Fenômeno

Produção de séries brasileiras revela onda de 'true crimes' nas plataformas

Gênero vive ascensão no audiovisual brasileiro e no streaming com vários lançamentos nos últimos meses

Por Bruno Mateus | @eubrunomateus
Publicado em 25 de julho de 2022 | 05:14
 
 
 
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Não é lá uma novidade o interesse das pessoas por crimes reais. O desejo pelo mórbido, pelo lado escuro da mente humana, sempre habitou a nossa psiquê. Na literatura e no cinema, por exemplo, romances e filmes policiais, de terror ou suspense, inspirados em acontecimentos verídicos, em oposição às obras ficcionais, alcançaram grandes públicos ao longo das últimas décadas.

No entanto, pode-se dizer que vivemos um novo fenômeno na cultura pop brasileira. Com a popularização do streaming, produções que centram suas narrativas no gênero “true crime” têm cada vez mais despertado a atenção de diretores, roteiristas e telespectadores.

Basta acessar o cardápio de plataformas como Netflix, HBO Max, Globoplay e Amazon Prime Video para perceber como as séries documentais sobre crimes reais estão em alta. Apenas nos últimos meses, foram lançadas “Pacto Brutal: O Assassinato de Daniella Perez”, que chegou ao HBO Max na última quinta-feira, “PCC: Poder Secreto”, “Elize Matsunaga – Era Uma Vez um Crime”, “O Caso Celso Daniel” e “3 Tonelada$: Assalto ao Banco Central”. Se ampliarmos o recorte temporal, a lista cresce. A profusão das séries “true crime” mostra a ascensão do gênero no Brasil.

“Essa curiosidade, de certo modo, foi potencializada. Agora temos mais plataformas, podcasts, documentários, séries, possibilidades maiores de produção de um gênero que sempre teve o público dele. É uma produção para atender uma demanda que sempre existiu, mas que agora é ascendente”, pondera Viviane Loyola, professora do curso de comunicação da Universidade Fumec, mestre em sociologia pela UFMG.

Mente criminosa

Se atende a uma lógica mercadológica, a abundância dessas produções revela, por outro lado, a vontade de realizadores audiovisuais de mergulharem em histórias relevantes que descortinam tanto a personalidade de um criminoso quanto diferentes aspectos da sociedade.

“Olhamos para o passado de uma maneira madura, crítica. Na série, a gente critica o machismo da sociedade, a eterna culpabilização da vítima e como esse crime hediondo, brutal, foi simplificado como um possível ‘crime passional’, quando o termo correto é ‘feminicídio’”, diz Tatiana Issa, que assina a direção de “Pacto Brutal” ao lado de Guto Barra. “Criticamos também a forma sensacionalista e leviana como a imprensa tratou esse crime”, continua a cineasta.

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“Vivemos em uma sociedade muito violenta. Se você olha para ‘O Caso Evandro’ ou ‘A Casa da Mulher Abandonada’, não é só sobre aquelas pessoas, é um pouco sobre o país também. Por meio do ‘true crime’, eu consigo entender também um pouco mais de uma sociedade”, acrescenta Viviane Loyola.

Para o cineasta mineiro Joel Zito Araújo, diretor de “PCC: Poder Secreto”, as séries documentais sobre “true crimes” dão um passo a mais, tentam investigar e trazer novos relatos sobre as histórias, o que acaba impactando o público com outras possibilidades de contar episódios já conhecidos: “Não é imaginação, mas poder de narração, e isso acaba suprindo a curiosidade do espectador, que gosta muito dessas produções e o sucesso delas está aí para comprovar”.

A série de Araújo detalha a criação, a ascensão e a expansão do Primeiro Comando da Capital, a organização criminosa mais poderosa do país. O diretor optou por contar a história da facção não só do ponto de vista das autoridades do Estado, mas também dos ex-integrantes do PCC. Trazer o relato de quem vivenciou o grupo foi o diferencial, segundo ele, para reafirmar no documentário o compromisso de uma narrativa equilibrada.

Desafios

Evitar a banalização e a espetacularização da violência ou do crime e manter a saudável distância do sensacionalismo são alguns dos desafios dessas produções. Joel Zito Araújo destaca que as séries, quando bem-feitas, conseguem o aprofundamento nas histórias que o jornalismo factual não alcança. A ascensão do “true crime” nas plataformas de streaming também reforça a importância da reportagem, da apuração minuciosa e do jornalismo investigativo. 

“Minha sensação é que o público não está a fim disso (sensacionalismo). O que ele quer é algo que se aproxima da natureza humana real. Estamos cansados do jornalismo justiceiro, com moralismo hipócrita”, pontua o diretor mineiro.

“Cuidado” foi palavra-chave do primeiro ao último minuto de “Pacto Brutal”, como Tatiana Issa ressalta: “Fizemos questão de nos mantermos dentro dos autos do processo para ter essa história fielmente contada da maneira que ela merece, e não em versões ou inverdades. Isso é importante que fique claro: não abrimos debates, dúvidas, possibilidades para novas versões”.

No Brasil, a ficção e a comédia ainda são gêneros difíceis de serem batidos no ranking dos mais populares. A cineasta, porém, acredita que o “boom” das produções sobre crimes reais tende a ser algo duradouro. “O ‘true crime’ vai ganhar ainda mais forma e vai permanecer. É importante que ele esteja nos podcasts, nos longas, nos canais abertos e fechados, mas que seja feito com cuidado e embasado na informação. Só espero que não aconteça o risco de começarem a ficcionalizar cada vez mais as séries e perderem o embasamento na informação”, conclui Tatiana.

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