Beonmi, Ai-da, Nadine, Sophia, Grace e Desdemona. Os nomes até podem ser comuns, mas seus detentores estão longe de ser gente como a gente. Todos eles são humanoides, robôs com aparência humana, que, nos dias 6 e 7 de julho, em Genebra (Suíça), protagonizarão uma cúpula global sobre Inteligência Artificial (IA) promovida pela Organização das Nações Unidas (ONU), cada um representando o futuro de uma atividade profissional. No caso do mundo das artes, Ai-da Robot é o centro da discussão: capaz de fazer pinturas ultrarrealistas, ela põe em xeque o processo criativo como o conhecemos.
Além desses robôs, ferramentas tecnológicas como ChatGPT e Midjourney já estão por trás de filmes, músicas, pinturas e fotografias, num processo rápido que tem assustado artistas e toda uma cadeia relacionada a esse universo, de empresas de licenciamento de músicas a curadores de festivais. Afinal de contas, pelo caráter original das obras que produz, embora baseadas num enorme banco de dados, a tecnologia seria o verdadeiro autor, levantando-se várias questões éticas e profissionais. Os casos diferem pelo grau de participação das máquinas, mas o fato é que nenhum artista estará imune a essa transformação.
“Todos nós, como artistas, teremos que ter, de alguma maneira, conhecimento sobre essas novas tecnologias, para que consigamos nos adaptar aos novos tempos”, afirma o cineasta Dalson Carvalho, pioneiro em Teresina na utilização de inteligência artificial nas artes. A partir de fotos atuais da capital piauiense, com o auxílio da tecnologia, que processou informações socioeconômicas, ele concebeu uma Teresina do futuro, que mais parece um cenário de filmes apocalípticos. “As pessoas ficaram surpresas e começaram a criticar o governo. Não era a minha intenção, mas acabou ganhando essa dimensão”, assinala.
Carvalho não tem dúvidas de que estamos no meio de uma revolução, dentro de um movimento iniciado com a web 3, definido pelo cineasta como o renascimento da internet e que vem sendo percebido como o acontecimento mais importante que viveremos nas próximas gerações. “É como se a gente estivesse dando um grande reset e começando tudo de novo, só que com ferramentas mais otimizadas. Na versão antiga da internet, o Google nos atendeu muito bem. Agora, nessa nova era, estamos indo muito mais além, porque posso realmente pedir à inteligência artificial para criar junto comigo”, observa.
Esse “criar junto comigo” é o principal ponto de argumentação dos artistas que já trabalham com essas ferramentas. Para esse grupo, a tecnologia é só um meio, com a intervenção humana sendo ainda bastante evidente. É o caso de Fabrizio Poltronieri, um dos principais nomes brasileiros na arte computacional. Ele se vê num patamar muito diferente daqueles que hoje usam o ChatGPT para criar textos ou o Midjourney para imagens.
Residente em Berlim há 14 anos e professor da Universidade de Leicester, na Inglaterra, ele pondera que o que o distingue enquanto artista que usa IA é que ele desenvolve os algoritmos. Poltronieri destaca que seu trabalho, que passa pela produção de artes visuais, música e poesia, segue uma direção diametralmente oposta à “dessas pessoas que usam as soluções que já são fornecidas por empresas como Google, OpenAl e todos esses prompts de geração de imagem”. Para essas empresas, segundo ele, “o interesse artístico tende a zero, e o que elas fazem com essas tecnologias é muito mais um showcase das possibilidades da inteligência artificial. Nesse sentido, para o grande público, o acesso às novas tecnologias se torna muito mais lúdico por meio da arte”.
O artista, nascido em São Paulo, raramente usa soluções já prontas. Formado em matemática, desde os 8 anos demonstrou interesse em programação, após ganhar um computador dos pais. “Minha prática artística sempre nasce de uma inquietação filosófica. Meu doutorado em semiótica foi sobre o papel do acaso na arte computacional. O que me interessa são as implicações para a nossa existência, ao estarmos num ambiente onde não temos o completo controle sobre ele e como essa atmosfera cultural permeada pelo acaso interfere em sistemas de computação”.
Para essas artistas, o IA surge como um potencializador da criatividade humana, num cenário menos aterrador do que tem sido alardeado. “O que essas tecnologias mostraram para nós? Ajudando-nos a trabalhar de forma mais dinâmica e otimizável, elas formatam a ideia desse artista do futuro, que precisa ter um conhecimento de máquina, uma linguagem mínima de computação, para poder se comunicar com a máquina e pedir ajuda durante o processo criativo”, sublinha Carvalho.
Poltronieri é taxativo: a ideia, disseminada principalmente na cultura ocidental, de que os robôs tomarão conta do mundo ainda não passa de ficção. “O que é a inteligência artificial hoje? Ela é nada mais, nada menos do que o resultado estatístico de uma série de treinos feitos a partir de uma base de dados. Assim, ela é muito boa na automatização de tarefas que podem ser facilmente automatizadas. Se há um padrão que pode ser reconhecido, os robôs podem fazer muito melhor que nós. Falta a eles, porém, uma subjetividade, uma consciência. Para chegar aí, ainda está muito longe de acontecer”.