faixa-título e a poesia de “Nos Bailes da Vida”. 

Vestido com figurinos inspirados no artista plástico sergipano Arthur Bispo do Rosário e seu manto da anunciação para prestar conta a Deus no dia do juízo final, nas montanhas de Minas e nas veredas de Guimarães Rosa, criados pelo estilista Ronaldo Fraga, que também está aqui neste Mineirão vendo a história acontecer diante de seus olhos, Milton emocionou a todos, e eram muitos, de tantas gerações, de tantos lugares deste Brasil.

“Fé Cega Faca Amolada", "Paula e Bebeto” e " Bola de Meia, Bola de Gude" (salve Fernando Brant!) colocaram a turma para dançar e "Volver a Los 17" trouxe a latinidade que sempre habitou em Milton, que depois convidou Samuel Rosa e os dois, com o sol na cabeça, embarcaram no "Trem Azul" ao som do coro do Mineirão.

A cidade de Jequitibá me veio num sopro de vento quando Milton cantou "Cálix Bento/Peixinhos do Mar/Cuitelinho”. "Como guardo cada um de vocês no peito, dedico essa música a todos vocês", disse a Bituca antes de começar "Canção da América". Bituca foi aos prantos em diversos trechos do show. E o público chorou junto em "Caçador de Mim", "Nos Bailes da Vida" e tantas outras.

Com "Maria Maria" Milton nos ensina a ter essa estranha mania de ter fé na vida. E aí veio "Coração de Estudante" para me fazer lembrar de meu pai cantando essa canção no apartamento 301 da rua Campinas 510. Não teve jeito, hoje eu tenho que chorar.

"Travessia" e "Encontros e Despedidas" foram as últimas deste show arrebatador de quase 2h30. Bituca ainda teve tempo de dizer "Viva a democracia!" e "Fernando Brant, onde você estiver, eu te amo!" antes de encerrar "A Última Sessão de Música", oportuno nome da turnê internacional que passou por Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco, Estados Unidos, Itália, Espanha, Portugal e Inglaterra antes de desembarcar na capital mineira.

Quando o som cessou e as cortinas do palco se fecharam, ficaram as estrelas a iluminar o céu belo-horizontino e a certeza de que a caminhada nos últimos 60 anos foi mais bonita e menos árdua tendo como companhia a música e a voz de Milton Nascimento.

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