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Nos 150 anos de imigração italiana, presidente da Eurofarma reflete sobre legado

Empresa foi fundada por imigrantes e permanece na família

Por O TEMPO
Publicado em 21 de fevereiro de 2024 | 03:00
 
 
 
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A imigração italiana completa 150 anos em 2024. Além de um marco na vida de cada uma das centenas de milhares de famílias que partiram da Itália rumo ao Brasil desde o final do século 19, o movimento também transformou a economia brasileira. Indústrias dos mais diferentes setores têm raízes italianas e, além de uma lição de empreendedorismo, são um exemplo de tradição familiar.

 

É o caso da Eurofarma, gigante farmacêutica que nasceu em 1972 em Interlagos (SP). Ela surgiu com o casal Galliano e Maria Teresa Billi. Em um novo momento da imigração italiana no Brasil, no pós-guerra, eles desembarcaram no Brasil em 1957, graduados pela Universidade de Bolonha. Galliano Billi trabalhou por quase 20 anos em laboratórios no Brasil, até que decidiu dar vazão ao espírito empreendedor e iniciar o seu próprio.

 

 

Com cerca de 12.600 funcionários e 11 fábricas na América do Sul, a Eurofarma permanece na família e continua a se expandir. Em 2024, a empresa deve concluir a primeira etapa de sua planta em Montes Claros, no Norte de Minas, que será a maior da organização. Em celebração aos 150 anos da imigração, comemorado nesta quarta-feira (21/02), O TEMPO conversou com o presidente da empresa e filho dos fundadores, Maurizio Billi.

 

A história da Eurofarma começa como a de outras empresas ítalo-brasileiras, com a chegada de uma família de imigrantes em busca de oportunidades. O que ela representa para o senhor?

 

Meus pais chegaram aqui em 1957, no Porto de Santos. Eu tenho até o manifesto e o relatório de chegada de estrangeiros daquela data, onde constam o nome do meu pai e da minha mãe. Minha mãe já estava grávida de mim, eles se casaram e vieram naquela época, como todos os imigrantes, na esperança de achar um trabalho, de achar uma ocupação. Na verdade, meu pai já veio com uma oportunidade. Ele tinha um amigo que tinha vindo dez anos antes e arrumado um emprego em uma indústria farmacêutica. Meu pai era químico, então veio para trabalhar em uma empresa farmacêutica. Ao contrário de muitos imigrantes, ele veio já com alguma possibilidade de vida.

 

Ele trabalhou nessa empresa durante 15 anos e, depois, saiu para montar o próprio negócio dele, há 52 anos. Agora, esse negócio virou a companhia que nós temos hoje. Ele trabalhou aqui até um ano antes de falecer [em 2020]. Vinha todos os dias e acompanhava tudo. Era o grande orgulho da vida dele.

 

Para meu pai, para minha mãe, para toda minha família, o Brasil representa tudo. Tudo que minha família tem, tudo que nós conquistamos, devemos a este país, que nos deu a chance de nos tornarmos alguém. A chance para nós e para milhões de imigrantes.  Não só italianos, mas de qualquer outra origem. O Brasil deu um futuro para eles. Coisa que eles não tinham naquela época do começo do século 20.

 

Então, eles se dedicaram muito, e o Brasil também deve muito. Eu me sinto quase emocionado quando penso nisso, porque o Brasil deu muitas chances a todos esses imigrantes, que não teriam condições de sobrevivência no país de onde eles vieram. Ao mesmo tempo, essas pessoas ajudaram a construir o Brasil. Então, foi uma relação de ambas as partes. Uma relação maravilhosa. Ajudaram a construir o Brasil e também deixaram um pouco da cultura. Muito, na verdade, da cultura italiana.

 

O Brasil também os ajudou muito. Eram pessoas que não tinham a menor chance de ter uma vida como tiveram aqui no Brasil se eles não tivessem vindo. Em meados do século 20, não havia nem avião para vir ao Brasil. Era só de navio, e eu me lembro de que as cartas demoravam um mês pra chegar. Eles [os imigrantes] escreviam para a família, porque eram sozinhos. A família toda ficou, eles escreviam cartas para se comunicar, demorava um mês para chegar. Depois, a resposta demorava outro mês. Tinha sempre uma defasagem de dois meses na troca de informações.

 

Mas era um país maravilhoso. Ainda é. Mas, naquela época, havia tudo para ser feito. Era realmente a terra das oportunidades, porque uma pessoa com vontade de trabalhar podia fazer muitas coisas.

 

Quais características e valores italianos a empresa preserva até hoje?

 

Eu não sei se são valores italianos, são os valores que acho que toda empresa deveria ter. São a questão de como tratar os colaboradores, de proporcionar, sempre que possível, uma melhora na qualidade de vida de todo mundo e retribuir à sociedade, de você ter que retribuir para a sociedade aquilo que ganhou. Uma parte daquilo que você ganhou. Uma chance que você teve e que muitas outras pessoas não têm. Preparar pessoas, principalmente na área de educação.

 

Nós temos um instituto [o Instituto Eurofarma] de que nos orgulhamos muito. Ele ajuda milhares e milhares de pessoas a ter uma vida um pouco melhor, basicamente fornecendo educação a essas pessoas. Não sei se são exatamente os valores italianos, mas é uma coisa que sempre aprendemos. 

 

Esta quarta-feira, dia 21 de fevereiro, marca os 150 anos da imigração italiana no Brasil. O que a data significa para a família?

 

Eu acho que significa um pouco, como eu disse antes, a oportunidade de ter uma vida melhor, muito melhor do que se teria caso meus pais tivessem ficado no país de origem. Eu acho que todos os imigrantes são pessoas que têm uma coisa diferente, uma predisposição para sair mais da zona de conforto e para lutar mais. Até porque não tinham outra escolha, porque realmente havia gente que morria de fome na Europa no pós-Guerra.

 

São pessoas que têm alguma coisa a mais, que têm uma disposição a mais para empreender e assumir riscos, que têm otimismo. Otimismo é básico para qualquer coisa que você queira fazer. Ele é um valor muito importante, uma característica muito importante para qualquer um que queira empreender.

 

Quando Minas Gerais começou a fazer parte da história da Eurofarma? O que Minas representa para empresa e para a família?

 

Minas Gerais começou a fazer parte da história da nossa empresa há cerca de oito anos, quando chegamos à conclusão de que precisávamos fazer um novo investimento. Escolhemos Minas principalmente pelo fato de ter vantagens tributárias muito grandes em relação ao Estado de São Paulo.

 

Estamos construindo aqui nossa maior planta, e deve ser a planta que ajudará no desenvolvimento da nossa empresa nos próximos 50 anos, em Montes Claros. A Eurofarma se faz presente a partir das pessoas que divulgam os nossos produtos em absolutamente todas as cidades de Minas Gerais. Também temos o nosso maior centro de distribuição na cidade de Varginha.

 

São mais de 100 mil m² de área de produção [na nova fábrica]. No final deste ano, ficaria pronta a primeira parte, pequena ainda. Nos próximos cinco anos, a cada ano, uma parte importante dela deve ficar pronta e disponível para usarmos.

 

O que essa planta representará para a Eurofarma?

 

Representa toda a nossa possibilidade de manufatura no futuro, toda nossa demanda futura. Ela foi planejada para poder ser construída em módulos. Ou seja, assim que precisarmos aumentar a produção, a infraestrutura já estaria toda pronta. Ela pode duplicar ou triplicar a nossa capacidade de produção. Então, para os próximos anos, estamos muito bem resolvidos. Em uma primeira etapa, empregaremos por volta de 300 a 500 pessoas. Depois, podemos chegar a 4.000, 5.000, no decorrer de mais cinco anos.

 

A Eurofarma permanece uma empresa familiar?

 

Sim, é uma empresa totalmente familiar. A família sempre mantém o controle da companhia. Ela é uma sociedade aberta e não tem ações listadas em Bolsa.

 

Quero uma opinião do senhor sobre outros imigrantes que estão por aqui. Não só no Brasil, como em Minas Gerais, trazendo muito do conhecimento e dos valores dos europeus e também dos italianos. Fale um pouco sobre estes italianos.

 

Se você fizer um levantamento, verá um monte de empresas que tiveram origem com os imigrantes. Eu não conheço exatamente a situação de Minas Gerais, mas, no Brasil como um todo, muitas e muitas empresas têm na origem a imigração italiana. Empresas grandes, empresas pequenas, empresas médias.

 

Muitos estabelecimentos comerciais também. Esses imigrantes realmente fizeram uma diferença no país, ajudaram-no muito a se desenvolver e foram compensados com um mercado maravilhoso que nós temos aqui.

 

O nome Eurofarma é referência à Europa?

 

É. Durante os primeiros 30 anos da empresa, ela se chamava pelo nosso sobrenome, Billi Farmacêutica. Depois, chegamos à conclusão de que tínhamos que mudar isso e escolher outro nome para a companhia. Então, meu pai teve a ideia de usar o prefixo “Euro” e, depois, o “farma”, que é a nossa atividade. Realmente para fazer uma homenagem ao continente europeu e às origens deles.

 

E há uma medicação assinada pela sua mãe?

 

Sim. São dois produtos. Em um, meu pai pegou uma caneta e um pedaço de papel e escreveu o nome de um produto novo que precisávamos lançar. Ele escreveu com a caligrafia dele o nome do produto. E mantivemos esse nome com a caligrafia dele até hoje nas embalagens. Depois, a minha mãe fez a mesma coisa com outro produto. São duas pílulas anticoncepcionais e, em cada embalagem, ainda há uma grafia original da mão deles.

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