Artes cênicas

Um palco nobre para um rei

O ator Maurício Tizumba leva ao Grande Teatro do Palácio das Artes uma nova versão de “Galanga Chico Rei

Por Patrícia Cassese
Publicado em 01 de fevereiro de 2020 | 03:03
 
 
 
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Sim, é uma estreia, embora o espetáculo tenha debutado em 2012. Confuso? Nem tanto. É que “Galanga Chico Rei”, que Maurício Tizumba apresenta neste sábado, dentro da 46º Campanha de Popularização do Teatro e da Dança, é uma versão da montagem anterior, mas com elenco mais enxuto: além de Tizumba, dois músicos. “Era um espetáculo de muita gente, e pensamos uma forma de fazer solo para chegar a mais lugares. O legal e, ao mesmo tempo, também um desafio, é estrear essa versão no Palácio das Artes. Estar em um espaço nobre para falar de um nobre”, comemora. 
 
Tizumba se refere ao fato de que o lendário personagem Galanga teria sido um rei no Congo, antes de ser trazido como escravo ao Brasil, onde foi rebatizado Francisco e passou a sofrer as maiores atrocidades. Mais tarde, ele conseguiu comprar a própria alforria e, na sequência, a de muitos outros escravos, uns 400, que trabalhavam na mina de Chico Rei, em Ouro Preto, na região Central de Minas.
 
“É um espetáculo que aborda o sequestro do povo negro (a diáspora) e que fala das maldades a que ele foi por tanto tempo submetido. Como o racismo voltou com força nos dias atuais, é uma hora boa para falar dessas facetas terríveis que o ser humano ainda manifesta e das quais a gente tem que se defender. Acredito que a arte, de uma forma geral, também se presta à denúncia”, entende. 
 
No entanto, Tizumba frisa: “O espetáculo é leve, no verdadeiro sentido da palavra. Traz uma história de violência, luta e resistência, mas de forma lúdica, com muita dança e muita música”. O artista lembra, aliás, que a montagem dá muita ênfase ao Congado. “Uma manifestação religiosa à qual sou muito ligado, a qual amo profundamente”, diz.
 
Gênese. A história da peça começou, na verdade, com a montagem “Besouro Cordão de Ouro”, primeiro texto para teatro do compositor Paulo César Pinheiro, que homenageava o famoso capoeirista baiano. “Quando ele me viu atuando, prometeu que iria escrever um texto especialmente para mim. Daí veio ‘Galanga’, um presente.
 
Na época, e estou falando de 2005, 2006, ele inclusive criou um personagem Tizumba e fez três músicas citando o meu nome – que, aliás, estão no espetáculo”, revela. Tizumba prossegue: “Assim, quando esse texto emerge, já vem com a força do outro, que mostrava um anti-herói, ou melhor dizendo, um herói negro, o Besouro”. O artista faz um parêntese. “Quando se trata de histórias de negros, é comum que lancem dúvidas: será que é verdade? Ora, o fato é que, se a história ‘oficial’ não narra a nossa história, a gente mesmo vai contando. A história é escrita pelo branco – e, nesse caso, tudo vira verdade –, e duvida-se que Zumbi e outros heróis negros tenham existido. Essa tarefa, pois, cabe a nós. Sinceramente, não posso acreditar que o Brasil seja um país só de heróis brancos. Hoje, a gente vê que havia muita mentira nos livros de história – e, quando digo ‘a gente’, é porque há vários grupos lutando para colocar as coisas no seu devido lugar. A desigualdade está aí, estampada na nossa cara”, observa. 
 
“Assim, estar no Palácio das Artes é importante. Se é um lugar que ainda para muitos não nos pertence, a gente vai lá e tenta ocupá-lo com negros e, claro, não negros. E é bom contar a história de alguém que venceu, porque outros heróis negros são mortos de maneiras bárbaras. Besouro é morto, Zumbi... Mas Galanga consegue ser um vencedor, dono de mina. Então, o público vai se divertir, mas também vai aprender, vai escutar história”, conclui ele.
 
Galanga Chico Rei.  Neste sábado, às 20h. Grande Teatro do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1.537). R$ 15

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