Show do Pearl Jam

Pearl Jam não esquece Mariana e pede: 'que sejam duramente punidos'

Na metade do show, o frontman do Pearl Jam foi incisivo em um português dificultoso, embora o recado para as empresas Samarco/Vale/BHP tenha sido direto

Por Lucas Simões
Publicado em 20 de novembro de 2015 | 22:06
 
 
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Se fosse só pelo rock, daria para reunir ingredientes suficientes para entender porque o Pearl Jam faz um digno e raro show do gênero. Basta olhar Eddie Vedder suado e exausto, mas ainda assim com o timbre intacto – mesmo na rouquidão –, descendo diversas vezes até a plateia – não só para apertar mãos, e, sim, para levar o microfone à boca dos fãs, bater no peito, tentar compreender um berro ou outro das pessoas esticadas na ponta do palco, sentir de volta os nirvanas que ele propicia, tentando deixar alguma coisa sua ali. Ou então reparar o guitarrista Mike McCready tomar a frente de jam sessions de seis, sete minutos, bebendo de Van Halen a Jimi Hendrix nos lampejos improvisados, enquanto dá voltinhas no palco e brinca de pular obstáculos, até resolver descer à primeira fileira do público para, no meio de um solo, assinar um LP.

Não é estrelismo ou megalomania. Os garotos de Seattle parecem ignorar as linhas tênues entre fama, talento, showbussiness, estádios de futebol lotados e o que realmente querem fazer. Dão a impressão de passar voando por essas relações impostas a gingantes da música e miram apenas quem canta junto com eles – “fuck, fuck, fuck”, Eddie Vedder repetiu entre sorrisos irônicos sua retórica às “energias ruins”,segundo ele. Um resumo para entender como o Pearl Jam transforma canções, arranjos e discos, em um pano de fundo para o ato político e social particular que eles levam a cada show que fazem há 25 anos. E que agora está marcado em Belo Horizonte, com a primeira visita do Pearl Jam na cidade, indo muito além de um setlist impecável.

Entre o ritual de virar um gole e outro de vinho, Eddie Vedder se esforçou muito para falar português –não tão sóbrio, mas muito lúcido em várias oportunidades. E acendeu uma lâmpada na cabeça de 42 mil pessoas não só ao direcionar palavras cortantes para as mineradoras Samarco/Vale/BHP, cobrando das empresas a responsabilidade pelo crime que causou a morte do Rio Doce. “É duro quando grandes empresas usam e abusam de terras apenas para lucrar sem nenhum respeito pelo meio ambiente. Acidentes tiram vidas, destroem rios e, ainda assim, eles conseguem lucrar. Esperamos que eles sejam punidos, duramente punidos e cada vez mais punidos para que nunca esqueçam o triste desastre causado por eles”, disse o vocalista, que também anunciou a criação de um fundo a ser doado às vítimas da tragédia em Mariana, encabeçado pelo Pearl Jam – parte da renda do show na capital mineira, inclusive, vai integrar o montante de doações.

E tocou em outra ferida aberta ao pedir para o público acender os celulares em “Imagine”,de John Lennon, interpretada em homenagem às vítimas de Paris. Foi além e fez uma inserção inédita na turnê brasileira: cantou “Want So Hard (Bad Boys News”), do Eagles Of Death Metal, banda que se apresentava na casa de shows Bataclan no momento do atentado na capital francesa.

Apesar de divulgar o set list minutos antes do show pelo Instagram da banda, o Pearl Jam parece fazer disso mero detalhe para o que vem por aí. Mesmo debaixo de uma garoa que cessou logo nas primeiras músicas, Vedder teve gogó para abrir com “Rain”, dos Beatles, e seguiu com um vocal alto e impecável do início ao fim, em exatas 2h47 de apresentação. Esteve à frente de 36 canções, várias alongadas por improvisos catárticos. Em "Porch", ele desceu para berrar junto aos fãs uma letra escrita em 1991 em defesa do aborto. Aos 50 anos, pulou como um moleque, jogou o microfone no meio do público para qualquer um pegar e foi falar de liberdade de olhos fechados com “Given To Fly”, cantada nos braços de gente muito enlouquecida – carregando cartazes, blusas, presentes e pedidos desesperados, como a mensagem “Play ‘Garden’,please”, estampada em uma camiseta. A canção pouco celebrada do clássico “Ten” foi incluída no repertório. E fez coro uníssono.

Abarcado de clássicos certeiros, o Pearl Jam trouxe surpresa até no previsível. “Jeremy”, “Even Flow”,“Alive” e “Once” foram coroadas por “I’ Am Mine” – pouco reverberada nos shows da banda – e pela linda “Black”, formando um conjunto que caminha fora da margem de hits. É que hoje em dia, em um quarto de século de história, os hits do Pearl Jam soam mais como canções de viagem, momentos fotográficos guardados apenas na cabeça – do que propriamente como sucessos radiofônicos exaustivos.

E o clima quente do set deu margem para Eddie Vedder reverberar também as canções menos iluminadas do Pearl Jam, como “Bee Girl” e “Yellow Ledbetter”, ambas reunidas no disco de compilações “Lost Dogs” (2003), com sobras não incluídas em outros álbuns. Nas canjas mais encorpadas, acima de covers, o Pearl Jam consegue homenagear e dar voz a discursos congruentes com a banda, como acontece com as interpretações da bela “Rockin In The Free World”, de Neil Young, ou a psicodelia de “Confortably Numb”, do Pink Floyd, completada por outra pedrada, “Euruption”,de Van Halen. Em momento solo, o guitarrista McCready ainda brincou com a melodia inspirada de “Litte Wing”, incluindo Jimi Hendrix na roda.

Se performaticamente o Pearl Jam faz Rock com inicial maiúscula, os megashows internacionais em solo brasileiro ainda batem nos mesmos abusos. Só em um resumo óbvio, as latinhas de cerveja, de 350 ml, foram vendidas a R$ 10 cada e chegaram a ser compradas mesmo quentes. Em nota pessoal, fico com o otimismo do Daniel Oliveira, que me acompanhou ao primeiro show do Pearl Jam na capital mineira. “O brasileiro é maravilhoso”. Por que só aqui um vendedor ambulante fora do estádio, claro, oferece capas de chuva a R$ 5 e um comprimido de Benegrip junto.

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