Legado

Ziraldo encantou gerações ao falar para adultos e crianças ao mesmo tempo

Criador de sucessos como 'O Menino Maluquinho', 'Turma do Pererê' e 'Flicts', artista cravou seu nome na história com estilo fabular

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 06 de abril de 2024 | 18:24
 
 
 
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Frequentemente, ou, nos casos de maior sucesso, as histórias de Ziraldo, que faleceu neste sábado (6), aos 91 anos, tinham um tom de fábula. Se é difícil precisar o que nos vêm primeiro à mente quando pensamos no multiartista – título atribuído com justiça pela desenvoltura em várias áreas –, se o desenho de traço inconfundível ou o enredo em forma de chiste, conto ou filme, fato é que permanece aquela sensação de encantamento diante de uma história aparentemente inverossímil (como, por exemplo, um menino com o olho maior que a barriga), mas plena de sua “verdade”. Eis a fábula.

Ziraldo nasceu em Caratinga, interior das Gerais, e publicou seu primeiro desenho aos 6 anos, no jornal “A Folha de Minas”, em caso tão repetido que se tornou batido, mas que revela sua relação prodigiosa com a fabulação, inicialmente, por meio de imagens. Com a mesma idade, Mozart realizou a sua primeira turnê pela Europa. A comparação pode parecer absurda, mas cabe. Em semelhantes termos, podemos pensar em dois colegas das histórias em quadrinhos que fizeram história por aqui: o argentino Quino, criador da Mafalda, e o conterrâneo Mauricio de Sousa com a sua “Turma da Mônica”. 

O escritor italiano Umberto Eco dizia que a força de “Pinóquio” residia no fato de falar para crianças e adultos ao mesmo tempo. Ziraldo, com suas principais criações, obteve a mesma equação: nem tão afiado que privilegiasse os adultos, como a Mafalda; tampouco tão simples que coubesse somente às crianças, caso da Mônica. Ao atravessar gerações, seu “Menino Maluquinho” era passado de pai e mãe para filhos, e, assim, sucessivamente, por guardar essa característica da fábula: há algo de obviamente infantil, mágico, sob o qual se desenvolve uma camada sutil, que conversa com quem deseja retornar a um tempo de pureza, e não de mero ilusionismo.

A “Turma do Pererê” é mais um exemplo, com as personagens brasileiramente folclóricas que hasteiam bandeiras ambientais, e, inclusive, suas contribuições para “O Pasquim”, instrumento fundamental de combate à ditadura militar, onde o caráter lúdico permanece nos desenhos, de uma leveza propositadamente infantil, com que Ziraldo adornava discursos contundentes contra o regime de exceção, valendo-se, sobretudo, da ironia e de outras artimanhas de linguagem que passavam uma rasteira na censura. Há, ainda, “Flicts”, mais fabular impossível, espécie de “O Patinho Feio” do cartunista, adaptada para a paisagem que lhe interessava. Falava da aldeia, e falava do mundo…

Unindo essas características, superar os limites do tempo – ao encontrar-se com as mais diferentes gerações – e, também, do espaço, com histórias localizadas que, no fundo, dirigiam-se a questões da condição humana, como a nostalgia da infância, Ziraldo realizou o desafio clássico do artista, quer seja do segmento dito visual ou literário. Para ele, importava comunicar, sem abrir mão da inteligência e da perspicácia. Ele, aliás, jamais subestimou a capacidade de seus “pequenos” leitores, como se têm feito ultimamente com os agora “consumidores” de todas as idades, com produções cuja única e última preocupação é soar “didático”. Ziraldo preferia o poder do “mágico”.

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