Eterno

Ziraldo viveu como ‘Menino Maluquinho’ e morreu como ‘Vô Passarim’

Humorista também criou personagens sensíveis e delicados que refletiam sobre a passagem do tempo e a vida

Por Raphael Vidigal Aroeira
Publicado em 06 de abril de 2024 | 20:11
 
 
 
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Depois de erguer para a plateia de entusiasmadas crianças uma réplica da Taça Jules Rimet, conquistada pelo Brasil na Copa do Mundo de 1970, o avô Hortêncio, conhecido carinhosamente pelos netos como Vô Passarim, é desautorizado em sua animação pela avó, que, muito mais responsável, manda os meninos irem todos para a cama, pois já é tarde. 

Já na rede, o avô recebe um beijo de boa noite do eterno Menino Maluquinho, protagonista do filme inspirado na obra de Ziraldo, e dirigido por Helvécio Ratton, em 1995. O garoto instantaneamente percebe que o avô está frio, e uma delicada imagem de um peão rodando nos conta sobre a passagem do tempo, e a despedida do Vô Passarim, que, assim como seu criador, Ziraldo, que nos deixou neste sábado (6), aos 91 anos, morreu dormindo. 

A jornalista Cristina Moreno, que participou do longa-metragem como Julieta, namoradinha do Maluquinho, relembra a cena. “Ziraldo morreu dormindo como o Vô Passarim. Ziraldo mudou a minha infância e, talvez, minha vida toda, assim como Helvécio Ratton, que me escalou para seu filme. Mas Ziraldo fez mais, ele ensinou a várias gerações de brasileiros sobre a importância de uma infância feliz. Do brincar na rua. Dos livros de aventuras. Da criatividade e da imaginação. E, sim, da irreverência, ou ‘maluquice’, que ele usou inclusive para criticar os poderosos da ditadura militar”, sublinha, e resgata a frase de uma das mais provocadoras charges de Ziraldo contra o regime: “Só dói quando eu rio”.

Ziraldo também entrou na vida do chargista mineiro Renato Aroeira, natural de Belo Horizonte, de maneira comovente e especial. Ele não disfarça a voz embargada ao relembrar o fascínio com “A Turma do Pererê”, revista em quadrinhos que o avô comprou para ele quando sua avó “estava indo embora, para distrair os netos” de ter que lidar com a dor do luto. A partir daí, Aroeira se converteu em fã, e, mais tarde, tornou-se “amigo e parceiro” daquele a quem chama de “mestre”.

Ao longo da vida, Ziraldo escreveu mais de 150 livros, com a inventividade que o permitiu transitar por cinema, teatro, quadrinhos e literatura, aliado a um humor moleque e arteiro, assim como seu inesquecível “Menino Maluqinho”. Em 2016, Aroeira colaborou com Ziraldo no livro “Meninas”, dando cor às ilustrações do criador do “Menino Maluquinho”.

“Não sei nem o que dizer, Ziraldo é uma espécie de Louis Armstrong, que era monstro, genial e fantástico em dois instrumentos diferentes. Ziraldo era gênio do desenho e, também, um dos maiores contadores de histórias infanto-juvenis que eu já vi”, compara. Aroeira se orgulha de ter tido “a sorte de poder conviver como amigo com ele por quase 40 anos”. “Ziraldo era o ‘Menino Maluquinho’ em pessoa”, finaliza Aroeira. 

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