Música

Moraes Moreira é homenageado em álbum de frevo com Criolo, Céu e Maria Rita

Discografia completa do compositor dos Novos Baianos também foi disponibilizada nas plataformas digitais

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 13 de janeiro de 2024 | 06:30
 
 
 
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A viagem de barca para conhecer o pai de sua companheira, em Niterói, havia corrido bem, e, agora, eles retornavam com um gosto de triunfo na boca para o apartamento em Botafogo, no Rio de Janeiro, onde viveriam juntos numa espécie de comunidade hippie, quando o improvável aconteceu. O misto de alívio e empolgação cedeu espaço à incredulidade. Arrependida, a jovem voltava para o ex-namorado antes mesmo de desfazer as malas.

Vivida na pele, foi essa história de desalento e frustração que levou Luiz Galvão a escrever a letra de “Preta Pretinha”, comparada por Augusto de Campos a um poema de Oswald de Andrade, e o maior sucesso de “Acabou Chorare”, LP dos Novos Baianos lançado em 1972, eleito pela revista Rolling Stone o melhor álbum da música brasileira, ao lado de “Clube da Esquina”, de Milton Nascimento e Lô Borges. 

Coube a Moraes Moreira compor a melodia que eternizou os versos “eu ia lhe chamar/enquanto corria a barca…”, com tamanha simplicidade que a canção se inscreveu no repertório obrigatório de quem deseja aprender violão. Esse clássico da MPB ganhou uma versão interpretada por Criolo, como parte do lançamento “Moraes É Frevo”, que chega às plataformas digitais nesta segunda (15), e que agrega regravações de Céu para “Sintonia” em ritmo de marcha-lenta; “Festa do Interior” na voz de Maria Rita; “Pernambuco Meu”, com Lenine; além de Otto, Agnes Nunes, Moreno Veloso, etc, totalizando nove faixas. 

Ligação umbilical 

Os arranjos de sopro ficaram a cargo de um quarteto de maestros experientes: Spok, Duda, Nilson Amarante e Henrique Albino. A ideia surgiu durante a turnê “Portas”, de Marisa Monte, numa conversa entre Davi Moraes e Pupillo, integrantes da banda da cantora, e que produzem essa homenagem a Moraes, morto em 2020, aos 72 anos, após sofrer um infarto enquanto dormia. “Desde os Novos Baianos, meu pai tinha essa pegada de querer fazer coisas de Carnaval”, pontua Davi.

Com influência do frevo pernambucano, o histórico trio elétrico de Dodô e Osmar inventou a guitarra baiana que ajudou a arrastar uma multidão pelas ruas de Salvador em cima de um carro Ford, ainda nos anos 1950. Essa confluência entre o Estado natal de seu progenitor e aquele que originou o frevo interessava a Davi, assim como a mistura de composições já clássicas à sonoridade contemporânea. 

Até 1975, quando Moraes inaugurou a função de vocalista, os trios elétricos eram apenas instrumentais. No mesmo ano, ele compôs a letra que garantiu o primeiro sucesso de sua carreira-solo, para o frevo “Pombo-correio”, alçado à trilha da novela “Sem Lenço, Sem Documento”, da Rede Globo, em 1977. Atração do Rock in Rio de 1985, Moraes representou o gênero centenário, declarado Patrimônio Imaterial da Humanidade pela Unesco em 2012.

Acervo na íntegra 

“Ele pegou muito aquela dicção acelerada do frevo, tinha facilidade de compor dessa maneira”, assinala Davi, que ressalta o caldeirão de referências do pai. “Ele passeava por praticamente todos os estilos, o chorinho também era muito forte lá em casa. A gente ouvia Waldir Azevedo, Jacob do Bandolim, Pixinguinha. Aprendi a tocar cavaquinho com o Jorginho Gomes, irmão de Pepeu”.

Essa não é a única novidade em torno da obra de Moraes. Na última semana, a discografia completa do músico foi finalmente disponibilizada online. “Meu pai tinha a cabeça muito voltada para o futuro, só pensava em disco novo, era um compositor compulsivo, fazia música todo dia”, conta Davi, que, certa vez, ao interpelar o patriarca sobre a necessidade de digitalizar esse rico acervo, com mais de 1.300 fonogramas gravados, ouviu: “Isso já está feito, vamos para o próximo”.

Agora, os oito álbuns faltantes estão ao alcance de um clique, entre coletâneas e títulos memoráveis, especialmente de 1981 em diante, como “Coisa Acesa”, “Pintando o Oito”, “Baiano Fala Cantando” e “República da Música”. A iniciativa foi levada adiante ao lado da irmã, Cecília, num esforço para que as novas gerações tenham acesso a esse material fundamental na história da música brasileira. A saga compreende ainda a atualização das redes sociais do artista e um projeto no YouTube para rememorar casos e receber amigos que conviveram com Moraes.

Entre os LPs recuperados, Davi destaca “Méstiço É Isso”, de 1986, que traz o mega-hit “Sintonia”, participações especiais de Caetano Veloso, Gilberto Gil e Luiz Caldas, e uma parceria com Paulo Leminski; e “Mancha de Dendê Não Sai”, de 1984, que intitula a exposição com instalações interativas, objetos preciosos e imagens raras em tributo ao compositor, responsável por receber quase 30 mil pessoas em Salvador, atualmente em cartaz no Rio.

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