Dono de uma trajetória permeada por marcos emblemáticos – como o de já ter recebido o Prêmio Internacional Hans Christian Andersen, na categoria ilustrador, ou, por duas vezes, o Prêmio Jabuti, para citar alguns feitos –, o escritor, dramaturgo e ilustrador brasiliense Roger Mello é, ao lado da mineira Paula Pimenta, um dos homenageados da segunda edição da Feira Literária de Tiradentes – a Fliti, evento que terá início no próximo dia 14, naquela cidade histórica. 
Em entrevista ao Magazine, Mello fez questão de registrar o apreço pela região na qual a Fliti fincou raízes. “Sou um admirador não só de Tiradentes, como de São João del-Rei; considero duas cidades maravilhosas”, diz, tecendo loas também ao evento em si e, particularmente, a atrações como o Ônibus-Biblioteca, iniciativa que realiza “visitas literárias” e, ao mesmo tempo, funciona como um espaço de leitura e empréstimos gratuitos de livros para os alunos da rede pública de ensino e para os moradores da região. “Acho uma iniciativa fantástica por respeitar o leitor como um público que faz a escolha voluntária de um livro, tendo acesso a todo um panorama da produção literária”, diz. 

Para Roger Mello, essa segunda edição do evento coloca ênfase na imagem narrativa, “seja ela design ou ilustração, assim como o texto verbal, fundadores e constituintes do livro desde o início”. “Tudo isso faz com que eu fique extremamente emocionado com essa distinção que, na verdade, tomo para mim como uma homenagem a todos os ilustradores e ilustradoras, escritores e escritoras”, afirma. 

Em sua participação na Feira Literária de Tiradentes, Roger Mello vai abordar, em particular, seu mais recente livro, “Enreduana” (Companhia das Letras, 2018). “É uma parceria minha com a Mariana Massarani, uma excelente ilustradora, uma pesquisadora da imagem. Pensamos a obra como um todo, como um objeto uno, tentando chegar a uma simbiose entre palavra e imagem de uma maneira que elas não pudessem mais ser separadas”. Enreduana foi uma poetisa e filósofa que nasceu em 2.300 a.C. e é considerada a primeira escritora do mundo, tendo registrado seus textos em placas de argila. “Foi também a primeira filósofa da história, a primeira pessoa a professar a filosofia, a primeira mulher com comprovação documental – porque o que escreveu acabou sobrevivendo, embora, infelizmente, o nome dela não conste, como deveria, das páginas da filosofia e da literatura”, lamenta. Vale dizer que, em Medellín, onde esteve recentemente participando da Festa do Livro e da Cultura daquela cidade colombiana, Roger Mello lançou a versão em espanhol da publicação. 

Projetos 
O escritor e ilustrador, que em novembro completa 56 anos de vida, já firmou seu traço em mais de cem livros e, no momento, se debruça sobre três projetos. O primeiro é o livro “Espinho de Arraia”, que lhe consumiu oito anos e que está prestes a ser lançado pela editora Global. “É um livro sobre a Amazônia, com oito meninos ribeirinhos e as águas do Amazonas como essa sopa de ficção em que animais, plantas, poesia e natureza se mesclam”, revela. Também pela Global, ele lança, em breve, um romance. “Um livro sobre a Segunda Guerra Mundial, com uma história que envolve a minha mãe. Aliás, pela primeira vez vou ter uma personagem que é alguém, assim, tão próximo a mim. O conflito começa no Brasil a partir de ofensivas navais no Estado de Sergipe. A princípio, o nome vai ser o desse submarino, U 507”, conta. 

O terceiro projeto é o livro “Atotô”, palavra de origem Yorubá que significa “silêncio” (diante da divina presença de Obaluaê). “É uma palavra importante para as religiões de matriz africana no Brasil. E é um livro com muitas ilustrações, poético, e que tem a ver com o absurdo que é o desmonte, a destruição de templos, lugares e objetos sagrados das religiões de matriz africana em nosso país. Infelizmente, isso vem acontecendo cada vez mais, e, muitas vezes, as autoridades nada fazem. É um absurdo. O Brasil deveria ser um país laico, no entanto, ainda existem religiões perseguidas. E a matriz africana sempre inspirou, é elemento constituinte da arte brasileira. Quis tentar devolver esse elemento que sempre foi tão importante para todo um país”, pontua. 

Em tempo: o escritor fez questão de ressaltar que, mesmo diante da saudade do contato com o público, cumpriu rigorosamente o isolamento social no ano passado. “Viajei para a Colômbia (para o evento literário em Medellín) agora, por ter sido vacinado com as duas doses e tendo feito o PCR, e, claro, com todos os cuidados, álcool em gel, máscara. Voltando, fiz novamente o PCR e cumpri as exigências do governo brasileiro. A pandemia não acabou. Então, é seguir a ciência e se guiar pelo amor ao próximo”, prega.