Reconhecimento

Premiados no Festival de Gramado, filmes refletem a riqueza do cinema de Minas

'Marte Um', que estreia nesta quinta-feira (25), conquistou quatro Kikitos, enquanto o curta-metragem 'Serrão' levou o prêmio especial do júri

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 22 de agosto de 2022 | 15:55
 
 
 
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O cinema de Minas Gerais fez bonito na 50ª edição do Festival de Gramado, encerrado na noite de sábado (20). No tradicional encontro da produção audiovisual contemporânea no país, o filme “Marte Um”, do diretor e roteirista Gabriel Martins, da Filmes de Plástico, levou quatro Kikitos: prêmio especial do júri, melhor roteiro, melhor trilha musical, assinada por Daniel Simitan, e melhor longa segundo o voto popular. Entre os curtas-metragens, “Serrão”, de Marcelo Lin, levou o prêmio especial do júri.

“Marte Um” estreia no circuito nacional nesta quinta-feira (25), com direito a sessões comentadas pelo diretor em Belo Horizonte e Contagem, onde haverá pré-estreia na quarta-feira (detalhes no fim da matéria). A sessão do longa mineiro no festival da serra gaúcha terminou sob aplausos do público. Para o Martins, o filme, além de ressaltar o cinema num lugar de sonho e imaginação, fala de um sentimento raro nesses tempos atuais, e também por isso tenha caído no gosto da plateia e dos jurados do evento.

“Há uma esperança muito forte, mesmo diante de tanta coisa ruim na nossa sociedade. A gente acorda e já fica com raiva das notícias, mas o filme fala do poder de superação do ser humano de uma forma muito forte”, pondera Gabriel Martins. “O filme teve uma recepção maravilhosa, as pessoas criaram uma relação muito afetiva e emocionada com o filme. Ter vencido como melhor filme pelo voto do júri popular, de alguma forma, coroa essa experiência por lá”, acrescenta o diretor.

Filmado em BH e Contagem, “Marte Um” acompanha a rotina da família Martins na cidade da região metropolitana da capital mineira. Filho mais novo do porteiro Wellington (Carlos Francisco) e da diarista Tércia (Rejane Faria), Deivinho, interpretado pelo garoto Cícero Lucas, sonha, em segredo, ser astrofísico e participar de uma missão que irá colonizar Marte em 2030.

Morando na periferia de Contagem, não há muitas chances para isso, mas mesmo assim ele não desiste, passando horas assistindo vídeos e palestras sobre astronomia na internet. Ao mesmo tempo em que fantasia sobre a viagem interplanetária, o menino tenta agradar o pai, cujo desejo é ver o caçula vestir a camisa do Cruzeiro como jogador profissional.

Eunice, personagem de Camilla Damião, filha mais velha de Wellington e Tércia, se apaixona por uma jovem e quer sair de casa. Negra e periférica, a família também é atravessada pelas tensões dos últimos meses de 2018, ocasionadas pela chegada de um presidente de extrema-direita ao poder.

Outro mineiro premiado, “Serrão” (2021), da Abdução Filmes, voltou para o Aglomerado da Serra com seu Kikito na mochila. O diretor Marcelo Lin conta que foi para o Sul do país na expectativa de ganhar o troféu por acreditar que seu filme apresenta uma característica que chamaria a atenção do júri. “É a estranheza, porque tem uma humanidade interessante ali. Quando falamos de favela, de jovens egressos do sistema prisional, a gente espera uma coisa ligada à violência, à droga, ao crime, mas tentei desconstruir isso tentando levantar o estranho que é o personagem em busca de um olho”, diz Lin.

Com referências ao clássico “Um Cão Andaluz” (1928), parceria de Luis Buñuel e Salvador Dalí, e a produções mais recentes, como “Coringa” e “Matrix”, “Serrão” conta a história de Ice Band, vivido pelo ator de mesmo nome. Ice é um homem que volta para a favela após um período na cadeira e quer mudar de vida, mas, quando tudo parece que vai entrar nos trilhos, ele perde um olho.

Para Marcelo Lin, o curta também fala de pertencimento, de construção de identidade e da importância de se ter um lugar para onde voltar. “Uma coisa importante no ‘Serrão’ tem a ver com a construção da nossa comunidade, com as nossas casas e várias gerações lutando por moradia”, diz o cineasta, morador da Aglomerado da Serra, apelidado de Serrão pelas pessoas que ali vivem.

Valorização. O cinema mineiro vem marcando presença nos festivais do cinema brasileiro com prêmios e menções honrosas. Nos últimos anos, as produções realizadas por nomes de uma geração que vem se destacando da década de 2010 para cá têm alcançado prestígio com crítica e público. Receber cinco Kikitos na 50ª edição do Festival de Gramado é bastante simbólico. “O cinema de Minas é muito forte há alguns anos e essa presença em Gramado, um festival de tanta notoriedade, é muito importante. Ser visto e valorizado é o que o cinema mineiro merece”, observa Gabriel Martins.

Ao serem reconhecidos em Gramado, “Marte Um” e “Serrão”, filmes com identidades e propostas próprias, acabam mostrando a diversidade do cinema mineiro e a forte ligação da produção audiovisual do Estado com a cultura urbana presente nas nossas cidades. “Temos perspectivas estéticas muito diferentes e diversas. Temos vontade de elogiar as complexidades da nossa terra, as riquezas culturais dos nossos personagens. Gramado reconhece ‘Marte Um’, mas isso não significa que temos uma forma de fazer. Minas é muito plural e fico muito feliz que tenhamos essa paisagem”, celebra Martins.

A Filmes de Plástico, produtora formada por ele, pelos diretores André Novais Oliveira, Maurílio Martins e pelo produtor Thiago Macêdo Correia, já lançou os elogiados “Contagem”, “Ela Volta na Quinta”, “Temporada” e “No Coração do Mundo”. Os longas retratam os dramas, os conflitos existenciais e o cotidiano de personagens da periferia de BH e região metropolitana.

Marcelo Lin também fala em filmes que refletem camadas humanas diversas e são identificados com seus lugares de origem como características do cinema de Minas. O diretor usa o cenário do Aglomerado da Serra como locação de suas produções, mas também aproveita os talentos da favela em todas as etapas que envolvem seus filmes.

“O ‘Serrão’ é um lugar muito rico em cultura, tem uma juventude muito voltada para as artes e eu quis mostrar essa possibilidade. Filmo com amigos, na rua, levando o cinema para a realidade das pessoas. É um Kikito para o ‘Serrão’, para a comunidade”, pontua o realizador.

No dia 30 deste mês, ele fará a pré-estreia de seu novo filme, “Vidas do Rosário”, sobre a Comunidade dos Arturos, em Contagem. “Um filme de ficção com histórias do movimento negro de Minas”, explica Lin. Em 2023, a obra entra no circuito nacional.

Sessões comentadas de “Marte Um”

“Marte Um” terá pré-estreia e sessão especial com a presença do diretor Gabriel Martins e elenco nesta quarta-feira (24), em Contagem, às 20h50 no Cineart Contagem. No dia seguinte, em Belo Horizonte, o mesmo formato será realizado no Una Cine Belas Artes, às 20h. “Marte Um” teve estreia mundial no Festival de Sundance, em janeiro passado, e sua primeira sessão no Brasil aconteceu na última quarta (17), na sessão da Mostra Competitiva do Festival de Gramado.

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