Realizado desde 2017, o Circuito Urbano de Arte (Cura) chega à sua quinta edição como “uma possibilidade de respiro e de necessária resistência em um período tão duro”. É o que garante Juliana Flores, uma das idealizadoras e produtoras da iniciativa que, por meio de intervenções artísticas nas fachadas cegas de prédios do centro de Belo Horizonte, vem criando na cidade o primeiro mirante de street art do mundo. 

Desta vez, a partir de amanhã, as empenas de quatro edifícios da região central de BH vão receber intervenções artísticas. A expectativa é que as obras fiquem prontas no dia 4 de outubro, quando essas estruturas vão integrar o conjunto de 18 grandes murais que poderão ser vistos da rua Sapucaí, no bairro Floresta. 

Mais novidades estão previstas para esta etapa do circuito, como a entrega de duas instalações artísticas. De alguma maneira, a proposta pode ser lida como uma forma de compensação: “Por não conseguir criar o festival na rua (por conta da pandemia da Covid-19, que impede a realização de eventos que provoquem aglomeração de pessoas), decidimos entregar mais obras para a cidade”, explica Juliana. 

Uma das instalações poderá ser vista a partir de amanhã nos arcos do icônico viaduto Santa Tereza. A escultura inflável, concebida pelo artista Jaider Esbell (Normandia/RR), poderá ser vista por um mês. Já no prédio número 842, na avenida do Contorno, que sediava a antiga Escola de Engenharia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), serão instaladas bandeiras produzidas pelos artistas Denilson Baniwa (Bercelos/AM), Randolpho Lamonier (Contagem/MG), Célia Xakriabá (São João das Missões/MG), Ventura Profana (Salvador/BA) e Cólera e Alegria (Brasil). As duas obras poderão ser vistas do mirante na rua Sapucaí. 

O Cura, diga-se, já vinha se construindo por meio de ações inéditas neste ano, quando, pela primeira vez, foi aberta uma convocatória para a seleção pública de artistas de todo o país entrarem na disputa para pintar uma fachada cega de um edifício no centro da capital mineira. O vencedor foi Diego Mouro (São Bernardo do Campo/SP). Além dele, são convidados da quinta edição do circuito os muralistas Lídia Viber (Belo Horizonte/MG), Robinho Santana (Diadema/SP) e Daiara Tukano (São Paulo/SP). Os artistas farão intervenções nos edifícios Almeida, Cartacho, Itamaraty e Levy respectivamente. 

Atuação online 

Neste ano, debates e aulões virtuais entram na programação do evento a partir do dia 28, substituindo o tradicional festival que ocupa a rua Sapucaí nos dias em que os painéis vão ganhando forma. Entre os convidados estão: Preta Rara, rapper e arte-educadora ligada ao movimento do feminismo negro no Brasil, que ministra um aulão no dia 30, às 19h30, e Ailton Krenak, uma das maiores lideranças do movimento dos povos indígenas no país, que encerra a maratona de atividades no dia 2 de outubro com a palestra “A vida não é útil”. 

Outro braço digital da iniciativa é a Galeria de Arte Cura, que vai funcionar, durante os 13 dias do festival, no site www.cura.art. No total, 30 artistas brasileiros terão obras expostas e disponíveis para a compra, entre eles nomes conhecidos do circuito, como Thiago Mazza e Davi DMS, que participaram do projeto em 2017, Criola, em 2018, e Luna Bastos, que atuou na última edição. 

Juliana Flores lamenta a perda dos encontros presenciais que o festival possibilitava e que ela classifica como “parte importantíssima de nossa história”. “A gente sempre fez questão de estimular as pessoas a usarem o espaço de contemplação e de convivência. Mas, neste ano, recomendamos que o público acompanhe a tudo por meio de nossas redes sociais. E as obras, afinal, vão ficar para a cidade”, comenta. “Passando na rua, aprecie, mas sem aglomerar”, sugere ela. 

Apreensão 

Quem já ouviu Juliana Flores, Janaína Macruz e Priscila Amoni, nomes por trás do circuito, falarem sobre a organização do Cura sabe: cada nova edição começa a ser gestada no último dia da anterior. Logo, quando começaram a imaginar como o festival aconteceria em 2020, nem sequer poderiam imaginar que uma pandemia alteraria as dinâmicas sociais, individuais e coletivas. 

“Quando a Covid-19 chegou mesmo, em março, a gente já vínhamos negociando com alguns edifícios para ter autorização em relação à pintura dos murais. Além disso, já havíamos convidado a artista e pesquisadora Arissana Pataxó, de Coroa Vermelha, Cabrália, e a artista e diretora de arte Domitila de Paulo, de BH, para formar a comissão curatorial conosco”, detalha Juliana. 

De início, pensaram até mesmo em cancelar o evento. “Apesar de esse espaço de reunião e de contemplação ser uma frente muito importante para nós, as obras que propomos são possíveis de serem realizadas apesar da pandemia. Além disso, entendemos que esta é uma edição necessária, é um respiro em um período tão duro”, observa. Ela lembra que o coronavírus impactou a economia da cultura frontalmente. “É fundamental fortalecer arte e cultura nesse momento”, conclui. 

Juliana ainda lembra que toda a produção tem sido feita por meio de ferramentas virtuais e que a pintura dos murais obedecerá a todos os protocolos de segurança preconizados por autoridades sanitárias. Ela reconhece que o impedimento de encontros presenciais implicou em dificuldades. “Em relação aos prédios, por exemplo, a gente precisou se desdobrar. Essa negociação é mais fácil quando podemos levar, pessoalmente, a proposta e dialogar com os moradores. Muitos edifícios não conseguiam reunir condôminos para expor o projeto e ter aprovação”, explica, detalhando que os quatro selecionados para este ano já vinham sendo relacionados desde 2019.